(As
fases da Justiça do Trabalho)
Ivan Alemão
Artigo publicado:
- REVISTA DA ANAMATRA ano 9, nº 31,abril/junho de 1997
- Revista LTr de out/1997
- Jornal UNIDADE - dez/1997
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Não se pode falar de organização
judiciária do trabalho no Brasil sem se referir a Geraldo Montedônio Bezerra de
Menezes, monumento vivo do Direito do Trabalho.
Hoje, aos 81 anos de idade,
continua lúcido e intensamente preocupado com a prestação jurisdicional aos
marginalizados. Não poderia deixar de socializar trecho da carta que recebi
deste grande mestre, que viveu e vive o Direito do Trabalho, onde trata de tema
histórico:
"Com
atuação na Justiça do Trabalho, no Rio de Janeiro, então capital da República,
desde a fase embrionária, nomeado que fui em 1938, época em que das decisões
das Juntas de Conciliação e Julgamento, cabia a avocatória ao Ministro do
Trabalho, Indústria e Comércio, cedo compreendi a magnitude do papel reservado
à primeira instância. Ao tempo, tinham as Juntas a função precípua de abrir
rumos - de abrir clareiras, diria melhor - levando às partes, quando
solicitadas, nova concepção judicante, acorde com as exigências da época,
proveniente de uma nova civilização a impor a integração social de milhares,
senão milhões, de irmãos nossos, trabalhadores marginalizados, sujeitos à
própria sorte.
"Neste
preâmbulo evocativo, estou em lembrar que, em conferência proferida na
Faculdade de Direito de Niterói, integrada à UFF, onde estudei e me tornei
professor, já me fixava no tema momentâneo: as Juntas de Conciliação e
Julgamento no mecanismo da Justiça do Trabalho, estudo divulgado pelas revistas
especializadas do país.
"Mais.
A presidência do Conselho Nacional do Trabalho e, a seguir, do Tribunal
Superior do Trabalho, bem assim, a atuação judicante nesses órgãos superiores,
ensejaram-me lutar, como lutei, por melhor compreensão do papel da instância
originária da Justiça especial e por garantias a serem outorgadas aos seus
juízes, então totalmente desamparados. E tudo foi previsto e assegurado através
do Decreto-lei nº 9.797, anterior à Carta Magna de 1946, promulgada pelo
Presidente Eurico Gaspar Dutra, de cujo projeto fui autor, "verbum ad
verbum", de que resultou a instalação, no Brasil, de autêntica
Magistratura do Trabalho. Realmente, autônoma.
"Compreende-se
que, ainda hoje, sem embargo dos meus 81 anos referto da graças divinas,
acompanhe a atuação dos colegas de magistratuta que desemprenham as mais
empolgantes e mais árduas funções da Justiça do Trabalho. Provam-no, para
cingir-me ao exemplo fluminense, a atuação consciente, esclarecida e
construtiva dos exemplares Juízes do Trabalho que atuam na Primeira Região. Não
se limitam ao mister de julgar, sagrado a todos os títulos. Aprofundam-se,
conscientemente, no estudo e conhecimento do "novum jus". Não só.
Levam ao grande público, através de conferência, debates, encontros, jornadas
ou congressos, mensagens altamente esclarecedoras, quando não conquistam a docência
universitária, no prolongamento de um afã exemplarmente construtivo".
Para
fazer um breve resumo de sua longa carreira, Geraldo Bezerra nasceu em Niterói
em 11.07.1915, onde se criou e formou, não sem deixar marcas. Estudou na
Faculdade de Direito de Niterói (hoje, UFF), onde foi presidente do diretório
estudantil, depois professor e diretor. Nomeado juiz do trabalho, logo ascendeu
ao cargo máximo dessa Justiça. Escreveu diversos livros com grande repercussão
sobre política sindical, seguridade social, ideologia e religião. Sempre
homenageado, possui inúmeros títulos. A propósito, ver "Testemunho,
Magistério e Justiça Social" (Ed. Quinta Cor), livro organizado por seu
ilustre filho, Dr Geraldo Bezerra de Menezes, que reúne depoimentos de diversos
juristas sobre sua pessoa e obra.
Valho-me
desta oportunidade para destacar o papel do Decreto 9.797/46, elaborado
por Geraldo M. Bezerra de Menezes, que significou, em meu entender, a terceira
e atual fase de nossa Justiça do Trabalho, como relato em meu livro
"Garantia do Crédito Salarial" (LTr), que inclusive, suscitou a
elaboração da referida carta.
A
primeira fase da Justiça do Trabalho corresponde ao seu surgimento,
ainda como órgão administrativo, integrante do Ministério do Trabalho
(Dec 22.132 de 25.11.32). A sua atuação era voltada basicamente para acordos
judiciais, porém sequer promovia execução do próprio acordo ou sentenças, a
cargo da justiça federal, depois a comum. Era época do início do então
conhecido governo revolucionário de 30, onde foi grande a participação da
primeira geração de juristas famosos do Direito do Trabalho, como Evaristo de
Moraes (pai) e Joaquim Pimenta, assessores do primeiro Ministro do Trabalho,
Lindolfo Collor. Todavia, a atuação das Juntas eram mais políticas que
processuais, consistindo em mecanismo inicial para impor-se a harmonia entre
Capital e Trabalho preconizada pela Frente Liberal que chegara ao poder.
A
segunda fase é aquela em que a Justiça do Trabalho ganha função judicial
(Decreto-Lei nº 1.237/39, regulamentado pelo Decreto 6.596/40), pois ela
passou a executar suas próprias decisões, ganhando, assim, independência
enquanto órgão judicial; apesar de ainda não estar incorporada ao Poder
Judiciário. Costumava-se dizer que ela tinha "natureza judiciária". Todavia, essa independência embrionária não
significava a autonomia do “juiz”, mas do órgão como um todo frente aos outros
órgãos públicos. É uma fase de transição e como tal de difícil qualificação.
Diversas intepretações eram elaboradas pelos juristas.
É
nesse período que surge a CLT
(1943), mantendo essencialmente a Justiça do Trabalho, com pequenas alterações,
como reconheceu o próprio relatório da Comissão de juristas. Algumas
modificações, em nosso entender, para pior, como a criação dos prejulgados
que reduziam ainda mais o poder dos juízes de primeira instância, dando maior
poder à cúpula da Justiça e aos Procuradores do Trabalho. A comissão
considerava o prejulgado como "grande melhoria", "benéfica na
vida e no progresso do Direito". Na verdade, a Comissão predominantemente
de procuradores do trabalho (Rego Monteiro, Arnaldo Süssekind, Dorval Lacerda,
Segadas Vianna e Oscar Saraiva), valoriza sua instituição já que os prejugaldos
eram provocados pela própria Procuradoria da Justiça do Trabalho (art.902,
revogado).
Os
juízes de primeira instância não passavam de subordinados, exercendo uma
espécie de cargo em comissão. Os juízes presidentes eram nomeados pelo
Presidente da República a seu critério (exigia-se apenas ser bacharel em direito
e ter idoneidade moral), e cumpriam mandatos de dois anos, podendo ser
reconduzidos, semelhante ao que ainda ocorre com os juízes classistas. Ao
assumir o cargo o juiz eles eram fiscalizados, podendo ser suspensos
previamente pela autoridade imediatamente superior, podendo também ser demitidos
mediante inquérito administrativo (art.654,§2º da CLT, revogado).
Esta
é a fase do Estado Novo, ditadura que se prolongou até o desenrolar da II
Guerra Mundial. É neste cenário que Geraldo Bezerra encontra-se na
magistratura, ainda nomeado (1938), como bem nos relata, porém se rebelando. Uma
nova fase inevitavelmente surgiria e surgiu com sua marca.
Uma
nova fase, a terceira, surgiu com a democratização do país, com o fim da
II Guerra, a queda do Estado Novo, a eleição presidencial que levou o Gaspar
Dutra ao poder e a Constituição promulgada em 18.09.46. Pouco antes da nova
Carta Magna, havia entrado em vigor o Decreto 9.979 de 09.09.46, norma esta que
trouxe a modificação referida e teve como mentor Geraldo Bezerra, então
presidente do Conselho Nacional do Trabalho. É a estrutura dos dias atuais.
A
terceira fase surge com a valorização da primeira instância, dos juízes
"totalmente desamparados" como nos coloca Geraldo Bezerra em sua
carta. Costuma-se dizer que esta fase corresponde à integração da Justiça do
Trabalho ao Poder Judiciário, é verdade. Todavia, a independência do juiz ou da
Junta, enquanto instância inferior, é que de fato deu independência total à
jurisdição trabalhista. É na primeira instância que há a negociação direta, que
ocorre a instrução e a execução. É aqui que o processo, substancialmente inicia
e conclui, lugar onde o trabalhador mais humilde comparece para acompanhar o
destino de seu direito. É a porta de entrada e saída do templo da Justiça.
Geraldo Bezerra soube e sabe defender muito bem este andar da Justiça já que
preocupado com os marginalizados, irmãos nossos, sujeitos à própria sorte. Essa
obra só poderia ser de quem viveu todas as fases da Justiça do Trabalho, além
de outras tão importantes quanto. Foi aluno, depois professor, até chegar a
diretor no mesma instituição. Foi da
primeira à última instância no mesmo órgão judicante, galgando todos os andares
do templo da História. Em sua vetusta idade não esquece os jovens, os de baixo
e iniciantes, tratando-os como qualquer outro irmão. Sou testemunho dessa digna
atitude, pois sem nunca tê-lo conhecido pessoalmente recebi seu incentivo
através de recados e carta, antes de mais nada com a preocupação de valorizar o
debate, a paixão pelo trabalho e a descoberta de "novum iuris".