Ivan Alemão (Juiz do Trabalho da 1ª Região e
doutor-professor da Universidade Federal Fluminense)
Índice
1.UMA NOVA PROFISSÃO?
2.DIREITOS DOS MOTORISTAS (Formação e
aperfeiçoamento profissional. Atendimento médico. Proteção contra
criminalidade. Seguro obrigatório)
3.DEVERES DOS MOTORISTAS – PREOCUPAÇÃO ÉTICA PROFISSIONAL (Deveres
e responsabilidade do motorista profissional, Violência do trânsito, Regras
éticas, Regulamento patronal – vetado)
4.DURAÇÃO DO TRABALHO – PREOCUPAÇÃO CONTRATUAL
4.1. MOTORISTAS DE
CARGA E DE PASSAGEIROS (Controles de horários. Limites de jornada e intervalos. Limite de duas horas extras. Intervalo
intrajornada. Tempo de reserva. Descanso semanal de 35 horas e intervalo
interjornada. Adicional
de horas extras e jornada noturna. Compensação de jornada agora só com
negociação coletiva. Viagens de longa distância para motoristas rodoviários de transporte
de passageiros e de carga. Escala de 12x36. Proibição de remuneração por meta. Responsabilidade do motorista. Limites da negociação
coletiva. Fracionamento dos intervalos intrajornada)
4.2.MOTORISTAS DE
CARGA (Viagens de longa distância apenas para motoristas rodoviário transporte
de carga. Tempo de espera dos motoristas de transporte de carga –
inconstitucional? Tempo de espera específico. Intervalo interjornada mínimo de 6h com o veículo parado -
supressão do tempo de reserva. Veículo
embarcado – suspensão da jornada e tempo de espera .
Repouso de 36h para motoristas de carga em viagens com duração superior a uma
semana. Acúmulo de descanso semanal – vetado. Fracionamento do repouso do motorista
de carga. Pagamento por pernoite – vetado.
Permanência no veículo em decorrência de força maior. Permanência
voluntária no caminhão – inclusão do ajudante)
5.NORMAS DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB) – (Condições sanitárias)
6.DEMAIS VETOS (Isenção de
responsabilidade do condutor por atos de passageiros – vetado. Pontuação de multas – vetado por
entender o ambíguo conceito de ‘motorista no
exercício de atividade profissional’. Concessão Rodoviária - Art. 7º, 8º e
10 da Lei 12.619 (vetados). Trabalhador
avulso não portuário (vetado) .Vigência da Lei (vetado).
7.CONCLUSÕES
1.UMA NOVA PROFISSÃO?
Art. 1o É livre o exercício
da profissão de motorista profissional, atendidas as condições e qualificações
profissionais estabelecidas nesta Lei.
Parágrafo único. Integram a categoria profissional de
que trata esta Lei os motoristas profissionais de veículos automotores cuja
condução exija formação profissional e que exerçam a atividade mediante vínculo
empregatício, nas seguintes atividades ou categorias econômicas:
I - transporte
rodoviário de passageiros;
II - transporte
rodoviário de cargas;
III - (VETADO);
IV - (VETADO).
O art 1º possui uma redação um tanto
redundante quando se refere ao “exercício da profissão de motorista profissional”.
Bastaria se referir ao “exercício da profissão de motorista”, como inclusive
consta na ementa da lei.
Estaria essa lei
pretendendo regulamentar uma nova profissão? Aparentemente (e só aparentemente)
sim, pois ela estabelece que o “exercício da profissão de motorista
profissional”, deve atender às “condições e qualificações profissionais
estabelecidas nesta Lei”. Não se trata então de se seguir uma possível
legislação geral sobre a ocupação profissional de motoristas, mas o que estabelece
“esta lei”. Seria de se esperar, assim, que seu corpo trouxesse uma
regulamentação profissional, o que não existirá. Por isso só aparentemente ela
teve essa intenção, ou seja, ela apenas possui essa proposta, mas não
concretizada.
Na verdade, ela até
chegou a dar meios passos nesse sentido, mas sofreu veto presidencial.
Refiro-me à tentativa de criar uma categoria diferenciada, como veremos.
No parágrafo único do art. 1º da lei há
referência à “categoria profissional”, como um gênero de motoristas
profissionais, tendo como espécie os que possuem “formação profissional e que exerçam a atividade mediante vínculo
empregatício”. Motorista profissional
empregado é um segmento que se
distingue de outra espécie de motorista profissional, a dos autônomos, como grande parte dos
taxistas que obtiveram recentemente regulamentação nacional própria (Lei n.
12.468 de 26.08.2011). Mas a Lei ora comentada não está tratando de qualquer
motorista empregado, e sim daquele que além de ser empregado possui formação profissional.
Ou seja, o parágrafo único trata dos motoristas que
são empregados e que concomitantemente
possuem formação profissional. Não vamos aqui estudar o que seja empregado,
pois foge ao objetivo deste texto, mas nos preocupa o que seja “formação
profissional”. Não há clareza na Lei sobre essa formação. No geral, uma
formação profissional pode ser adquirida por meio de curso regular ou pelo
exercício prático. Cada vez mais as sociedades exigem cursos de qualificação
para conceituar uma ocupação profissional, embora nas atividades essencialmente
manuais a expressão profissional ainda seja muito utilizada para contrapor aos
menos experientes, como o ajudante.
A única exigência de
curso para o motorista é a que trata da habilitação para dirigir, que é aberta
a qualquer cidadão, seja ele profissional ou não. O Código de Trânsito
Brasileiro (Lei 9.503 de 23.09.1997), em seu art. 145, estabelece a exigência
de o candidato que pretende habilitar-se nas categorias D e E ou que pretende
conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de
emergência ou de produto perigoso, deverá preencher alguns requisitos, entre
eles o de ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de
prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN.
A Lei que ora
comentamos em seu art. 6º, incluiu um
parágrafo único no art. 145 do Código de Transito para reafirmar que esta
participação em curso independe de o candidato ter cometido alguma infração grave ou
gravíssima ou ser reincidente em infrações médias durante os últimos doze meses
(inciso III do mesmo artigo), que é outra condição para a habilitação ora
tratada. Ou seja, a infração cometida pelo candidato não o impede de fazer o
curso, embora ele tenha que esperar um ano para obter a habilitação.
Em outros termos, não
é possível que a habilitação junto ao DETRAN seja uma formação profissional,
pois ela não é “profissional” já que aberta a qualquer pessoa que preencha as
condições, e com objetivo de uso não necessariamente profissional. Por outro
lado, não vemos outro critério deixado pela Lei para considerar preenchida a
condição pelo ângulo da “formação profissional”, ao lado da condição de
empregado. A outra possibilidade é a de a formação profissional ser a prática,
ou seja, adquirida pelo histórico individual de cada trabalhador que pode ser
conferida por meio de sua carteira de trabalho, ou por meio de avaliações de colegas
e de antigos empregadores. Aliás, esta ainda é a que nos parece mais
consistente com a realidade da lei.
Por tais imprecisões
da lei, vamos a partir de agora considerar apenas “motoristas empregados” que é
o que realmente pretende a lei, já que os conceitos mais amplos de motorista
profissional e de formação profissional, não passam de enfeites em seu texto. O
que ela atinge realmente são os motoristas empregados que possuem habilitação
para movimentarem transportes rodoviários de cargas ou de passageiros, como
constam nos incisos I e II do parágrafo único.
A presidente Dilma
vetou os outros dois incisos, III (transporte
executado por motoristas como categoria diferenciada que, de modo geral, atuem
nas diversas atividades ou categorias econômicas) e IV (operadores de trator de
roda, de esteira ou misto ou equipamento automotor e/ou destinado à
movimentação de cargas que atuem nas diversas atividades ou categorias
econômicas). Razões do veto: “Da
forma como redigida, a proposta causaria interferências na representação
sindical de trabalhadores no exercício de atividades distintas daquelas que são
objeto do Projeto de Lei.”
Por meio desses dois
incisos vetados, vemos que a Lei tinha a intenção de realmente criar uma
categoria diferenciada de empregados. Ou seja, ela tinha a pretensão de
estender a profissão de motoristas para além do ramo de atividade de seus
empregadores. Daí aquelas considerações da Lei de tratar do gênero e da espécie
perderam o sentido, ficando ela destinada apenas aos motoristas empregados nos
ramos já conhecidos de transporte de carga e de passageiros que, aliás, antigamente
formavam um só sindicato de trabalhadores.
Não é preciso
demonstrar que o ramo de transporte se tornou fundamental nas sociedades fordistas, e que o transporte coletivo é
hoje considerado atividade essencial, inclusive pela Lei de Greve. A denominada
categoria de rodoviários é, assim,
composta pelos empregados de empresas de transporte coletivo, que inclui o
motorista de que trata esta lei, o cobrador, o despachante, o fiscal,
mecânicos, escriturários, etc. Porém, a lei só atinge o motorista. O mesmo se
diz em relação à categoria dos transportadores de cargas: a lei não inclui os
chamados “ajudantes” que são os carregadores, nem os escriturários, apenas os
motoristas. Para ser exato, o ajudante é citado na Lei para excluir direito
seu, como veremos no comentário ao §10
do Art. 235-E.
Provavelmente pela
sua importância econômica, o projeto da lei procurou dar um tratamento
diferenciado em termos sindicais, o que já ocorre levemente nas convenções
coletivas, muito embora não apenas com os motoristas mas estes e os cobradores,
quando tratam de jornada de 42 horas semanais. Mas prevaleceu o receio de se
abrir uma nova exceção de categoria diferencia que pudesse abalar o atual
sistema sindical brasileiro de seguir o ramo de atividade econômica do
empregador. No fundo, esse enquadramento tradicional, surgido no Estado Novo
quando a greve era proibida, facilita a negociação coletiva já que forma os
pares, como numa dança de quadrilha. Já a categoria diferenciada age de forma
mais autônoma, voltando-se para o fortalecimento de sua corporação.
2.DIREITOS DOS MOTORISTAS
Art. 2o São direitos dos motoristas profissionais, além daqueles previstos no
Capítulo II do Título II e no Capítulo II do Título VIII da Constituição
Federal:
I - ter
acesso gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional, em
cooperação com o poder público;
II -
contar, por intermédio do Sistema Único de Saúde - SUS, com atendimento
profilático, terapêutico e reabilitador, especialmente em relação às
enfermidades que mais os acometam, consoante levantamento oficial, respeitado o
disposto no art. 162 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no
5.452, de 1o de maio de 1943;
III - não
responder perante o empregador por prejuízo patrimonial decorrente da ação de
terceiro, ressalvado o dolo ou a desídia do motorista, nesses casos mediante
comprovação, no cumprimento de suas funções;
IV -
receber proteção do Estado contra ações criminosas que lhes sejam dirigidas no
efetivo exercício da profissão;
V -
jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo
empregador, que poderá valer-se de anotação em diário de bordo, papeleta ou
ficha de trabalho externo, nos termos do § 3º do art. 74 da Consolidação das Leis do Trabalho
- CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de
1943, ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do
empregador.
Parágrafo
único. Aos profissionais motoristas empregados referidos nesta Lei é assegurado
o benefício de seguro obrigatório, custeado pelo empregador, destinado à cobertura
dos riscos pessoais inerentes às suas atividades, no valor mínimo
correspondente a 10 (dez) vezes o piso salarial de sua categoria ou em valor
superior fixado em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Temos uma lei que
trata de apenas um tipo de ocupação profissional, o de motorista e que são
subdivididos em duas categorias sindicais: de transporte de passageiros e o de
transporte de cargos, com sindicatos distintos.
A Lei 12.619/12 trata
dos direitos e deveres dos motoristas profissionais. Porém, houve uma separação
entre direitos, que faz parte do art.
2º, e os deveres que foram incluídos
na CLT. Ainda há os deveres incluídos no CTB.
Bem, considerando que
a CLT é um instrumento normativo de maior acesso e uso, haverá certa
dificuldade prática de o leitor fazer a conexão entres os direitos e os
deveres. Prevaleceu, provavelmente, a preocupação técnica em não incluir na parte
da CLT que trata de duração do trabalho e condições de trabalho (capítulo I do
Título III), temas considerados estranhos. Mas nem isso foi bem sucedido, pois
o art. 2ª da Lei, que não foi incluído na CLT, também trata de duração do
trabalho, motivo pelo qual trataremos do inciso
V do art. 2º.
O art. 2º da Lei
12.619/12 trata, na verdade, de direitos sociais (inciso I, II, IV e parágrafo
único) e de direitos contratuais (inciso III e V).
O caput do art. 2º cria novos direitos com
ressalva expressa aos do Capítulo II do Título II, que trata da Duração do
Trabalho, e os do “Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal”.
Acredito que a intenção do legislador foi a de dizer que a presente Lei, mesmo
sendo especial não exclui qualquer outro previsto na CLT e na Constituição
Federal.
Formação e aperfeiçoamento profissional
O inciso I do art. 2º prevê “acesso
gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional, em cooperação
com o poder público”. Não fica claro se a obrigação é do empregador, embora
isso deva ser interpretado como implícito. Por outro lado, é possível que tais
cursos sejam promovidos por outros órgãos educacionais ou sindicais. Também não
constam na lei questões básicas de um curso, como a sua duração, o seu conteúdo,
o nível dos docentes, enfim há infindáveis questões que exigem uma
regulamentação. Sempre que a Lei 12.619 trata de formação profissional é
extremamente genérica, como já comentado por nós no art. 1º.
Atendimento médico
O inciso II garante assistência de
“atendimento profilático, terapêutico e reabilitador, especialmente em relação
às enfermidades que mais os acometam”, por meio do SUS. Também há ressalva de
que este direito não desobriga o empregador das regras da CLT, em especial o
art. 162. O inciso II, é tema de direito previdenciário e sem dúvida deveria
ser adaptado ao programa do SUS, especialmente na legislação afim. Ele fica,
assim, um tanto deslocado, exigindo mesmo que ele sofra um aprofundamento
regulamentar.
Proteção contra criminalidade
O inciso IV do art. 2º, garante “proteção
do Estado contra ações criminosas que lhes sejam dirigidas no efetivo exercício
da profissão”. Estaria a Lei procurando
criar um atendimento particular do Estado aos motoristas? Parece que não, o que
torna a lei genérica ou até demagógica neste ponto. Só resta, assim, atribuirmos
tal encargo às já existentes polícias civil e militar, ou até mesmo a assistência
judiciária por meio de defensoria pública. Não haveria como criar um privilégio
de atendimento a uma determinada categoria profissional.
Entretanto, é
possível que o Estado realize campanhas no sentido de aumentar a proteção dos
motoristas. Os noticiários informam que criminosos têm invadido ônibus para assaltar
os passageiros e a féria. Chegou-se mesmo a ocorrer casos absurdos de incêndio
de ônibus ainda com passageiros dentro, mas neste caso como forma de represália
de traficantes contra os órgãos de segurança. Quanto aos transportes de carga
há o assalto da mercadoria. Vê-se logo que o problema não é apenas do
“motorista profissional”, mas também, ou até principalmente, dos cobradores,
dos ajudantes, e dos usuários de forma direta, e indiretamente dos empregadores
em decorrência do prejuízo.
Acho que soa estranho
este inciso como algo específico da categoria, pois a vítima não é exatamente
ou somente o motorista profissional, muito embora não se exclua a sua proteção
numa campanha de redução da criminalidade relacionada com o transporte coletivo
e o de carga, aliás com situações bem distintas.
Seguro obrigatório
O parágrafo único do art. 2º garante aos
profissionais motoristas o benefício de seguro obrigatório, custeado pelo
empregador, destinado à cobertura dos riscos pessoais inerentes às suas
atividades, no valor mínimo correspondente a 10 (dez) vezes o piso salarial de
sua categoria ou em valor superior fixado em convenção ou acordo coletivo de
trabalho.
Esse parágrafo, que
poderia ser um inciso, é o que garante um direito social de forma mais precisa.
Define que ele será custeado pelo empregador e estabelece inclusive um patamar
mínimo. Quanto ao sinistro, o texto não foi muito preciso, mas ao relacioná-lo
com as atividades pessoais no exercício da atividade profissional, não é
difícil situá-lo, já havendo no mercado seguros dessa natureza. Certamente, o
seguro deve incluir todos os infortúnios decorrentes de ações violentas, como
as acidentes de trânsito e assaltos, assim como as doenças profissionais
físicas e mentais específicas da profissão.
Esse parágrafo,
embora possa vir a sofrer regulamentação, é autoaplicável. Ele possui todas as
condições para ser exigido a partir da vigência da Lei. As possíveis dúvidas
sobre certos sinistros também pode ser definido pelos costumes e a
jurisprudência, por tratar-se de mera interpretação da lei e não criação de
regra. A ausência do seguro certamente implicará na condenação do empregador a
pagar o valor mínimo previsto na Lei. A vinculação com o piso da categoria
facilita a quantificação e sua atualização, porém, por outro ângulo, pode vir a
ser um fator de redução do valor do próprio piso profissional, como vem
ocorrendo com o salário mínimo em decorrência de sua vinculação com o benefício
previdenciário. Mas há o espaço aberto para a negociação coletiva, o que pode
atenuar esse efeito.
Algumas categorias já
possuem esse tipo de obrigação securitária por meio de norma coletiva, e agora
a lei a firma sua aplicação no caso dos motoristas, ficando a negociação para
acerto de detalhes. Acredito que a negociação coletiva também deva estender, de
alguma forma, o benefício aos cobradores no caso dos transportes coletivos e
para os ajudantes, no caso dos transportes de carga.
3.DEVERES DOS MOTORISTAS – PREOCUPAÇÃO ÉTICA PROFISSIONAL
Deveres e responsabilidade do motorista
profissional
Art. 3o O Capítulo I do
Título III da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa
a vigorar acrescido da seguinte Seção IV-A:
“TÍTULO III
...........................................................................................
CAPÍTULO I
...........................................................................................
Seção IV-A
Do Serviço do Motorista Profissional
Art. 235-A. Ao serviço executado
por motorista profissional aplicam-se os preceitos especiais desta Seção.
Art. 235-B. São deveres do
motorista profissional:
I - estar atento às condições de segurança do veículo;
II - conduzir o veículo com perícia, prudência, zelo e com observância
aos princípios de direção defensiva;
III - respeitar a legislação de trânsito e, em especial, as normas
relativas ao tempo de direção e de descanso;
IV - zelar pela carga transportada e pelo veículo;
V - colocar-se à disposição dos órgãos públicos de fiscalização na via
pública;
VI - (VETADO);
VII - submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de
bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado.
Parágrafo único. A inobservância do disposto no inciso VI e a recusa do
empregado em submeter-se ao teste e ao programa de controle de uso de droga e
de bebida alcoólica previstos no inciso VII serão consideradas infração
disciplinar, passível de penalização nos termos da lei.
O Art. 235-A inaugura na CLT uma
nova seção (IV-A), “Do Serviço do Motorista Profissional”, no capítulo I
(Disposições especiais dobre duração e condições de trabalho), do Título III
(Das normas especiais de tutela do trabalho).
A tendência, até
então, era a de ir suprimindo disposições profissionais do corpo da CLT,
considerando a supressão da seção III, “Dos Músicos Profissionais”, com a Lei
3.857 de 11.12.1960 que regulamentou a profissão, e seção VIII (Dos serviços de
Estiva), com a Lei 8.630 de 25.2.1993 que modificou os serviços dos portos.
Agora, desde o advento da CLT, foi incluída uma nova profissão ou novo serviço profissional em seu corpo. A
expressão “serviço” é um tanto deslocada, pois se assim o fosse ele deveria
estar vinculada com o consumidor dos serviços e não com o empregador, mas
seguiu-se a mesma linha dos “serviços” ferroviários, “serviços” frigoríficos, “serviços”
de estiva (revogado), diferentemente do bancário, do músico profissional
(revogado), dos operadores cinematográficos, do jornalista profissional, dos
professores, dos químicos. Todavia, esta é uma questão menor que não nos deteremos.
O art. 235-B estabelece os deveres do
motorista. O inciso I, trata do dever
de ele estar atento às condições de segurança do veículo, o que é já é uma obrigação
natural de qualquer motorista, mais ainda do profissional. Se por força dos
costumes ou pela ética espontânea dos motoristas, esse dever já é exigido, agora
mais ainda com a disposição legal. A Lei destaca a segurança do “veículo”, mas
a segurança também deve ser encarada como a do próprio motoristas e auxiliares,
e dos passageiros quando for o caso.
Porém, essa disposição
legal pode ajudar e/ou dificultar a vida do condutor. Ponto
positivo para o motorista é que se o veículo não estiver em condições perfeitas
ele pode recusar a dirigi-lo. Sobrepõe-se a sua determinação subordinação, não
podendo ela ser vista como insubordinação ou indisciplina, salvo se praticada
sem justo motivo. Isso também se refere a problemas surgidos no curso da
viagem. O motorista profissional, como o comandante da nave, é o encarregado do
veículo, o que já era aceito pelos costumes e agora por força de lei. Mas é no
início da viagem onde surgem os principais impasses, que é antes de ele assumir
o comando do veículo e o seu superior pode querer obriga-lo a dirigir mesmo sob
a sua discordância. Aqui deve prevalecer a opinião do motorista. O justo motivo
pode ser o mero indício. Um barulho estranho pode ser um justo motivo para não
transportar passageiros. Não precisa ser comprovado que o defeito do veículo
exista de fato, pois há aqueles indícios que dependem de especialidade e tempo
para serem confirmados. Também nem todo defeito do veículo expõe a
coletividade, mas isso nem sempre é possível de ser previsto. Assim, o critério
de justo motivo deve ser o que um motorista médio deveria fazer para proteger o
veículo, os usuários e sua própria integridade física.
O lado negativo desse
dever é o de que aumenta a
responsabilidade do motorista profissional, e o próprio empregador poderá
atribuir a ele certa responsabilidade, embora - como veremos - a Lei procure
atenuar esse impacto. Por esse ângulo é que seria proveitosa uma profissão
diferenciada e regulamentada, com uma ética profissional que dê independência
às decisões do motorista, protegendo-o contra as ordens dos empregadores mais
interessados no lucro.
Os aeronautas possuem
sua profissão regulamentada, porém as vítimas de trânsito terrestre são em
índices bem superiores. Certamente se eles não tivessem a profissão
regulamentada os acidentes aeroviários seriam bem maiores. Hoje em dia existe
forte campanha contra os acidentes de trânsito relacionados com o uso de álcool
e drogas, principalmente contra os condutores particulares, mas aos poucos ela chega
à profissão dos motoristas que estão vinculados aos acidentes mais graves em
decorrência do porte do veículo e por serem de transporte, seja de pessoas,
seja de produtos químicos.
E aqui pulamos nossa
análise para o inciso VII, que
obriga o motorista a “submeter-se a teste e a programa de controle de uso de
droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do
empregado”. A iniciativa é salutar, porém esse controle não deveria depender
apenas do empregador, mas também de outros órgãos públicos e do próprio grupo
profissional por meio de sua corporação.
O parágrafo único do art. 235-B estabelece a possibilidade de punição caso não ocorram os
referidos testes e programas instituídos pelo empregador. Ele não especifica se
a pena é aplicada pelo empregador, embora essa deva ser uma consequência, já
que se trata de falta disciplinar, prevista na CLT, que dá motivo à demissão
justificada (art. 482 da CLT). A colocação da Lei neste ponto ainda é bem
patronal, pois, como já dissemos poder-se-ia também criar uma autodisciplina
profissional. Trata-se de exigência de interesse público e coletivo, não de
mero interesse econômico do empregador.
A sociologia das
profissões considera muito importante para a conceituação da profissão a autonomia do grupo
profissional, com a possibilidade de autoregulamentação ética, autofiscalização
e autopunição de seus pares, e isso depende de uma corporação profissional. É a
autonomia necessária que desloca uma simples classificação de ocupação para o
grupo profissional institucional. No Brasil, a legislação de cunho predominantemente
liberal vem criando uma “regulamentação profissional” desordenada por meio de
leis isoladas, sem critérios objetivos. Algumas leis estão voltadas para
empregados e outras para profissionais liberais, ou mesmo autônomos, e em
alguns casos apenas para aumentar o recolhimento fiscal ou previdenciário, em
outros casos para garantir reserva de mercado sem a devida justificativa social.
Não é claro o que a sociedade brasileira entende como ocupação importante para
ser regulamentada, lembrando que nem tudo deve ser regulamentado, mas aquilo
que se define enquanto tal. Podemos até dizer que a regulamentação profissional
numa sociedade possa ser uma exceção, mas desde que com critérios objetivos.
O preceito
constitucional é o de que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (inciso
XIII do art. 5º). Ou seja, o legislador deve se ater a regulamentar as
atividades profissionais de maior interesse público. O mero tratamento dado pela
lei à jornada de trabalho de algumas ocupações profissionais, não chega a ser
considerado como regulamentação profissional, embora temos visto algumas
confusões sobre o tema, principalmente em “tratados sobre profissões
regulamentas”, ou listagem do Ministério do Trabalho e Emprego sobre o tema.
Violência do trânsito
A importância da
ocupação profissional dos motoristas, não só dos profissionais, no cenário
nacional decorre da própria sociedade fordista, em que a economia depende do
setor automobilístico e o transporte público é abrangido fundamentalmente por
veículos automotores, com estradas e ruas de asfalto. E hoje não é em
decorrência da locomoção de pessoas e coisas, mas da própria violência que esse
sistema automobilístico gera em termos de acidentes, sendo uma das maiores
causas de mortalidade. Se nos maços de cigarros há o alerta de que seu uso
mata, também os automóveis deveriam ter alerta semelhante, pois eles matam
mais, ressaltando que a vítima no primeiro caso é quem consome o cigarro e no
outro envolve terceiros. Porém, o governo nos últimos anos deu incentivos
fiscais para aumentar a venda dos automóveis, o que é típico do produtivismo
fordista que valoriza o lucro em detrimento da vida.
Os motoristas
profissionais, empregados ou não, são os que ficam mais tempo no trânsito,
utilizam os veículos de maior porte, e como tal possuem maior responsabilidade,
podendo ser disciplinados e educados com maior rigor, servindo de exemplo aos
demais.
Acredito que foi ensaiada
a regulamentação de um grupo profissional, ou pelo menos a sua preocupação, ainda
que de forma tímida. Talvez essa iniciativa não venha do próprio grupo
ocupacional, o que seria importante no aspecto regulamentar, mas da própria
sociedade que está cada vez mais preocupada com as mazelas do trânsito. Vemos a
importância que o Código de Trânsito teve nas últimas décadas, e os motoristas
profissionais não podem permanecer como meros responsáveis, mas também como
agentes transformadores ao lado dos empresários e governo, pois são os que
enfrentam o dia-a-dia do trânsito.
Regras éticas
Todos os outros
incisos do art. 235-B (II a V) devem ser entendidos por este prima ético: II
- conduzir o veículo com perícia, prudência, zelo e com observância aos
princípios de direção defensiva; III - respeitar a legislação de trânsito
e, em especial, as normas relativas ao tempo de direção e de descanso; IV - zelar pela carga transportada e
pelo veículo; V - colocar-se à disposição
dos órgãos públicos de fiscalização na via pública.
São obrigações que
não podem ser encaradas apenas pelo ângulo contratual ou administrativo-penal,
mas como um modo de ser de um grupo profissional. Quase todos os incisos, por
terem natureza ética profissional, não deveriam ficar apenas a cargo das
punições do empregador, mas também de um órgão próprio, semelhante ao que
acontece com os conselhos profissionais. Mas a lei não chegou a tanto, sequer
conseguiu criar uma categoria profissional diferenciada, tendo em vista o veto
presidencial já comentado.
Regulamento patronal - vetado
O inciso IV do art. 235-B, vetado,
estabelecia: “cumprir regulamento patronal que discipline o tempo de direção e
de descanso”. Razões do veto: “A
proposta estabelece a possibilidade de o empregador criar deveres adicionais ao
empregado por meio de regulamento, sendo que disposições sobre tempo de direção
e descanso devem ser previstos em lei.”
Considerando que a
Lei já procura detalhar regras sobre duração do trabalho, a possibilidade de se
fazer referência a um regulamento empresarial, fez com que a presidenta por
cautela vetasse essa disposição. No entanto, não há norma que vete o empregador
de regulamentar aquilo que não disponha contra lei, norma coletiva ou mesmo
entendimento de autoridades competentes. Certamente prevaleceu a cautela.
Porém, um regulamento não deve ser fruto apenas de empregador ou dos órgãos
públicos, mas dos próprios profissionais como já defendido em linhas passadas.
4.DURAÇÃO DO TRABALHO – PREOCUPAÇÃO CONTRATUAL
A redação da Lei
12.619 não ajuda muito na classificação dos temas e beneficiários.
O tema da duração do
trabalho é tratado na parte da Lei que altera a CLT, porém há dispositivos
sobre controles de frequência que estão fora (inciso V do art. 2º).
Quanto aos
beneficiários, há três níveis de tratamento.
1.O dos motoristas profissionais em geral: art.2º que trata dos
direitos, art. 235-B da CLT que trata dos deveres, art. 235-C que trata de
jornada e o art. 235-D que trata de jornada de longa distância.
2.O dos motoristas profissionais de transporte de
carga: art. 235-E
3.O dos motoristas profissionais e transporte de
passageiros de transporte de longa distância (§12 do art. 235-E, combinando com o
§6º do mesmo artigo).
Embora o art. 1º da Lei teve apresentado a distinção clássica entre
motoristas de transporte de passageiros e de cargas, no conteúdo do texto não
existe essa divisão. Os motoristas profissionais de transporte de curta
duração, mais conhecidos como “urbanos” ou de “circulares” são abrangidos pelas
regras gerais aplicados a todos. Os motoristas profissionais de ônibus de
passageiros “interestaduais” ou de longa distância
possuem algumas regras especiais.
O caput do art. 235-C se propõe a tratar da
jornada de trabalho de todos os motoristas profissionais, porém os seus
respectivos §§ 8º e 9º cuidam do tempo de
espera que é específico do motorista de carga.
Por sua vez, o art.
235-E se propõe a cuidar dos motoristas de carga, como é expresso em seu caput, porém em §12º determina que o §6º, que trata de tempo
de reserva, seja também aplicado ao transporte de passageiros de longa
distância em regime de revezamento.
Seguiremos a ordem
mais didática possível, porém ainda que preocupado em seguir a ordem do texto
da Lei.
4.1. MOTORISTAS DE CARGA E DE PASSAGEIROS
Controles de horários
Até aqui faltou-nos analisar
duas partes da Lei. Uma delas é a parte final do inciso III do art. 235-B que
comentaremos mais adiante. A outra consta no art. 2º da Lei:
V -
jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo
empregador, que poderá valer-se de anotação em diário de bordo, papeleta ou
ficha de trabalho externo, nos termos do § 3º do art. 74 da Consolidação das Leis do Trabalho
- CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de
1943, ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do
empregador.
Aparentemente essa
regra é redundante, pois o caput do art. 2º já determina a aplicação das demais
disposições da CLT, não havendo necessidade de se referir diretamente ao §3º do
art. 74. Todavia, esse tema é dos mais polêmicos na Justiça do Trabalho.
Em relação aos motoristas
de transporte de carga existe a discussão se eles estão enquadrados no inciso I
do art. 62 da CLT, que exclui os direitos relacionados com a duração do
trabalho, àqueles “empregados
que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de
trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e
Previdência Social e no registro de empregados”. Com
a disposição do inciso V do art. 2º da Lei, resta claro que os motoristas
rodoviários de transporte de carga, assim como seus ajudantes, possuem suas
jornadas controladas, portanto fora do inciso I do art. 62 da CLT.
Essa polêmica também inclui
motoristas empregados que fazem entregas de produtos em supermercados e lojas,
por meio de automóveis para reposição de mercadorias de pequeno porte. Estariam
eles enquadrados na categoria de rodoviário de transporte de cargas? Pelo
enquadramento sindical, não. Eles estão enquadrados nos respectivos ramos de
atividades de seus empregadores, geralmente indústria ou comércio. Não são
empregados de empresas rodoviárias.
Já os motoristas
rodoviários de transporte de passageiros urbanos ou de circulares, possuem as
denominadas “guias ministeriais” que têm a finalidade de marcar o horário das
viagens, não incluindo todo o período que eles ficam à disposição do empregador,
daí a polêmica, embora algumas empresas aleguem que elas incluem. O nome “guia
ministerial” decorre de sua função voltada para a exigência e fiscalização do
Ministério do Trabalho e Emprego. Não é uma exigência específica da CLT ou de
outra legislação do trabalho, e não deve ser confundida com a exigência sobre
controle de jornada prevista no §2º do art. 74 da Consolidação: “Para os estabelecimentos de mais
de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída,
em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem
expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período
de repouso”.
A questão que sempre foi colocada
na Justiça do Trabalho é se as guias ministeriais dispensam os controles
formais de jornada de trabalho previsto no referido §2º do art. 74 da CLT, ou
mesmo do §3º do art. 74 da CLT: “Se o trabalho
for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará,
explicitamente, de ficha ou papeleta em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o
§ 1º deste artigo”.
Tanto o controle do §2º como o do
§3º do art. 74 da CLT se referem à toda a jornada de trabalho, e não apenas o
período de viagem do motorista (e do
cobrador ou ajudante). A Lei ao permitir o uso da “anotação em diário de bordo,
papeleta ou ficha de trabalho externo” não resolve totalmente a polêmica até
então existente, mas dá a entender que esses instrumentos devam retratar toda a
jornada de forma fidedigna, como
consta expressamente na lei. Não se pode confundir jornada com viagem. Assim,
seu uso está adstrito à anotação de todo o período que o motorista ficou à
disposição do empregador e não apenas a vigem.
No contexto específico do inciso
V do art. 2º da Lei ora comentado, devo destacar que a sua importância foi
reduzida em decorrência do veto presidencial a dois dispositivos que se
propunham a alterar o Código de Transito, mais especificamente criando um art. art. 67-B e um inciso XXIV do art. 230. Remeto o leitor à
parte final deste estudo no item “5.NORMAS DO CÓDIGO DE TRÂNSITO
BRASILEIRO (CTB)”, comentário art. 5º da Lei 12.619. Deixamos os textos vetados
naquela parte para eles serem analisados dentro do contexto da própria lei,
porém não podemos deixar de tecer alguns comentários desde logo. A razão do
veto presidencial está relacionada justamente com a preocupação de tais
instrumentos serem utilizados como prova o que, “não
traz segurança ao motorista e dificulta a fiscalização.”
Isso traz à lume um
questão nem sempre observada. O uso de controles para servir prova numa lide
entre empregado e empregador deve servir também para prova de norma de
trânsito? Pode haver incompatibilidade de finalidade na criação de tais
instrumentos, pois se a preocupação é a segurança do trânsito devem ser
afastados os interesses econômicos, seja do empregador, seja do empregado. O
documento pode ser prejudicado por tais interesses.
Todavia, nem tudo foi
vetado. Foi aprovado um novo dispositivo no Código de Transito (art. 67-C),
conforme atr. 5º da Lei, que coloca o condutor do veículo como responsável por
controlar o tempo da condução e, ainda, no parágrafo único, consta que e
responderá pela não observância dos períodos de descanso previsto no próprio
Código de Transito, semelhantes da CLT, ficando sujeito à penalidade (ver
redação completa no final deste trabalho). Ou seja, se o empregado colocar nas
papeletas a ausência de intervalos ou as horas extras que prestou pode ser
multado pela lei de trânsito. A honestidade do profissional que estaria a seu
favor pode se voltar contra ele.
Mais uma vez fica
clara a necessidade de regulamentação autônoma dos profissionais. É
questionável imputar ao motorista uma obrigação quando ele se encontra num grau
absoluto de subordinação ao seu empregador. Para ele ser responsabilizado seria
necessário que ele tivesse um mínimo de independência profissional, e isso só
funciona se ele possuir uma corporação que lhe dê respaldo profissional, uma
corporação que tenha a finalidade de prestar serviço público.
Limites de jornada e intervalos
Art. 235-C. A jornada diária de trabalho do
motorista profissional será a estabelecida na Constituição Federal ou mediante
instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho.
§ 1o Admite-se a prorrogação da jornada de trabalho
por até 2 (duas) horas extraordinárias.
§ 2o Será considerado como trabalho efetivo o tempo
que o motorista estiver à disposição do empregador, excluídos os intervalos
para refeição, repouso, espera e descanso.
§ 3o Será assegurado ao motorista profissional intervalo
mínimo de 1 (uma) hora para refeição, além de intervalo de repouso diário de 11
(onze) horas a cada 24 (vinte e quatro) horas e descanso semanal de 35 (trinta
e cinco) horas.
§ 4o As horas consideradas extraordinárias serão pagas
com acréscimo estabelecido na Constituição Federal ou mediante instrumentos de
acordos ou convenção coletiva de trabalho.
§ 5o À hora de trabalho noturno aplica-se o disposto
no art. 73 desta Consolidação.
§ 6o O excesso de horas de trabalho realizado em um
dia poderá ser compensado, pela correspondente diminuição em outro dia, se
houver previsão em instrumentos de natureza coletiva, observadas as disposições
previstas nesta Consolidação.
§ 7o (VETADO).
§ 8o São consideradas tempo de espera as horas que
excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de
cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou
destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras
fiscais ou alfandegárias, não sendo computadas como horas extraordinárias.
§ 9o As horas relativas ao período do tempo de espera
serão indenizadas com base no salário-hora normal acrescido de 30% (trinta por
cento).
Novamente a Lei, ao
criar uma seção própria dos motoristas rodoviários, repete direitos já
existentes no corpo da Constituição Federal, o que já havia sido enunciado no caput do art. 2º. O §5º do art. 235-C reafirma o art. 73 da CLT. Qual
a finalidade de se repetir algumas regras específicas da CLT se a regra já se
encontra dentro dela? Evitar ou criar dúvida? Ocorre que alguns em alguns
parágrafos do art. 235-C foram introduzidas algumas novidades, e aí que exige a
perspicácia do intérprete.
Limite de duas horas extras
O §1º do art. 235-C repete o que já
consta no art. 59 da CLT, ao limitar em duas as horas suplementares. Não vejo
novidade.
Intervalo intrajornada
O § 2o do art. 235-C
estabelece que é considerado como trabalho
efetivo o tempo que o motorista estiver à disposição do empregador. Essa
expressão, “trabalho efetivo”, não é bem vinda ao Direito do Trabalho, pois ela
não é sinônimo de jornada de trabalho, já que esta engloba todo o tempo à
disposição do empregador, conforme art. 4º da CLT (“Considera-se como de serviço
efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador,
aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente
consignada”).
A Lei, no entanto utilizou a
expressão trabalho efetivo para
distingui-lo de trabalho de espera
que será analisado mais adiante. É uma mera diferenciação de situação, que a
Lei pretende gerar consequências
jurídicas. Na verdade, a novidade trazida pela Lei está no trabalho de espera
e não no trabalho efetivo.
No Direito do
Trabalho há os intervalos obrigatórios
que não são considerados como jornada, o que é bem claro no §2º do art. 71 da
CLT (“Os
intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho”). Já os
concedidos por liberalidade são
contados como jornada, conforme Súmula 118 do TST: “Os intervalos
concedidos pelo empregador na jornada de trabalho, não previstos em lei,
representam tempo à disposição da empresa, remunerados como serviço
extraordinário, se acrescidos ao final da jornada”. Acredito que essa regra não
foi atingida.
O §2º da Lei não considera
trabalho efetivo, melhor dizendo como jornada, a “refeição,
repouso, espera e descanso”. As expressões descanso
e repouso são conhecidas de nossa
legislação sobre jornada de trabalho, porém refeição
e espera já não são comuns. A
refeição é um mero fato, não sendo tratada como direito em face da jornada. O
tempo de espera será tratado mais adiante pela Lei e é só para os motoristas de
transporte de carga.
Embora não seja
intenção nossa destacar o que a Lei não tratou, não posso deixar de, neste
ponto, ressaltar que ela não atacou o antigo problema das conhecidas jornadas
chamadas de “duas pegadas”, em que o empregado assina um termo individual
aceitando ter um intervalo intrajornada superior a duas horas, como permitido
pela parte final do caput do art. 71
da CLT. Dessa forma o motorista urbano trabalha nos período de maior demanda de
passageiros, no início e no final do dia, com um longo intervalo intrarjornada.
Tempo de reserva
Embora o §6º ora
comentado esteja dentro do artigo 235-E
que cuida dos rodoviários de carga, o §12 desse mesmo artigo estende sua regra
ao transporte de passageiros de longa distância em regime de revezamento. Por
isso, didaticamente o incluímos neste tópico geral dos motoristas profissionais,
lembrando que a regra não inclui os motoristas de passageiros de curta
distância (urbanos).
O §6º do art. 235-E
da Lei trata de tempo de reserva, não podendo ser confundido com tempo de
espera. Ele é aplicado apenas as motoristas de transporte de carga e em viagens
de longa distância, como já estabelece o caput
do artigo. Ele ocorre quando há mais de um motorista no mesmo veículo e que,
mesmo quando um deles já tiver sua jornada mínima esgotada, continua no
veículo. No caso ele receberá remuneração de 30% da hora normal.
O parágrafo utiliza a
expressão de “repouso no veículo”. Considerando que o motorista já cumpriu sua
jornada normal, esse repouso na verdade é o intervalo interjornada. Ou seja, o
empregado já cumpriu seu turno de “trabalho efetivo” mas fica no local de
trabalho por necessidade. É uma regra desvantajosa ao empregado, se
considerarmos que está ainda está disposição do empregador. Ou, ainda, se até
então ele vinha recebendo integralmente por este tempo de serviço na forma do
art. 4º da CLT. Mas se compararmos com a situação semelhante do embarcado que
nada recebe por ficar na embarcação após sua jornada, há um benefício.
O tempo de reserva é
análogo à reserva do aeronauta ou da prontidão do ferroviário. A Lei do
aeronauta trata da reserva que é uma espécie de prontidão, conforme art. 26 da Lei n. 7.183/84: “reserva é o período
de tempo em que o aeronauta permanece, por determinação do empregador, em local
de trabalho à sua disposição”. Como pode ser observado o aeronauta fica à disposição e como tal
recebe normalmente seu salário. Os ferroviários ficam em prontidão quando ficam
“nas dependências da estrada, aguardando ordens”. Recebem 2/3 pelo tempo de
prontidão. Sempre achei que esta regra era mais de proteção da empresa do que do
ferroviário, pois é uma exceção do art. 4º da CLT para não pagar o salário
integral.
O caso dos motoristas tem suas
peculiaridades. Ele tecnicamente está em seu horário de descanso interjornada,
mas fica no local de trabalho por necessidade ou por questões técnicas. Por
isso, tem, também, semelhança com o embarcado, embora neste caso as instalações
para o descanso sejam completamente diferentes. De
fato, o motorista não consegue gozar o descanso preso num veículo em
movimento. Pode até dormir por necessidade física, mas isso não é um descanso
pois não tem um mínimo de privacidade, tranquilidade e liberdade de locomoção,
fatores que podem ser encontrados numa embarcação.
Por fim, deve ser destacado que
se trata de remuneração, e não de indenização como ocorre com o tempo de
espera.
Descanso semanal de 35 horas e intervalo
interjornada
O § 3o do art. 235-C
assegura ao motorista profissional intervalo mínimo de uma hora para refeição,
o que já é estabelecido no art. 71 da CLT, além de intervalo de repouso diário
de 11 horas a cada 24 horas, que também já é previsto no art. 66 da CLT. O §3º, no entanto traz uma novidade, do descanso semanal de 35
(trinta e cinco) horas. O art. 67 da CLT
e a Lei 605/49 estabelecem descanso semanal de 24 horas.
Acredito que a
intenção do legislador tenha sido a de garantir o efetivo gozo das 24h mais o
das 11 horas do art. 66 da CLT. Essa é uma preocupação da Súmula 110 do TST
quando trata do regime de revezamento (“No regime de revezamento, as horas
trabalhadas em seguida ao repouso semanal de 24 horas, com prejuízo do
intervalo mínimo de 11 horas consecutivas para descanso entre jornadas, devem
ser remuneradas como extraordinárias, inclusive com o respectivo adicional”).
Adicional de horas extras e jornada noturna
O §4º do art. 235-C afirma
que as horas extras serão pagas conforme Constituição Federal e normas
coletivas, e o §5º remete a jornada noturna ao art. 73 da CLT, dispensando-nos
de qualquer necessidade de comentário.
Compensação de jornada agora só com negociação coletiva
O § 6o do art. 235-C em parte repete o que já tratado no §2º do art. 59 da
CLT, mas com a preocupação de evitar a antiga discussão sobre a necessidade da
negociação coletiva. O TST vinha entendendo que a compensação pode ser feita
mediante acordo individual (Inciso I da Súmula 85 do TST). Mais recentemente
inclui o inciso V nessa Súmula estabelecendo: “As disposições contidas nesta súmula
não se aplicam ao regime compensatório na modalidade banco de horas, que somente pode ser instituído por negociação
coletiva”. Embora o §2ª da CLT não faça distinção em mera compensação de jornada
e banco de horas, o TST passou a fazer.
A Lei segue esse
entendimento mais recente do TST. Agora a CLT de forma expressa, pelo menos
para os motoristas, avançou no sentido de vetar qualquer compensação (ou banco
de horas) sem previsão em instrumento coletivo. A palavra “instrumento de natureza
coletiva” não pode gerar interpretação extensiva, desde que haja participação
do sindicato dos trabalhadores (inciso VI do art. 8º da CF).
Essa prevalência da
norma coletiva também tinha o objetivo de criar cláusulas in pejus, conforme previsão do §7º
que foi vetado. Este estabelecia: “O intervalo interjornada poderá ser reduzido
em até 2 (duas) horas, mediante previsão em convenção e acordo coletivo, desde
que compensado no intervalo intra ou interjornada subsequente.” Razão do veto: “A proposta não
esclarece se os intervalos que se pretende reduzir são aqueles previstos no
contrato de trabalho ou aqueles previstos na própria Consolidação das Leis do
Trabalho. Neste último caso, a redução traria impactos negativos à saúde do
trabalhador.”
Viagens de longa distância para motoristas
rodoviários de transporte de passageiros e de carga
Art. 235-D. Nas viagens de longa distância, assim
consideradas aquelas em que o motorista profissional permanece fora da base da
empresa, matriz ou filial e de sua residência por mais de 24 (vinte e quatro)
horas, serão observados:
I - intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos para descanso a cada 4
(quatro) horas de tempo ininterrupto de direção, podendo ser fracionados o
tempo de direção e o de intervalo de descanso, desde que não completadas as 4
(quatro) horas ininterruptas de direção;
II - intervalo mínimo de 1 (uma) hora para refeição, podendo coincidir
ou não com o intervalo de descanso do inciso I;
III - repouso diário do motorista obrigatoriamente com o veículo
estacionado, podendo ser feito em cabine leito do veículo ou em alojamento do
empregador, do contratante do transporte, do embarcador ou do destinatário ou
em hotel, ressalvada a hipótese da direção em dupla de motoristas prevista no §
6o do art. 235-E.
O art. 235-D trata das viagens de longa
distância, certamente aquelas em que o motorista utiliza rodovias federais.
Além dos caminhoneiros, fazem uso dela os motoristas de transporte de
passageiros de motorista de linhas interestaduais ou de ônibus de turismo.
É bom que fique claro
que aqui a jornada de trabalho é a mesma, apenas o empregado fica fora da base
do seu local de trabalho e sua residência por mais de 24h. Por isso o caput fala em viagem de longa distância.
Neste caso, há um regime especial de intervalos.
Primeiro (inciso I), o intervalo de 30min de
descanso a cada 4h de tempo ininterrupto de direção, ou seja, tempo
efetivamente de direção, não contando se for, por exemplo, substituído por
outro motorista, ou se houver parada do veículo. A norma permite o
fracionamento do intervalo e do tempo de direção.
A lei nunca foi muito
clara sobre a possibilidade de fracionamento de intervalos. Entendo que o
intervalo para refeição (almoço ou jantar) não pode ser fracionado sob risco de
não se consolidar a sua finalidade de descanso. No caso do inciso I, não se
trata desse intervalo, mas dos periódicos. O fato de a lei ao criar essa
exceção implicitamente estaria proibindo os fracionamentos dos intervalos para
refeição, inclusive os do art. 71 da CLT. Todavia, a própria Lei ora em comento
alterou o art. 71 da CLT, conforme art. 4ª que será comentado mais adiante. Mas
essa modificação do art. 71 da CLT não tratará do caso das viagens de longa
distância, não havendo, assim, contradição entre os dispositivos, por se tratar
de casos diferentes.
A proibição do
fracionamento é confirmada com a segunda regra do artigo ora comentado, quando
o seu inciso II expressamente garante
o intervalo de uma hora para refeição,
neste caso, sem fracionamento. O mesmo se diz em relação ao intervalo
interjornada, sendo que o inciso III chega a garantir algumas condições de
trabalho: não é permitido o descanso enquanto o veículo esteja em andamento, ou
seja, enquanto o veículo for dirigido por um colega da profissão. Porém, o próprio inciso III abre uma exceção,
a prevista no §6º do art. 235-E, denominado tempo
de reserva já analisado por nós. Esse é um caso em que a exceção é tão
grande que torna a regra moribunda. Certamente o motorista não pode gozar seu
repouso com o veículo em movimento, a não ser quando dirigido por outro. Talvez
a regra só tenha eficácia quando um veículo é transportado por outro (“carro
guincho” ou embarcação). Confesso aqui minha falta de conhecimento prático
sobre o assunto.
Escala de 12x36
Art. 235-F. Convenção e acordo coletivo poderão
prever jornada especial de 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis)
horas de descanso para o trabalho do motorista, em razão da especificidade do
transporte, de sazonalidade ou de característica que o justifique.
O art. 235-F permite a possibilidade de
fixação de escala de 12x36, desde que por meio de negociação coletiva e em
casos excepcionais.
Essa regra foge
àquela que estabelece o limite de duas horas diárias de jornada suplementar
(§1º do art. 235-C e o já existente art. 59, ambos da CLT). Embora ilegal esse
tipo de escala vem sendo tolerado pela jurisprudência em decorrência de
negociação coletiva, e da própria aceitação de muitos empregados, como os da
área de vigilância e de hospitais, por possibilita-los ter mais de um emprego e
também reduzir gastos com transporte. Agora, a lei permite essa exceção, como
já havia aberto antes para os bombeiros civis por meio da Lei n. 11.901 de 12.1.2009.
Todavia, além da exigência da
negociação coletiva, há que se justificar o caso. A Lei 12.619 permite a
negociação em razão da especificidade do transporte,
de sazonalidade ou de característica que o justifique. Pode ser em decorrência
do próprio veículo que exige reparos ou outro tipo de necessidade em
decorrência da máquina. Pode ser em razão de mercadoria ou de passageiros, que
não são permanentes, mas sazonais, como são os casos vinculados à safra. Por
fim, a Lei se refere a outros casos que a escala de 12x36 pode ser justificada,
deixando espaço para suposições. Entendo que esses demais casos devem ser
justificados preferencialmente na própria norma coletiva. Porém, a ausência de justificativa pode tornar a
cláusula coletiva nula, assim como também pode ter seus termos questionados
judicialmente.
Proibição de remuneração por meta
Art. 235-G. É proibida a remuneração do motorista
em função da distância percorrida, do tempo de viagem e/ou da natureza e
quantidade de produtos transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou
qualquer outro tipo de vantagem, se essa remuneração ou comissionamento
comprometer a segurança rodoviária ou da coletividade ou possibilitar violação
das normas da presente legislação.
No art. 235-G o tema remuneração é tratado
com a finalidade não de concessão, mas de proibição. Evita-se que certas
remunerações de incentivo venham a comprometer a segurança rodoviária ou da
coletividade. A intenção da regra é
salutar, mas pode gerar muitas dúvidas.
A priori, podemos dizer que não teria sentido a
lei proibir incentivos remuneratórios para aquilo que já é proibido, seja em
termos de legislação trabalhista, seja em termos de normas de trânsito ou outra
qualquer. A parte final do artigo é sutil quando afirma que não se pode
remunerar a “possibilidade” de violação de normas.
Todavia, mesmo assim,
a Lei proíbe incentivos remuneratórios que possam propiciar o excesso de
jornada, de peso de carregamento, etc. É uma medida preventiva. Se for criado
para o motorista uma vantagem, por exemplo, de entregar uma mercadoria em
tantos dias, sob sistemas de prêmios de metas como ocorrem com vendedores, é
possível que ele acabará por não cumprir as regras de intervalos, praticando
infrações de trânsito.
Responsabilidade do motorista
E aqui passo a
comentar também o Inciso III do art.
235-B que ficou para trás sem comentário. É dever do motorista: “respeitar
a legislação de trânsito e, em especial, as normas relativas ao tempo de
direção e de descanso”. Atividades em que a atitude do empregado pode
prejudicar diretamente uma coletividade devem ter uma regulamentação própria,
que exige deveres não só empregador mas do empregado. São atividades que
merecem maior atenção do legislador, no sentido de valorizar a profissão. O caso
do motorista é um exemplo. Exigir dele o cumprimento não só do contrato mas da
lei geral que protege o cidadão, é correto, mas com uma remuneração mensal
adequada. Não aquela de incentivo, como bem tratado por esta lei, mas a
remuneração contratual, com vantagens correspondentes à cobrança que é feita a
ele pela sociedade, com direito de organização profissional adequada. Não se
pode exigir do empregado um “plus
social”, sem a devida contraprestação. Essa é uma discussão que a sociedade e
em especial o legislador tem que avançar quando se trata de regulamentação
profissional. O que justifica a organização profissional é o de que o
profissional não deve ficar somente subordinado ao seu empregador, mas a
obrigações éticas suscetíveis a punições corporativas.
Limites da negociação coletiva
Art. 235-H. Outras condições específicas de
trabalho do motorista profissional, desde que não prejudiciais à saúde e à
segurança do trabalhador, incluindo jornadas especiais, remuneração,
benefícios, atividades acessórias e demais elementos integrantes da relação de emprego,
poderão ser previstas em convenções e acordos coletivos de trabalho, observadas
as demais disposições desta Consolidação.”
O art. 235-H é um
contrapeso ao que foi tratado no artigo anterior, pois reafirma o que
inquestionável. Porém, há um detalhe, em princípio salutar, o de proibir
clausulas coletivas prejudiciais à saúde e à segurança do trabalhador. Aliás,
essa regra deve ser estendida a qualquer categoria, mas encontra no caso dos
motoristas um tema especial. Como veremos no comentário do artigo seguinte,
esse preceito é quebrado no caso específico dos intervalos, que é um caso
importante que o Judiciário vem discutindo há anos.
O TST por meio da
SDI-1 criou a Orientação Jurisprudencial 342 em junho de 2004, de grande
significado, quando considerou “inválida cláusula de acordo ou convenção
coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo
intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do
trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII,
da CF/1988), infenso à negociação coletiva”.
Todavia, essa OJ foi
alterada em novembro de 2009, para incluir o inciso II, o qual criou uma
exceção para os motoristas e cobradores de transporte público coletivo urbano,
permitindo reduzir/fracionar intervalos por meio de negociação coletiva, desde
que garantida a jornada de trabalho para sete horas diárias ou 42h semanais não
prorrogadas. Essa redução/supressão/fracionamento de intervalos muitas vezes é
desconsiderada pela Justiça do Trabalho quando há prestação de horas extras, já
que não cumprido o limite estabelecido na própria Orientação.
Fracionamento dos intervalos intrajornada
Art. 4o O art. 71 da
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa
a vigorar acrescido do seguinte § 5o:
“Art. 71.
......................................................................
............................................................................................
§ 5o Os intervalos expressos no caput e no § 1o
poderão ser fracionados quando compreendidos entre o término da primeira hora
trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em
convenção ou acordo coletivo de trabalho, ante a natureza do serviço e em
virtude das condições especiais do trabalho a que são submetidos estritamente
os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos serviços de
operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de
passageiros, mantida a mesma remuneração e concedidos intervalos para descanso
menores e fracionados ao final de cada viagem, não descontados da jornada.”
(NR)
O art. 4º da Lei 12.619/12 altera a CLT
num dispositivo não mais especial dos motoristas, pois inclui outros
empregados, como cobradores, fiscais de campo e “afins nos serviços de operação
de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de
passageiros”.
Dando continuidade ao comentário do artigo
anterior, parece-nos que agora, o preceito do inciso II da OJ 342 da SDI-1 do
TST foi transportada para a CLT, porém de forma piorada ao trabalhador. Isso
porque essa OJ vinculava o fracionamento dos intervalos à não prorrogação da
jornada de 42 horas semanais, propiciando o deferimento dos intervalos ao
empregados que prestavam horas extras. A Lei 12.619 não condiciona o
fracionamento ou redução do intervalo ao cumprimento de qualquer jornada.
É provável, no entanto,
que a Justiça do Trabalho venha manter o entendimento de que a
redução/supressão/fracionamento do intervalo dependa da inexistência de horas
extras. De fato, não tem sentido prejudicar os intervalos e ainda aumenta-la, o
que demonstra finalidades incompatíveis.
4.2.MOTORISTAS DE CARGA
Viagens de longa distância apenas para motoristas
rodoviário transporte de carga
Art. 235-E. Ao transporte rodoviário de cargas em
longa distância, além do previsto no art. 235-D, serão aplicadas regras
conforme a especificidade da operação de transporte realizada.
§ 1o Nas viagens com duração superior a 1 (uma)
semana, o descanso semanal será de 36 (trinta e seis) horas por semana
trabalhada ou fração semanal trabalhada, e seu gozo ocorrerá no retorno do
motorista à base (matriz ou filial) ou em seu domicílio, salvo se a empresa
oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido descanso.
§ 2o (VETADO).
§ 3o É permitido o fracionamento do descanso semanal
em 30 (trinta) horas mais 6 (seis) horas a serem cumpridas na mesma semana e em
continuidade de um período de repouso diário.
§ 4o O motorista fora da base da empresa que ficar com
o veículo parado por tempo superior à jornada normal de trabalho fica
dispensado do serviço, exceto se for exigida permanência junto ao veículo,
hipótese em que o tempo excedente à jornada será considerado de espera.
§ 5o Nas viagens de longa distância e duração, nas
operações de carga ou descarga e nas fiscalizações em barreiras fiscais ou
aduaneira de fronteira, o tempo parado que exceder a jornada normal será
computado como tempo de espera e será indenizado na forma do § 9o
do art. 235-C.
§ 6o Nos casos em que o empregador adotar revezamento
de motoristas trabalhando em dupla no mesmo veículo, o tempo que exceder a
jornada normal de trabalho em que o motorista estiver em repouso no veículo em
movimento será considerado tempo de reserva e será remunerado na razão de 30%
(trinta por cento) da hora normal.
§ 7o É garantido ao motorista que trabalha em regime
de revezamento repouso diário mínimo de 6 (seis) horas consecutivas fora do
veículo em alojamento externo ou, se na cabine leito, com o veículo
estacionado.
§ 8o (VETADO).
§ 9o Em caso de força maior, devidamente comprovado, a
duração da jornada de trabalho do motorista profissional poderá ser elevada
pelo tempo necessário para sair da situação extraordinária e chegar a um local
seguro ou ao seu destino.
§ 10. Não será considerado como jornada de trabalho nem ensejará o
pagamento de qualquer remuneração o período em que o motorista ou o ajudante
ficarem espontaneamente no veículo usufruindo do intervalo de repouso diário ou
durante o gozo de seus intervalos intrajornadas.
§ 11. Nos casos em que o motorista tenha que acompanhar o veículo
transportado por qualquer meio onde ele siga embarcado, e que a embarcação
disponha de alojamento para gozo do intervalo de repouso diário previsto no § 3o
do art. 235-C, esse tempo não será considerado como jornada de trabalho, a não
ser o tempo restante, que será considerado de espera.
§ 12. Aplica-se o disposto no § 6o deste artigo ao
transporte de passageiros de longa distância em regime de revezamento.
O art. 235-E se propõe a ser continuação
do anterior, que trata de viagem de longa distância, porém especificamente para
o caso de transporte de carga, como
consta no caput. O legislador,
realmente, procurou detalhar as regras da jornada num grau antes pouco visto em
nossa legislação. Muito do que é tratado neste artigo já foi comentado no
artigo anterior.
Tempo de espera dos motoristas de transporte de
carga – inconstitucional?
Alerto o leitor para
ter o cuidado de não confundir as expressões tempo de espera e tempo de reserva,
pois são coisas bem distintas.
Aqui invertemos a
ordem de análise dos parágrafos por motivo didático. Os §§ 8º e 9º do art. 235-C tratam do tempo de espera, que são aplicáveis somente aos motoristas
rodoviários de transporte de carga, como afirma a Lei. É com eles que ocorrem
as hipóteses definidas na Lei, de “ficar aguardando para carga ou descarga do
veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria
transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias”.
Neste caso,
expressamente, não há pagamento formal de horas extras, mas o pagamento de uma
determinada quantia em dinheiro: “as horas relativas ao período do tempo de
espera serão indenizadas com base no salário-hora normal acrescido de 30%
(trinta por cento)”.
É bom esclarecer que
essa regra não tem nada a ver com sobreaviso, que ocorre quando o empregado
recebe menos que um salário por ficar aguardando em algum local fixo e
pré-determinado ser chamado para trabalhar, independentemente de vir a ser
efetivamente convocado. Se for chamado, o tempo a partir de então passa a ser
considerado como jornada comum (possivelmente como hora extra). O sobreaviso é
uma situação menos gravosa que a jornada, pois o empregado só tem a obrigação
de ficar em determinado lugar com um canal de contato aberto para poder ser
chamado.
No tempo de espera o
empregado já se encontra trabalhando e a espera ocorre durante imediatamente
após esta, pois é uma extensão desta. A Lei claramente afirma que ela ocorre
quando a jornada normal é excedida, embora não como “trabalho efetivo”. Se o
empregado ficar esperando o carregamento ou a fiscalização, durante sua jornada
normal, ele receberá seu salário normal, porém quando estes fatos ocorrem após
a jornada normal é que ocorrerá o chamado tempo de espera. O motorista que
aguarda no horário da sua jornada recebe seu salário normal correspondente ao
tempo de espera, e mais um percentual de 30%, o que se deduz que é uma situação
gravosa, diferentemente do sobreaviso. É, na verdade, uma situação mais próxima
da hora extra, embora com um percentual inferior aos 50%.
Não resta dúvida que
se trata, de fato, de hora extra,
muito embora a Lei tenha criado subterfúgios para não a considerar como tal,
procurando fugir à inconstitucionalidade, por pagar um percentual inferior aos
50% da Carta maior.
A Lei, preocupada com
isso, expressamente afirma que o tempo de espera não é hora extra. E ainda, o
considera como indenização, quando afirma que elas são “indenizadas”.
Observa-se que a indenização é tanto do “salário normal” como do percentual de
30%. Ouse seja, desconsiderou-se, então, até mesmo o salário normal do tempo de
espera como indenização.
Isso poderá implicar em discussões não só
entre as partes, mas também com interesses tributários, previdenciários, sobre
pensões alimentícias, etc. Entre as partes provavelmente haverá discussão sobre
os reflexos tradicionais, nas férias+1/3, gratificação natalina, FGTS, repouso
e aviso prévio.
Pelo ângulo mais
técnico, poderíamos indagar se o fato de o empregado estar esperando carregar o
carro após sua jornada normal geraria uma indenização por parte de seu
empregador. As indenizações trabalhistas são provenientes de ato ilícito ou de
ato lícito. Provavelmente o empregador não estaria agindo de forma ilegal no
tempo de espera. Quanto aos atos lícitos, temos aqueles casos do direito
potestativo do empregador que causa dano ao empregado, e para tal a lei cria
uma indenização. Caso mais típico é a própria demissão sem justa causa, que
gera indenização. Poderia o tempo de espera ser considerado um dano ao
empregado em decorrência de um ato legal do empregador? Ainda que se pudesse
chegar a tal conclusão, na verdade o que ocorreria é que essa indenização
estaria abaixo do percentual de horas extras que não são consideradas
indenização, embora as horas extras também sejam, em grau pequeno, gravosas ao
empregado a ponto de gerar o próprio percentual.
O legislador para
evitar o não pagamento das horas extras quando o motorista se encontra
esperando o carregamento ou fiscalização, além da jornada normal, dividiu os
tempos de trabalho em efetivo e de espera, e criou uma “indenização” que é
salário de fato. Resta saber se tal disposição será entendida como
constitucional.
Por fim, o tempo de
espera pode ter uma peculiaridade distinta de hora extra, pelo menos da hora
extra “normal”, que deveria, contrariamente à intenção da lei, gerar sim um
percentual superior aos 50%. Enquanto a hora extra “normal”, a prevista no art.
59 da CLT, depende de acordo, o tempo de espera é um daqueles casos em que o
empregado pode ser obrigado a estender sua jornada. O motorista não pode abandonar
o veículo numa fiscalização ou em determinados descarregamentos. O art. 61 da
CLT estabelece os casos em que o empregado é obrigado a prestar horas extras
por necessidade imperiosa, quando, então o percentual era mais elevado (25%
quando a CLT estabelecia 20% para os casos normais). Esse é um tema refletir.
Tempo de espera específico
O §4º do art. 235-E aplica a regra já
comentada do tempo de espera (§§ 8º e 9º do 235-C) em um caso específico, não
apenas quando o veículo fica parado para fiscalização ou carregamento, e sim
parado por qualquer motivo, fora da base
da empresa e após a jornada normal do motorista. Porém, se o motorista
tiver que ficar junto ao veículo o pagamento será de hora extra normal. Sobre o
pagamento do período de esperar remeto o leitor ao comentário dos §§ 8º e 9º do
art. 235-C.
Aqui é utilizada a
expressão “fora da base da empresa”, muito embora o caput já trate de viagens de longa duração. Essas expressões acabam
propiciando algumas reflexões, algumas até inúteis. Haveria algum caso em que
este artigo estaria tratando de viagens dentro da base da empresa? Parece-nos
que não, pois o caput trata de
viagens de longa distância e não apenas longa duração. Trata-se aqui de um
excesso de expressões para casos semelhantes, suscetíveis a confusão.
Já o §5º do art. 235-E trata do tempo de
espera no caso de viagens de longa distância e duração, quando há espera para
fiscalizações de fronteira e carregamentos.
Nesta hipótese, a Lei exige que a viagem não apenas de longa distância, mas também de longa duração, assunto que comentados ao
tratar do §1º.
Intervalo interjornada mínimo de 6h com o veículo parado – supressão do
tempo de reserva
O § 7º ao art. 235-E garante o
repouso diário mínimo de seis horas consecutivas fora do veículo em alojamento
externo ou, se na cabine leito, com o veículo estacionado. Ou seja, deve ser
garantido o repouso com o veículo parado
em pelo menos seis horas consecutivas.
Essa regra também protege o
empregador que não pagará os 30% da reserva em pelo menos seis horas do tempo
de intrajornada, salvo se o empregado de fato não gozar as seis horas com o
veículo parado.
Não se pode interpretar este
artigo como estabelecendo intervalo mínimo de 6h, pois ele o é de 11h na forma
do art. 66 da CLT. Apenas é garantido parte do intervalo com o veículo parado.
Isso, infelizmente para o trabalhador pressupõe dizer que o restante do
intervalo possa ser no veículo em movimento. Mas, por outro lado, provavelmente
ele receberá 30% de remuneração por se encontrar em reserva. Isso porque, salvo hipóteses extremas, ele se encaixará na
hipótese do parágrafo anterior. As hipóteses improváveis seriam os casos de ele
estar pegando carona, de o veículo estar embarcado. Mas sobre este último caso,
ele poderá receber a indenização de 30% do tempo
de espera, conforme §11 do art. 235-E que passamos a
analisar.
Veículo embarcado – suspensão da jornada e tempo de espera
A Lei chega ao detalhe de
estabelecer regras para o caso de o motorista acompanhar o veículo onde ele
siga embarcado, o que só ocorre em casos de transporte de carga, permitindo
dividir esse tempo entre suspensão do contrato ou tempo de espera, como se
depreende do §11 do art. 235-E.
O contrato se encontrará suspenso
se durante esse período a embarcação dispor de alojamento para o gozo dos
intervalos de refeição, interjornada e repouso semanal. Caso contrário, é considerado
como tempo de espera.
Repouso de 36h para motoristas de carga em viagens
com duração superior a uma semana
Enquanto o caput do artigo anterior (235-D) e o caput do presente artigo se referem às
viagens de longa distância, o §1º do art. 235-E trata das viagens de
longa duração. Certamente longa
distância pressupõe longa duração, porém o contrário não tem o mesmo efeito, já
que o veículo pode ficar circulando, embora fora da base da empresa. A
propósito, “base da empresa” não é algo muito claro, porém deve corresponder ao
domicílio. Essa distinção é importante porque o §5º que será analisado mais
adiante exige as duas condições (longa duração e longa distância), para
deferimento de tempo de espera.
O artigo anterior
(235-D) tratava da viagem de longa distância como aquela acima de 24h fora da
base, já o §1º do art. 235-E
considerada as viagens de longa duração, aquelas acima de uma semana. Neste
caso, o repouso semanal será de 36 horas. Ora, o motorista já tem direito ao
repouso de 35 horas como comentado (§ 3o do art. 235-C),
sendo a lei agora é acrescido de uma hora. É certo que se há norma de proteção
para as viagens que durem mais de um dia, deveria haver algum reflexo no
repouso quando ela se estender mais de uma semana, muito embora o benefício
seja ínfimo (uma hora). Nada justifica que a regra seja aplicada apenas aos
rodoviários de transporte de carga, muito embora seja bem mais difícil de ela
ocorre no caso dos motoristas de passageiros.
Acúmulo de descanso semanal – vetado
O § 2o do art, 235-E estabelecia: “É permitido o acúmulo de descanso
semanal, desde que não ultrapasse 108 (cento e oito) horas, devendo, pelo menos
uma vez ao mês, coincidir com o domingo.” Razão do veto: “O acúmulo de descanso
proposto viola o previsto no art. 7o, XV, da Constituição.”
108 dias corresponde
a 4 dias e meio. Portanto, se não houvesse o veto o motoristas de carga poderia
trabalhar um mês ininterrupto sem descanso.
Fracionamento do repouso do motorista de carga
Já o fracionamento do
repouso foi permitido para os motoristas de carga, conforme §3º do art. 235-E. Se o descanso é de
36h, a Lei permite o seu fracionamento em até 30 horas, salvo as 6h que devem
ser gozadas normalmente.
Pagamento por pernoite - vetado
O §
8º do art. 235-E,
vetado, previa: “é previsto o pagamento, em
caráter indenizatório, de pernoite ao motorista fora da base da empresa, matriz
ou filial, ou de sua residência, se não for disponibilizado dormitório pelo
empregador, pelo embarcador ou pelo destinatário.” Razões do veto: “Ao conferir caráter
indenizatório a valor que integra a remuneração do trabalhador, a proposta
afasta a incidência de tributos e encargos, tais como o FGTS, sendo assim
prejudicial tanto ao empregado, quanto ao Erário.”
É interessante observar
que este dispositivo favorável ao empregado foi vetado em decorrência de ser
considerada indenização, mas o mesmo fundamento do veto não serviu para o
pagamento do tempo de espera, desfavorável ao trabalhador. Este caso, sim,
poderíamos considerar o pagamento como indenização, pois ele não estaria sequer
à disposição do empregador. Tratar-se-ia e um mero benefício sem natureza
salarial.
Permanência no veículo em decorrência de força
maior
O §9º do art. 235-E prevê a possibilidade
de haver algum imprevisto durante a viagem que obrigue o motorista e estender
sua jornada de trabalho. É uma situação óbvia que exige das partes a aplicação
do bom senso, pois nenhum profissional largaria o veículo em condições inseguras.
Aliás, isso já é uma obrigação do motorista prevista na própria Lei, no inciso
IV do art. 235-B: “zelar pela carga transportada e pelo veículo”.
E é certo que o
conceito de força maior sempre foi motivo de longa discussão doutrinária, mesmo
estando no texto da CLT (art. 501) e, por isso, não enfrentaremos aqui com o
escopo de poupar o leitor. Lembramos apenas que em muitas situações que
justificaria a permanência do motorista junto ao veículo pode não ser
consideradas tecnicamente como força maior. Mas também pode ser que a intenção
do legislador tenha sido a de não pagar horas extras nestes casos, como
comentaremos logo a seguir, aí sim a discussão técnica seria necessária.
Lembramos que a CLT
já possui regra semelhante sobre força maior relacionada à jornada em seu art.
61, quando trata das horas extras unilaterais. O §2º do art. 61, em sua
primeira parte, isenta o empregador de pagar o acréscimo da hora extra quando o
prolongamento da jornada decorreu de força maior: “Nos casos de excesso de horário por motivo de
força maior, a remuneração da hora excedente não será inferior à da hora
normal”. Talvez o legislador atual tenha utilizado a
expressão força maior com a intenção de não pagar hora extra, mas esse não nos
parece o espírito da Lei. Seja porque a lei não faz essa remissão, seja porque
a própria lei cria normas especiais de tempo de espera e de reserva.
No §9º do art. 235-E,
ora comentado, a Lei tem por objetivo especificar um dever dos motoristas
profissionais, que se enquadra no já referido inciso IV do art. 235-B da mesma
Lei.
Permanência voluntária no caminhão – inclusão do ajudante
O §10 do art. art. 235-E não considera como jornada de trabalho o período em que o
motorista e o ajudante, espontaneamente, ficam no veículo fora de seu horário
de trabalho.
De plano, deve ser
destacado que o ajudante passou a ser lembrado, embora para excluí-lo de
direitos.
A finalidade da norma
é a de evitar a provocação da hora extra por parte do empregado, ou de outros
ganhos, em decorrência de uma permanência voluntária no veículo. Essa
preocupação já ocorre em empresas, mas se tratando de um veículo na estrada a
interferência do empregador é bem menor.
A hora extra depende
de acordo entre as partes (art. 59 da CLT), salvo os casos excepcionais já
comentados (art. 61 da CLT). Casos deste tipo, normalmente, levam o empregador
a fazer com que o empregado cumpra de fato o seus intervalos, pois caso
contrário o acordo pode ser considerado tácito. A norma tem o “sentido próprio”,
muito embora não se possa aqui confundir com a situação de que o empregado
tenha que descansar no veículo para tomar conta dele, pois nesta situação
sequer há intervalo e sim jornada normal. Não seria o tempo de espera porque
não se trata de carregamento ou de fiscalização (§8º do art. 235-C), e nem
seria reserva por não se tratar de veículo em movimento (§6º do art. 235-E).
Pode parecer contraditório ganhar menos quando se descansa com o caso em
movimento do que parado, porém se o empregado está vigiando o veículo ele está
efetivamente trabalhando e correndo os riscos naturais decorrentes desta
responsabilidade.
5.NORMAS DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB)
Art. 5o A Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código
de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar acrescida do seguinte Capítulo III-A:
“CAPÍTULO III-A
DA CONDUÇÃO DE VEÍCULOS POR MOTORISTAS
PROFISSIONAIS
Art. 67-A. É vedado ao motorista profissional, no exercício de sua
profissão e na condução de veículo mencionado no inciso II do art. 105 deste
Código, dirigir por mais de 4 (quatro) horas ininterruptas.
§ 1o Será observado intervalo mínimo de 30 (trinta)
minutos para descanso a cada 4 (quatro) horas ininterruptas na condução de
veículo referido no caput, sendo
facultado o fracionamento do tempo de direção e do intervalo de descanso, desde
que não completadas 4 (quatro) horas contínuas no exercício da condução.
§ 2o Em situações excepcionais de inobservância
justificada do tempo de direção estabelecido no caput e desde que não
comprometa a segurança rodoviária, o tempo de direção poderá ser prorrogado por
até 1 (uma) hora, de modo a permitir que o condutor, o veículo e sua carga
cheguem a lugar que ofereça a segurança e o atendimento demandados.
§ 3o O condutor é obrigado a, dentro do período de 24
(vinte e quatro) horas, observar um intervalo de, no mínimo, 11 (onze) horas de
descanso, podendo ser fracionado em 9 (nove) horas mais 2 (duas), no mesmo dia.
§ 4o Entende-se como tempo de direção ou de condução
de veículo apenas o período em que o condutor estiver efetivamente ao volante
de um veículo em curso entre a origem e o seu destino, respeitado o disposto no
§ 1o, sendo-lhe facultado descansar no interior do próprio
veículo, desde que este seja dotado de locais apropriados para a natureza e a
duração do descanso exigido.
§ 5o O condutor somente iniciará viagem com
duração maior que 1 (um) dia, isto é, 24 (vinte e quatro) horas após o
cumprimento integral do intervalo de descanso previsto no § 3o.
§ 6o Entende-se como início de viagem, para os fins do
disposto no § 5o, a partida do condutor logo após o
carregamento do veículo, considerando-se como continuação da viagem as partidas
nos dias subsequentes até o destino.
§ 7o Nenhum transportador de cargas ou de passageiros,
embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador
de transporte multimodal de cargas ou agente de cargas permitirá ou ordenará a
qualquer motorista a seu serviço, ainda que subcontratado, que conduza veículo
referido no caput sem a observância do disposto no § 5o.
§ 8o (VETADO).
Art 67-B. (VETADO).
Art. 67-C. O motorista profissional na condição de condutor é
responsável por controlar o tempo de condução estipulado no art. 67-A, com
vistas na sua estrita observância.
Parágrafo único. O condutor do veículo responderá pela não observância
dos períodos de descanso estabelecidos no art. 67-A, ficando sujeito às
penalidades daí decorrentes, previstas neste Código.
Art. 67-D. (VETADO).”
O art. 5º da Lei altera algumas
disposições do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), criando os artigos de 67-A
a 67-C, sendo que a proposta de art. 67-D foi vetada pela presidência.
Agora, na parte do
CTB que dispõe da “segurança dos veículos”, mais especificamente sobre os
equipamentos obrigatórios dos veículos, há regras relacionadas com a jornada de
trabalho do motorista que conduz “veículos de transporte e de condução escolar,
os de transporte de passageiros com mais de dez lugares e os de carga com peso
bruto total superior a quatro mil, quinhentos e trinta e seis quilogramas,
equipamento registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo”.
A regra, aqui, não é
dirigida apenas aos motoristas profissionais, mas a quaisquer um, desde que
esteja na referida situação. Algumas regras impostas no CTB são semelhantes
àquelas dos motoristas profissionais. O §1º do art. 67-A do CTB repete a
regra do inciso I do art. 235-D da
CLT.
O recém-criado inciso
XXII do art. 230 do CTB estabelece a punição para o caso de descumprimento do
art. 67-A.
Poder-se-ia
argumentar se não haveria bis in idem,
já que uma infração do motorista profissional empregado poderia ser aplicada no
âmbito trabalhista e administrativo. Acredito que não. Não vamos aqui tratar da
antiga indagação se é o empregado ou o empregador que deve pagar a multa de
trânsito, já que a lei não trata desta questão. Vamos nos ater apenas na
infração em si.
Embora seja obrigação
do motorista empregado, e de todo cidadão, não cometer uma infração de
trânsito, a sua ocorrência não pode ser causa de pena disciplinar trabalhista
por si só. Todos que dirigem veículos de forma ininterrupta podem cometer
falhas e até sofrer multas de trânsito que não implica necessariamente em falta
suscetível à penalidade trabalhista. Estas dependem que o ato seja doloso.
Mesmo a negligência do empregado é encarada como um ato doloso para efeito de
falta disciplinar trabalhista (art. 482 da CLT). A culpa no sentido civil pode
ser aplicada nas relações de trabalho, mas não como falta disciplinar, e sim
como responsabilidade do empregado suscetível a sofrer descontos (§1º do art.
462 da CLT). Pode-se discutir a possibilidade de o motorista indenizar o empregador
em danos materiais causados em um acidente mas não ser demitido puramente pela
infração de trânsito, embora um mesmo episódio pode gerar as duas coisas. Ou
seja, a infração de trânsito não gera diretamente punição administrativa.
Pode, então, haver
caso de o empregado ser multado e ao mesmo tempo punido pelo empregador, mas
não como causa e efeito. A multa de trânsito tem um método de aplicação análoga
a do direito penal, bastando o agente estar incurso no tipo gramatical da
infração independentemente das circunstâncias externas. Já a punição
trabalhista não é uniforme, até porque não tem por escopo resguardar interesse
público, podendo haver renúncia por parte do empregador. Atos trabalhistas praticados
de forma gramatical idêntica não possuem a mesma punição, pois se devem levar
em conta o tempo de serviço, o grau de instrução do empregado e do empregador,
ressaltando que a relação de trabalho possui continuidade e com bastante
alteração.
Pelo ângulo da regra
de trânsito, uma dificuldade que logo desponta é a de o poder de polícia do
trânsito saber quanto tempo o motorista se encontra dirigindo, quantos
intervalos gozou, etc. Provavelmente o fiscalizador deverá verificar os
controles de jornada, agora não mais manuseado apenas pelo Ministério do Trabalho.
Outros meios técnicos também podem retratar trajetos, como GPS e registros do
próprio empregador ou do DETRAN.
Tal a dificuldade,
que a proposta de incluir dois dispositivos no CTB foi vetada: o art. 67-B, com seu parágrafo, e o inciso
XXIV do art. 230, ambos tratavam do controle
de jornada. Vejamos suas respectivas redações e razões de veto: “Art 67-B. O tempo de direção de que trata o art. 67-A
será rigorosamente controlado pelo condutor do veículo, mediante anotação em
diário de bordo ou por equipamento registrador, instalado no veículo conforme
regulamentação do Contran ou de órgão com a delegada competência legal. Parágrafo único. O equipamento de que trata este artigo
deverá funcionar de forma independente de qualquer interferência do condutor”. “XXIV do art. 230 - sem equipamento
ou livro, papeleta ou ficha de trabalho externo de controle de tempo de direção
previsto no art. 67-B, quando se tratar de veículo de transporte de carga ou de
passageiros: Infração - grave; Penalidade - multa; Medida administrativa -
retenção do veículo para regularização.” Razão dos vetos: “A proposta, ao introduzir a possibilidade de
anotação em diário de bordo, permite que simples registros manuais sirvam de
instrumento probatório, o que não traz segurança ao motorista e dificulta a fiscalização.”
Comentamos este veto
na parte que tratamos dos controles de jornada, assim como o art. 67-C do CTB aprovado, demonstrando a incompatibilidade de os controles
servirem ao mesmo tempo de prova trabalhista e de prova de trânsito.
O § 8º do art. 67-A do CTB inserido pelo art. 5º, e art. 310-A do CTB, inserido pelo
art. 6º da Lei em comento também foram vetados. Eram redigidos da seguinte
forma: Ҥ 8o Respondem solidariamente com o
transportador os agentes mencionados no § 7o, com exceção feita àqueles
identificados como embarcadores e/ou passageiros, pelas obrigações civis,
criminais e outras previstas em lei, decorrentes da inobservância dos horários
de descanso previstos neste artigo”. “Art.
310-A. Ordenar ou permitir o início
de viagem de duração maior que 1 (um) dia, estando ciente de que o motorista
não cumpriu o período de descanso diário, conforme previsto no § 3o
do art. 67-A. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa. Parágrafo único. Incorrerá na mesma pena aquele que, na
condição de transportador de cargas, consignatário de cargas, operador de
terminais de carga, operador de transporte multimodal de cargas ou agente de
cargas, concorrer para a prática do delito.” Razões dos vetos “O dispositivo que
insere o art. 310-A no Código de Trânsito Brasileiro estabelece tipo penal de
forma imprecisa, tanto no que diz respeito à ação propriamente dita, quanto ao
agente que a pratica, afrontando o art. 5o, inciso XXXIX da
Constituição.
Por sua vez, ao estabelecer solidariedade na responsabilidade criminal,
a redação do § 8o do art. 67-A é contrária ao princípio da
responsabilidade pessoal, previsto no art. 5o, inciso XLV da
Constituição.”
O art. 67-D também foi vetado. Ele
dispunha:
“A guarda e a preservação das informações contidas no equipamento
registrador instantâneo inalterável de velocidade e tempo são de
responsabilidade do condutor até que o veículo seja entregue ao proprietário,
ressalvada a hipótese de transporte de passageiros em viagens urbanas e
semiurbanas em que a chave do equipamento estiver sob a guarda do empregador.” Razões do veto: “Ao prever guarda da
chave do registrador por parte do empregador, a proposta dificulta a
fiscalização no trânsito. Ademais, não resta claro que o proprietário deva
manter registro das últimas 24 (vinte e quatro) horas.”
Art. 6o A Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 -
Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 145. ...................................................................
Parágrafo único. A participação em curso especializado previsto no
inciso IV independe da observância do disposto no inciso III.” (NR) comentado
“Art. 230. ...................................................................
...........................................................................................
XXIII - em desacordo com as condições estabelecidas no art. 67-A,
relativamente ao tempo de permanência do condutor ao volante e aos intervalos
para descanso, quando se tratar de veículo de transporte de carga ou de
passageiros:
Infração - grave;
Penalidade - multa;
Medida administrativa - retenção do veículo para cumprimento do tempo de
descanso aplicável; comentado
XXIV - (VETADO).” (NR) comentado
“Art. 259.
...................................................................
...........................................................................................
§ 3o (VETADO).” (NR)
“Art. 261.
...................................................................
...........................................................................................
§ 3o (VETADO).
§ 4o (VETADO).” (NR)
“Art. 310-A. (VETADO).” (comentado)
Tratamos do parágrafo único do art. 145 do CTB no
comentário do art. 1º.
O inciso XXIII do art. 230 do CTB foi
comentado por nós quando analisamos o art. 5º da Lei.
Condições
sanitárias
Art. 9o As condições
sanitárias e de conforto nos locais de espera dos motoristas de transporte de
cargas em pátios do transportador de carga, embarcador, consignatário de
cargas, operador de terminais de carga, operador intermodal de cargas ou agente
de cargas, aduanas, portos marítimos, fluviais e secos e locais para repouso e
descanso, para os motoristas de transporte de passageiros em rodoviárias,
pontos de parada, de apoio, alojamentos, refeitórios das empresas ou de
terceiros terão que obedecer ao disposto nas Normas Regulamentadoras do
Ministério do Trabalho e Emprego, dentre outras.
A parte final da Lei
foi quase toda vetada, salvo o art. 9º. Perdeu-se uma boa oportunidade de, pelo
menos, atribuir responsabilidades e punições para as condições degradantes que
sofrem os motoristas, ainda mais com seus intervalos menores e fracionados. Mas
não só para os motoristas a situação é insalubre, também é para os transeuntes
que são obrigados sofrer com a falta de instalações sanitárias em pontos finais
de ônibus, principalmente. A Lei comentada e agora o CTB remetem a
regulamentação para o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de NR.
A Lei trata da
questão como se já houvesse a regulamentação. Não existe NR específica, apenas
genérica, como a de n. 24 que inclui instalações sanitárias para qualquer
atividade. Essa NR foi feita baseada em sanitários em estabelecimentos, não em
logradouros públicos, que é o caso.
O caso dos motoristas
de transporte de passageiros urbanos é bem específico e mereceria uma norma
própria. Espera-se que o Ministério do Trabalho e Emprego venha a agir neste
sentido, assim como as prefeituras e outros órgãos como o Ministério Público,
independentemente de responsabilizar o empregador por condições adequadas de
trabalho.
6.DEMAIS VETOS
Além dos vetos já
citados, ocorreram outros que ora registramos:
Isenção
de responsabilidade do condutor por atos de passageiros - vetado
“Art. 259 do CTB
...................................................................
...........................................................................................
§ 3o (VETADO).”
Redação proposta: “§ 3o Ao condutor identificado no ato da infração
será atribuída pontuação pelas infrações de sua responsabilidade, nos termos
previstos no § 3o do art. 257, excetuando-se aquelas
praticadas por passageiro sob sua condução.” Razões do veto: “Ao excluir
a responsabilidade de todos os motoristas pela conduta dos passageiros, o
dispositivo torna impossível a imputação da infração a algum responsável. Em
virtude disso, a proposta prejudica a aplicação de penalidades, afigurando-se
contrária à intenção do Código de Trânsito Brasileiro e desestimulando o seu
cumprimento, em especial quanto às normas de uso do cinto de segurança, assim
comprometendo os esforços de melhoria da segurança no trânsito.”
Pontuação de multas – vetado por entender o
ambíguo conceito de ‘motorista no exercício de atividade profissional’
“Art. 261 do CTB.
...................................................................
...........................................................................................
§ 3o (VETADO).
§ 4o (VETADO).
Redação proposta “§ 3o No caso
de motorista no exercício da atividade profissional, a suspensão do direito de
dirigir somente será aplicada quando o infrator atingir a contagem de 30
(trinta) pontos”. Redação proposta “§ 4o Ao atingirem a contagem de 20 (vinte) pontos,
os condutores de que trata o § 3o deverão submeter-se a curso
de reciclagem, sem o qual a penalidade de suspensão do direito de dirigir será
aplicada de imediato.”
Razões dos vetos: “Os dispositivos não
se limitam aos motoristas profissionais, objeto do Projeto de Lei, pois
empregam o ambíguo conceito de ‘motorista no exercício de atividade
profissional’. Ademais, ao elevar a quantidade de pontos necessária para
aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir, a proposta confere
tratamento diferenciado a essa classe de motoristas, sendo que a segurança no
trânsito exige a responsabilização igualitária a todos os usuários de
veículos.”
Vemos que este dispositivo tinha relação com a proposta de criação de
uma categoria diferenciada. O veto é coerente com a proposta de não se criar
tal categoria, pois, caso contrário, o tratamento poderia ser diferenciado. Se
fossemos imaginar uma profissão realmente regulamentada, não meda categoria
diferenciada, a punição especial deveria ser aplicada por uma corporação dos
próprios profissionais, ou seja, a diferenciação deveria ocorrer no âmbito
profissional e não pelo DETRAN, este sim não deveria ter competência para punir
profissionais, apenas motoristas no geral.
Concessão Rodoviária - Art. 7º, 8º e 10 da Lei 12.619 (vetados)
“Art.
7o O § 2o
do art. 34-A da Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001, passa a
vigorar acrescido do seguinte inciso VI:
‘Art. 34-A. …………………………………….…………….
..........................................................………......................
§
2o
..............................................................................
.............................................................................................
VI - nos casos de concessões de
rodovias, a exigência da construção de locais seguros destinados a
estacionamento de veículos e descanso para os motoristas, situados a intervalos
menores que 200 (duzentos) quilômetros entre si, incluindo área isolada para os
veículos que transportem produtos perigosos, e em consonância com o volume
médio diário de tráfego na rodovia.’ (NR)”
“Art.
8o O art. 2o
da Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, passa a vigorar
acrescido do seguinte § 5o:
‘Art.
2o
.........................................................................
.............................................................................................
§ 5o Não se
aplicam as vedações previstas no § 4o quando a celebração de
contrato de parceria público-privada tiver por objeto a construção ou a
implantação de pontos de parada em rodovias sob administração direta da União,
dos Estados ou do Distrito Federal, para o estacionamento de veículos e descanso
dos motoristas, na forma prevista no inciso VI do § 2o do
art. 34-A da Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001.’ (NR)”
“Art. 10. Os contratos de concessões de rodovias
outorgadas anteriormente à entrada em vigor desta Lei deverão adequar-se às
disposições contidas no inciso VI do § 2o do art. 34-A da Lei
no 10.233, de 5 de junho de 2001, no prazo de 1 (um) ano,
inclusive em relação ao seu consequente reequilíbrio econômico-financeiro.”
Razões dos vetos :“A proposta acarretaria novas obrigações aos
concessionários de rodovias, o que poderia ensejar o reequilíbrio dos contratos
e o consequente aumento de tarifas cobradas nos pedágios. Ademais, a utilização
do regime de parecerias público-privadas deve se limitar a projetos que exijam
recursos vultosos e contratos de longo prazo, os quais permitam a amortização
dos valores investidos.
De forma equivocada ou acertada,
o fato é que o veto procurou excluir qualquer obrigação por parte das
concessionárias.
Trabalhador avulso não portuário (vetado)
“Art. 11. Revoga-se o art. 3o da Lei
no 12.023, de 27 de agosto de 2009.”
Razão do veto: “A revogação do dispositivo poderia inibir a
contratação com vínculo empregatício na movimentação de mercadorias,
ocasionando informalidade no setor.”
A Lei
12.023 de 27.08.2009 trata dos trabalhadores avulso não portuários, que
trabalham com carregamento de mercadorias em geral, mediante intermediação
obrigatória do sindicato da categoria, por meio de Acordo ou Convenção Coletiva
de Trabalho para execução das atividades. O art.3º tema seguinte redação: “As
atividades de que trata esta Lei serão exercidas por trabalhadores com vínculo
empregatício ou em regime de trabalho avulso nas empresas tomadoras do
serviço”.
Vigência da Lei (vetado)
Redação proposta: “Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação, ressalvadas as disposições do art. 5o, que
entrarão em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da data de sua
publicação oficial.”
Razão do veto : “O veto à cláusula de
vigência se faz necessário para que se tenha prazo mínimo para avaliação dos
efeitos e adaptação a todos os dispositivos da norma, conforme exigido pelo
art. 8o, caput, da Lei Complementar no
95, de 26 de fevereiro de 1998, dando aos destinatários o prazo de que trata o
art. 1o do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de
setembro de 1942 - Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.”
Rejeitou-se a aplicação
imediata da lei. Aplica-se a regra do art. 1º da Lei de Introdução: “Salvo
disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco
dias depois de oficialmente publicada”.
Se a Lei é de
30.04.1012, a sua vigência começará em 15.06.2012.
7.CONCLUSÕES
A Lei 12.619 demonstra vigor
legislativo em tratar de um único segmento trabalhista, o que já é uma tradição
nacional, sem um correspondente repensar
mais geral. A sua novidade provavelmente
seja a de tratar ao mesmo tempo de temas trabalhistas e de trânsito de
veículos, daí envolver a CLT e o CTB.
Essa junção de interesses fez com
que se exigisse mais responsabilidade do motorista rodoviário, sem nenhuma
contrapartida remuneratória. Mas entendemos que o problema não é só econômico, também é profissional. Se a sociedade define
que determinado setor profissional é importante para a coletividade, deve
procurar regulamentá-lo não só por meio de obrigações trabalhistas e administrativas-penais,
mas por meio de ética profissional, o que depende de organização própria e
autônoma dele. O próprio grupo profissional organizado deve atuar desde a
formação educacional, até a elaboração das regras éticas, sua fiscalização e
punição. Neste ponto, a lei, como ficou é nula. É verdade que o texto aprovado
no Congresso expressava certa preocupação em criar uma categoria diferenciada,
o que foi vetada. Mas mesmo sem o veto, o resultado ainda seria de
desequilíbrio entre responsabilidade profissional e independência para se criar
uma ética.
Por outro lado, a parte da Lei que
extrapola a relação contratual trabalhista, a que envolve a segurança do
trânsito, foi um pouco neutralizada pela própria possibilidade de se
flexibilizar os horários de descansos, pelo menos no setor urbano. O caso, por exemplo,
do alcoolismo em serviço tem sido apontado por muitos como uma forma de o
motorista aguentar dirigir sob longas
jornadas sem o devido descanso. Assim, a flexibilização, mesmo por meio de
negociação coletiva, não contribui muito para a eliminação do alcoolismo. Não
se acaba com os efeitos sem atacar as causas. Aqui o interesse público e o das
empresas não andaram bem afinados.
Os sindicatos de trabalhadores
continuam sendo vistos com a função de agentes flexibilizantes, sendo colocados
como co-responsáveis por prejuízos causados à saúde dos seus representados,
muito embora possa gerar conquistas econômicas em troca. Isso coloca a Lei ora
comentada com um fiapo que pode ser puxado desfazendo a textura de seu
conjunto.
Niterói 08 de maio de 2012