DISCURSO EM HOMENAGEM AOS 100
ANOS DE NASCIMENTO DE GERALDO MONTEDÔNEO BEZERRA DE MENEZES proferido pelo
Desembargador Ivan da Costa Alemão Ferreira, em evento realizado pelo Pleno do
Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, em 6 de agosto de 2015.
Agradeço
a oportunidade de homenagear GERALDO MONTEDÔNEO BEZERRA DE MENEZES, em face dos
100 anos de seu nascimento, inicialmente a seu neto, RODOLFO BEZERRA DE MENEZES
LOBATO DA COSTA, sociólogo do direito, meu ex-aluno do Programa de
Pós-Graduação da UFF, que me indicou à Comissão Organizadora do evento para
fazer esta exposição.
Agradeço
também ao ex-presidente desta Corte, Desembargador CARLOS ALBERTO ARAUJO
DRUMOND, que me fez o convite formalmente; e à nossa presidente, MARIA DAS
GRAÇAS CABRAL VIEGAS PARANHOS.
E,
naturalmente, agradeço aos familiares de Dr. Geraldo, que me ajudaram com
depoimentos e textos, especialmente seu filho, advogado, Dr. GERALDO BEZERRA DE
MENEZES.
Não
tenho o costume de fazer leitura em exposição, mas, nesse caso, são tantas as
informações que o medo de errar é grande. Digo, medo de errar muito, já que é
quase impossível falar de um personagem histórico tão importante sem suscitar
correções, pelo que desde já peço perdão à família e aos ouvintes.
Esse
convite me deixou bastante satisfeito, pois criou uma oportunidade para eu
agradecer o incentivo que recebi desse grande magistrado e professor. Ainda no
início da minha carreira de magistrado e de professor de Direito, na década de
1990, antes mesmo de me conhecer, Dr. Geraldo me escreveu uma carta, elogiando
o meu primeiro livro,[1] de 1997. Imaginem o que é
ser incentivado por um personagem que era – e continua a ser – uma lenda em
nossa cidade de Niterói! O fórum em que trabalhei, por exemplo, leva seu nome,
além de vários outros estabelecimentos, entre eles uma instituição escolar de
ensino, o prédio anexo da Faculdade de Direito e a Biblioteca de Serviço
Público.
No
final da década de 1990, tive a chance de visitá-lo mais de uma vez. Também
conversamos longamente por telefone, poucos anos antes de seu falecimento, há
13 anos, em 9 de fevereiro de 2002. Mesmo doente, Dr. Geraldo fazia questão de
discutir matérias jurídicas novas, saber como andava a Justiça do Trabalho, em
especial os jurisdicionados, tratados como irmãos. Com um carisma nunca visto
antes por mim em outros mestres do Direito, ele narrava os feitos da Justiça do
Trabalho, e sua própria participação, com grande orgulho. Sem timidez de
mostrar o quanto contribuíra para a sua solidificação.
Tendo
em vista a importância do Dr. Geraldo, escrevi um artigo sobre ele, publicado
em 1997,2 do qual voltarei a falar mais adiante.
Também fiz uma homenagem a ele na orelha de outro livro meu,3 de 2000. Nessa orelha eu afirmava que
Dr. Geraldo era o “símbolo daquela
justiça do trabalho que abriu clareiras numa época em que irmãos nossos,
trabalhadores marginalizados, encontravam-se sujeitos à própria sorte”.
Mas quem foi este homem?
Eu
poderia citar o currículo do Dr. Geraldo com datas e títulos, só que isso
consta da internet e pode ser consultado pelos ouvintes, neste momento, por
meio de seus celulares, que, acredito, estão ligados, embora no “silencioso”.
Então, com um pouquinho de ousadia, pretendo nesta exposição falar da
personalidade do homem e do pai de família, calcado nos depoimentos de seus
familiares e nas informações que estão no livro Os quinze.4 Esse
livro, que narra a história da família do Dr. Geraldo, foi produzido pela
própria família em 2008, e sua neta, a professora Patrícia Galindo da Fonseca,
minha colega na UFF, me deu de presente um exemplar.
Depois
de tentar traçar o perfil do Dr. Geraldo, falarei sobre a sua importância na
formação da instituição Justiça do Trabalho. Isso porque, além de ter sido um
grande teórico e um grande professor, foi também um verdadeiro intelectual
orgânico, na acepção empregada por Antonio Gramsci. Ou seja, aquele que
interfere na estrutura social.
A PESSOA E A FAMÍLIA
A
vida privada do Dr. Geraldo demonstra o quanto ele foi um homem-instituição.
Pois é pela família que começa a formação histórica do Estado e das
organizações públicas.
Dr.
Geraldo e Dona Odette, sua mulher, começaram a construir sua família em 1941,
planejando ter 10 filhos. No entanto, conforme relata sua neta BERENICE BEZERRA
DE MENEZES PINTO no livro Os quinze,5 eles acabaram tendo 15 filhos. Aliás, é
por isso que o título do livro é Os
quinze. Atualmente, segundo a gentil informação do DR. GERALDO FILHO, são 46 netos, sendo 25 homens e 21 mulheres. E são 38 bisnetos, sendo 21
homens e 17 mulheres. Por isso é difícil morar em Niterói e não conhecer
um Bezerra de Menezes.
Quem
conhece a cidade sabe a proximidade que existe entre os bairros de Gragoatá,
onde hoje fica o campus da UFF, Ingá e Icaraí. Basta seguir a orla marítima das
barcas em direção a Icaraí para passarmos por esses bairros, o que leva em
torno de 30 minutos. Dr. Geraldo percorreu esse caminho ao longo de mais de 80
anos. Tinha orgulho de dizer que havia sido criado no Gragoatá. Depois, deu
aulas no Ingá, onde Dona Odette morava e onde a conheceu. Mais tarde, eles se
casaram e moraram no bairro, mudando-se, posteriormente, para Icaraí, num
trajeto que resume a sua caminhada de vida.
A casa e a mesa
O
casarão da Rua Oswaldo Cruz, número 63, esquina com a Moreira César, em Icaraí,
foi adquirido em 4 de março de 1949,6
após o casal ter morado na Rua Tiradentes, no Ingá. Essa época parece ter sido
bem marcante na história inicial da família, que, acredito, poderia ter
inspirado Machado de Assis a escrever um romance.
Foi
na década de 1940 que Dr. Geraldo começou a atuar intensamente na Justiça do
Trabalho, sendo seu dirigente máximo em duas gestões consecutivas: de 1946 a
1949; e de 1949 a 1951. Depois ele foi Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho
duas vezes também: de 1954 a 1956; e de 1958 a 1960.
Dr.
Geraldo aposentou-se na Justiça do Trabalho em 1966, prosseguindo com suas
atividades na Faculdade de Direito de Niterói, hoje pertencente à UFF. Nessa
faculdade foi aluno, presidente do diretório acadêmico, professor e duas vezes
diretor, em 1957 e 1967.
Quando
conheci o Dr. Geraldo, ele já não residia no casarão da Rua Oswaldo Cruz. Mas
morava na mesma rua, num apartamento. Entretanto, como muitos dos móveis
provavelmente eram os mesmos, posso imaginar um pouco como era aquela casa e
aquela família naquele tempo.
No
livro da família, sua filha, ROSA MARIA BEZERRA DE MENEZES, relata algumas
cenas do convívio no casarão. Ouçam esses trechos:
“Estou
chegando na minha casa. Abro o portão de ferro verde, nunca fechado com chave.
Aliás, a porta de nossa casa estava sempre ‘aberta’. Não existia, naquela
época, a preocupação de trancar portas. A descontração era tamanha, que a
família do Dr. Rosalino colocava cadeiras na calçada para o bate-papo cotidiano
e, não raro, ficava ali também.”7
“Meu
pai chegava e, ao sentar-se à mesa, começava a desfiar estórias. Contava
detalhadamente a sessão do Tribunal Superior do Trabalho: todos ouviam atentos.
Minha mãe, principalmente, era chamada a intervir, para recordar nomes de
magistrados ou ministros dos quais meu pai não conseguia lembrar, para que
nenhum personagem ficasse de fora das estórias. Das sessões do TST, passávamos
para as aulas da Faculdade de Direito da UFF, estórias de seus alunos, de
professores, casos e mais casos que se misturavam com lembranças dos seus
tempos de estudante, de criança no Gragoatá. Para meu pai, sempre foi marcante
relembrar fatos de sua infância, da vida profissional, lutas e conquistas. Como
está presente e viva nas minhas lembranças a mesa da sala de jantar da rua
Oswaldo cruz!”
“Ao pensar na mesa da sala de jantar,
muitos fatos me vêm à mente: a presença de minha mãe naquela sala, distribuindo
tarefas, administrando nossa casa, comandando suas auxiliares. Tudo tinha que
ser perfeito: havia muita ordem e disciplina! Meu pai, trabalhando ou
religiosamente em seu escritório, lendo, escrevendo, pesquisando, ‘devorando’
com todo amor os seus livros, o seu tesouro. Com que orgulho falava de seus livros,
com que prazer permanecia horas entre eles. Sua obsessão, sua grande paixão:
seus livros.”8
Esse
tipo de cena cotidiana também é lembrado pelos familiares na época da Rua
Herotides de Oliveira, em Icaraí, para onde a família se mudou na década de 1960.
Conta o seu neto de coração, PEDRO GOMES DE OLIVEIRA:
“Na
casa da rua Herotides de Oliveira, 13, marcaram-me para sempre os jantares
naquela mesa comprida da copa, quando minha avó e meu avô perdiam-se em longas
conversas (que não podiam ser interrompidas), lembrando fatos do passado ou
resgatando as sessões de vovô nos conselhos que ele integrava, o Conselho
Federal de Cultura e a Comissão Nacional de Moral e Civismo. Eu tinha prazer em
conhecer tudo sobre a vida profissional do Ministro e prestava atenção aos
relatos que ele fazia sobre seus votos e discursos, sobre as interpelações dos
outros conselheiros, etc. Não entendia muito, confesso. Sempre perguntava de
que eleição ele tinha chegado, de tanto ouvi-lo falar em voto. Hoje, no meu dia
a dia profissional, não há como não lembrar de vovô quando vivencio os votos
nos tribunais.”9
O
escritório e a obsessão
Outro
filho do Dr. Geraldo, o DR. GERALDO BEZERRA DE MENEZES, advogado militante de
Niterói, retrata muito bem a paixão de seu pai pelos livros na seguinte cena
poética, relatada também no livro da família:
“O escritório do meu pai. Magia. Encantamento. Mistério. Ele vivia
enfurnado nesse mundo à parte, absorvido em livros, papéis, escritos. Sob a
proteção de minha mãe.
“Compartilho
o sentimento de Jorge Luis Borges: ‘Se pedissem para nomear o acontecimento
mais importante de minha vida, eu diria: a biblioteca de meu pai’.
“O
velho Geraldo, meu pai, era, demasiadamente, obsessivo. Intransigente defensor
da Doutrina Social da Igreja Católica, submetia-se à autoridade papal.
Obstinado defensor do Direito do Trabalho e da Justiça Social, era magistrado –
primeiro presidente e organizador do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Ardoroso defensor da Faculdade de Direito de Niterói da Universidade Federal Fluminense
(UFF) – estudante, professor-catedrático, dirigiu-a por duas vezes e não
permitiu que lhe quebrassem a unidade. A par disso, dava tudo de si na
preservação da memória familiar – do pai José Geraldo (meu avô), do avô Leandro
(meu bisavô), do antepassado.
“Não
transigia com a sua fé e suas ideias. Para ele: sim, sim; não, não. Nem se
curvava ao aplauso fácil. Tolerante com o pecador; intolerante com o pecado.
“Vários
de seus livros nasceram de pequeno artigo, de pequena conferência. Depois,
aprofundava-se no tema. Passado algum tempo, o artigo ou a conferência virava
opúsculo. Logo em seguida, livro. Determinação exemplar. Não deixava no caminho
serviço a ser feito.”10
O metódico
O
filho caçula, ALEXANDRE BEZERRA DE MENEZES, advogado militante da Justiça do
Trabalho, comenta o ritmo de trabalho do pai no seguinte trecho:
“O pai que eu não consigo plagiar
“Sempre
que recordo da minha infância, a imagem do meu pai, executando diariamente seu
sagrado trabalho, vem nítida em minha memória.
Os
horários eram seguidos à risca: após o almoço, instalava-se em seu escritório
da casa da rua Herotides e lá ficava totalmente concentrado. A capacidade de
concentração e organização surpreendia uma criança como eu. O ambiente deveria
ser obrigatoriamente silencioso. A punição era praticamente certa para quem não
respeitasse a norma.
Por
volta das 15h30, havia a parada obrigatória para o lanche, que deveria ser
sempre servido alguns minutos antes. Após o lanche, retornava para o trabalho,
de forma metódica e organizada.
Início
da noite, poucos minutos antes do jantar, trabalho encerrado. Minha mãe
convocada, jantar servido, Jornal Nacional. Após o noticiário, permanecia meu
pai, ao lado de minha mãe, assistindo à novela das 20h e tecendo inúmeros
comentários sobre a trama, os personagens, adivinhando o que ia acontecer,
fazendo algumas perguntas, falando coisas engraçadas, enfim, irritando minha
mãe, que só queria uma coisa: assistir a sua novela, tranquilamente.
“Hoje,
com frequência, me pego ‘plagiando’ meu pai, fazendo aqueles mesmos
comentários, as mesmas adivinhações e as mesmas piadas na hora da novela e
irritando Ana, minha mulher... Infelizmente, o poder de concentração, a
organização e a dedicação ao trabalho, próprios de meu pai, eu não consigo
‘plagiar’... Com certeza nem eu, nem ninguém. Ele era único, admirável.”11
Homem de fé e solidariedade
Outro
grande marco da família foi a aquisição, em 1953, de um sítio em Várzea das
Moças, bairro afastado do Centro de Niterói. Todos os familiares citam esse
recanto como um local de grande magia. Eis uma passagem muito bonita do livro Os quinze em que sua filha, IDALINA
BEZERRA DE MENEZES, fala sobre esse sítio:
“A fé
inabalável de meu pai
“Um traço forte na personalidade do meu pai,
sem dúvida alguma, era a sua fé inabalável. Sempre que lhe pedia um conselho,
ele me dizia com um tom de voz que me confortava: ‘Nunca perca a fé em Deus, vá
à igreja, reze, agradeça e não pense que está sozinha. Você tem seus pais e
seus irmãos’.
“Entre tantas lições transmitidas por palavras
ou ações, recordo-me ainda de seu lado humano. Religiosamente, nas tardes de
domingo, tínhamos uma tarefa obrigatória, na volta do sítio para casa: entregar
alimentos e frutas em um orfanato localizado no bairro de Santa Rosa, em
Niterói.
“Independentemente do que estivéssemos fazendo,
meu pai nos convocava para colher frutas lá no sítio. O detalhe é que insistia
para que pegássemos cada uma delas com seus respectivos cabinhos. Isso, segundo
ele, revigoraria os galhos de onde estávamos arrancando as frutas. Depois da
colheita, era hora de encaixotar tangerinas, laranjas e aipins e levar tudo
para o carro, um Dodge, e seguir para o orfanato. A cada parada, eu pensava nas
crianças que não tinham o privilégio de estar numa família como a minha. Mesmo
sendo uma numerosa prole, ou até por causa disso, ficou incutido em nós o valor
muito forte da solidariedade.”12
Opiniões sobre outros
personagens
O
neto Rodolfo ressalta13 que se
lembra bem da empolgação de seu avô ao falar de JOAQUIM NABUCO, mesmo sendo
Joaquim Nabuco um crítico da Igreja. Para Dr. Geraldo, a Lei Áurea foi a
primeira lei trabalhista do Brasil, e Joaquim Nabuco, além de defender a
abolição, defendia a doação de terra aos escravos, revelando-se um defensor da
reforma agrária.
Dr.
Geraldo fez diversos estudos sobre personagens públicos em seu livro INTÉRPRETES DO BRASIL, publicado em 1997
pela editora Clube de Literatura Cromos, livro que recebi no mesmo ano com uma
bela dedicatória. Bem, nesse livro, entre outros personagens, ele traça o
perfil de JOAQUIM NABUCO; EUCLIDES DA CUNHA, autor de Os sertões; ALBERTO TORRES, nacionalista e reformista do Estado do Rio
de Janeiro; OLIVEIRA VIANNA, niteroiense amigo de seu pai, JOSÉ GERALDO BEZERRA
DE MENEZES.
Outras
personalidades estudadas nesse livro foram VIANNA MOOG, GILBERTO FREIRE e
AFONSO ARINOS, com quem Dr. Geraldo conviveu ao longo de dez anos no Conselho Federal
de Cultura.
SUA CONTRIBUIÇÃO JURÍDICA
GERALDO
MONTEDÔNIO BEZERRA DE MENEZES não escreveu um Curso de Direito do Trabalho. Nem tampouco um Manual sobre direito individual, conforme fizeram seus ilustres
contemporâneos e conterrâneos regionais Evaristo de Moraes Filho e Délio
Maranhão, que, aliás, também completaram 100 de nascimento – Evaristo, no ano
passado; e Délio Maranhão, já falecido, este ano.
A
contribuição doutrinária de Gr. Geraldo concentrou-se mais no direito coletivo.
Ele foi um dos pioneiros sobre o assunto, ao lado do baiano Orlando Gomes, o
primeiro a tratar das convenções coletivas,14
e de Oliveira Vianna, arquiteto da Justiça do Trabalho e da estrutura sindical.
Acredito,
no entanto, que Dr. Geraldo foi o intelectual do Direito do Trabalho que mais
interferiu nas regras processuais coletivas e na estrutura da Justiça do
Trabalho, seja como dirigente, seja como elaborador de lei.
Sua
maior intervenção no campo da legislação se deu em 1946, com apenas 31 anos de
idade e oito de magistratura, ao projetar a reforma da Justiça Trabalhista sob
a égide da nova Assembleia Constituinte. Lembro que o Conselho Nacional do
Trabalho, que se transformou no Tribunal Superior do Trabalho, que ele dirigiu,
tinha, naquela época, apenas 11 ministros, sendo sete togados.
O
período histórico de então era o do fim do Estado Novo. Com a eleição
democrática do presidente Eurico Gaspar Dutra e a formação da Assembleia
Constituinte, nasceu um novo processo de reestruturação legitimado pelo voto
democrático. Nessa oportunidade, havia a proposta de acabar com o Poder
Normativo da Justiça do Trabalho, o que foi bravamente combatido por Dr.
Geraldo.
Eis
o depoimento de EVARISTO MOARES FILHO, ao escrever a Apresentação de outro
livro do Dr. Geraldo, intitulado O DIREITO
DO TRABALHO E A SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO:
“Numerosos foram os dissídios coletivos naquele
ano de 1946, principalmente oriundos do Estado de São Paulo e do Distrito
Federal. Nunca na história da Justiça do Trabalho se lutou tanto pela sua sobrevivência,
no que tenha de mais próprio e singular. Muito trabalharam os advogados e os
pareceristas patronais, volumosos memoriais foram escritos, reescritos e
distribuídos, mas em vão. Como Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, o
Ministro Geraldo Bezerra de Menezes entrava fundo na tratação da matéria,
esmerando-se em rebater os argumentos negativistas, baseado na melhor doutrina
e nos melhores fundamentos do Direito Constitucional e do Trabalho. Os seus
despachos foram sempre aprovados e acatados no Supremo Tribunal Federal, para
onde recorriam, inconformados, advogados dos suscitados naqueles conflitos
coletivos.
(...)
“Tudo isso precisava ser feito e contado, para
que não suponham as novas gerações que a Justiça do Trabalho seja uma velha e
tranquila senhora, sem passado nem história, que não teve também seus momentos
de luta e de afirmação, que muito exigiram dos seus magistrados em firmeza e
propósitos e de princípios. Foram instantes quase épicos de barricada, quando
se redemocratizava a Nação, num vertiginoso processo de abandono de todas as
instituições que pareciam comprometidas com o antigo regime e não iria reagir o
Supremo Tribunal Federal.”15
No
livro SEM MEDO DA UTOPIA, produzido
por Elina Pessanha, Angela Gomes e Regina Morel, EVARISTO, depois de longo
tempo, volta a destacar a importância do trabalho do Dr. Geraldo:
“Certamente
quando a Constituinte se reuniu para votar a Constituição liberal e democrática
de 1946, o patronato gastou uma fortuna em pareceres de Pontes de Miranda,
Carlos Maximiliano, Mendes Pimentel, todos contrários ao poder normativo da
Justiça do Trabalho. A Confederação Nacional das Indústrias fez tudo para
acabar com este item da Carta de 1937. Quem se notabilizou na sua defesa foi um
cidadão que morreu recentemente: Geraldo Montedônio Bezerra de Menezes, autor
de a Justiça do Trabalho: sua significação na história
jurídico-social do Brasil. Afinal, não
conseguiram alterar nada...”16
MANOEL
MARTINS, conhecido advogado de Niterói, nascido em 1923, contemporâneo e
conterrâneo de Dr. Geraldo, descreveu assim esse período em artigo publicado no
jornal do SAAE/RJ, em janeiro de 1999:
“Só
com a Constituição de 1946 a Justiça do Trabalho passou a ter autonomia e
integrou o Poder Judiciário, com seus tribunais e juízes trabalhistas.
“A
Lei nº 9.797, de 6 de setembro de 1946, transformou os Conselhos em Tribunais e
deu aos presidentes das Juntas e aos seus vogais a titularidade de juízes do
Trabalho e juízes representantes classistas, definiu o número de integrantes
dos tribunais.
“O
avanço de qualidade foi imenso, pois a Constituição de 1934 e 1937 não
reconheciam a função judiciária exercida pelos órgãos trabalhistas.
“Aqui
entra o papel do homem nesta história. Aparece a figura de abnegado lutador, de
defensor daquela posição consagrada pela Organização Internacional do Trabalho.
(...)
“É
Geraldo Bezerra de Menezes, empunhando o fervor da sua personalidade e
prestígio de cultor do direito do Trabalho, que empenha com denodo junto aos
constituintes de 1946 e crava no texto constitucional a Justiça do Trabalho
como integrante do Poder Judiciário. Dá autonomia, qualidade, respeito e valor
ao juiz trabalhista, traz ao Poder Judiciário Brasileiro um juiz habilitado a
viver e interpretar o momento social na hora de decidir.
(...)
“Geraldo
Bezerra de Menezes, ao conquistar a inclusão da Justiça do Trabalho como órgão
do Poder Judiciário, na defesa do Direito do Trabalho, afrontou o hermeneuta
tradicional.
“Obrigado,
Geraldo Bezerra de Menezes, vivemos um tempo em que o horror econômico e o
horror político se aliam para jogar na lata de lixo dos exploradores esse
patrimônio social legado pelas conquistas dos trabalhadores brasileiros e por
vossa contribuição.
“É
o momento em que todos nós, seguindo vosso exemplo, vencemos o nosso imobilismo
na defesa da Legislação Trabalhista Brasileira e da integridade do Judiciário
Trabalhista, aprimorando-os.
“Obrigado,
mestre.”
Lembro
aqui que esse artigo foi escrito por MANOEL MARTINS numa época em que havia a
ameaça de extinção da própria Justiça do Trabalho. Ressalto também que MANOEL
MARTINS é um tradicional comunista da cidade, o que demonstra que o cristão Dr.
Geraldo estava acima de ideologias e era admirado por todos.
A
contribuição doutrinária do Dr. Geraldo foi fundamental para a técnica
processual dos dissídios coletivos, servindo de orientação para os demais
estudiosos que trataram do tema. Entre os inúmeros livros que publicou, destaco
o DISSÍDIOS COLETIVOS DO TRABALHO E
DIREITO DE GREVE (Doutrina, legislação e Jurisprudência), lançado em 1949.
Esse livro foi reeditado em 1950 e teve uma terceira edição em 1957. Para mim –
e acredito que para toda a minha geração – esta obra talvez tenha sido a de
maior influência jurídica sobre dissídios coletivos.
Conforme
o jurista JOAQUIM PIMENTA expõe no Prefácio da segunda edição, Dr. Geraldo
defendia os dissídios coletivos de natureza econômica, enquanto outra corrente
dentro do Direito do Trabalho defendia apenas os dissídios coletivos de
natureza jurídica. Com o tempo, prevaleceu a corrente do Dr. Geraldo, com a
qual JOAQUIM PIMENTA concordava.
Lendo
os depoimentos de EVARISTO MORAES FILHO e de JOAQUIM PIMENTA, podemos facilmente
imaginar a importância do Dr. Geraldo como dirigente máximo da Justiça do
Trabalho. E isso no momento da consolidação dessa Justiça, da formatação de
seus órgãos jurisdicionais e de novas regras processuais, com destaque para a
solidificação do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Mas
não só. Destaco também, entre os méritos do Dr. Geraldo, a valorização da
magistratura da primeira instância. O Decreto-lei nº 9.797, de 9 de setembro de
1946, redigido por Dr. Geraldo, certamente influenciou a própria Carta Maior,
promulgada nove dias depois.
Finalmente,
foi exigido concurso público para o acesso do juiz presidente das Juntas de
Conciliação e Julgamento, que até então inexistia, dando-lhe garantias
jurisdicionais que existem até hoje, como vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade dos vencimentos, após o estágio probatório de dois anos.
Cito
aqui um trecho da longa carta que o Dr. Geraldo me enviou em 1997:
"Com atuação na Justiça do
Trabalho, no Rio de Janeiro, então capital da República, desde a fase
embrionária, nomeado que fui em 1938, época em que das decisões das Juntas de
Conciliação e Julgamento cabia a avocatória ao Ministro do Trabalho, Indústria
e Comércio, cedo compreendi a magnitude do papel reservado à primeira instância.
Ao tempo, tinham as Juntas a função precípua de abrir rumos – de abrir
clareiras, diria melhor – levando às partes, quando solicitadas, nova concepção
judicante, acorde com as exigências da época, proveniente de uma nova
civilização a impor a integração social de milhares, senão milhões, de irmãos
nossos, trabalhadores marginalizados, sujeitos à própria sorte.
“Neste preâmbulo evocativo,
estou em lembrar que, em conferência proferida na Faculdade de Direito de
Niterói, integrada à UFF, onde estudei e me tornei professor, já me fixava no
tema momentâneo: as Juntas de Conciliação e Julgamento no mecanismo da Justiça
do Trabalho, estudo divulgado pelas revistas especializadas do país.
“Mais. A presidência do Conselho
Nacional do Trabalho e, a seguir, do Tribunal Superior do Trabalho, bem assim,
a atuação judicante nesses órgãos superiores, ensejaram-me lutar, como lutei,
por melhor compreensão do papel da instância originária da Justiça especial e
por garantias a serem outorgadas aos seus juízes, então totalmente
desamparados. E tudo foi previsto e assegurado através do Decreto-lei nº 9.797,
anterior à Carta Magna de 1946, promulgada pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra,
de cujo projeto fui autor, verbum
ad verbum, de que resultou a instalação, no Brasil, de autêntica
Magistratura do Trabalho. Realmente, autônoma.
"Compreende-se que, ainda
hoje, sem embargo dos meus 81 anos, referto da graça divina, acompanhe a
atuação dos colegas de magistratura que desempenham as mais empolgantes e mais
árduas funções da Justiça do Trabalho. Provam-no, para cingir-me ao exemplo
fluminense, a atuação consciente, esclarecida e construtiva dos exemplares
Juízes do Trabalho que atuam na Primeira Região. Não se limitam ao mister de
julgar, sagrado a todos os títulos. Aprofundam-se, conscientemente, no estudo e
conhecimento do novum
jus. Não só. Levam ao grande público, através de conferência, debates,
encontros, jornadas ou congressos, mensagens altamente esclarecedoras, quando
não conquistam a docência universitária, no prolongamento de um afã
exemplarmente construtivo.”
Em
artigo escrito por mim em 1997, ao qual me referi no início desta exposição,
sob o título “ANTES E DEPOIS DE GERALDO BEZERRA DE MENEZES – As
fases da Justiça do Trabalho”, assim
considerei a época da Justiça do Trabalho em que o Dr. Geraldo esteve no
comando do Tribunal Superior do Trabalho:
“A terceira fase [da
Justiça do Trabalho] surge com a valorização da primeira instância, dos juízes
‘totalmente desamparados’, como nos coloca Geraldo Bezerra em sua carta.
Costuma-se dizer que essa fase corresponde à integração da Justiça do Trabalho
ao Poder Judiciário, é verdade. Todavia, a independência do juiz ou da Junta,
enquanto instância inferior, é que, de fato, deu independência total à jurisdição
trabalhista. É na primeira instância que há a negociação direta, que ocorre a
instrução e a execução. É aqui que o processo, substancialmente, se inicia e
conclui. Lugar onde o trabalhador mais humilde comparece para acompanhar o
destino de seu direito. É a porta de entrada e saída do templo da Justiça.
Geraldo Bezerra soube e sabe defender muito bem este andar da Justiça já que
preocupado com os marginalizados, irmãos nossos, sujeitos à própria sorte. Essa
obra só poderia ser de quem viveu todas as fases da Justiça do Trabalho, além
de outras tão importantes quanto.”
Fecho
aspas, e termino esta homenagem 18 anos depois, muito mais convicto da
importância histórica e teórica de GERALDO MONTEDÔNEO BEZERRA DE MENEZES para a
Justiça do Trabalho. Reitero aqui as palavras de MANOEL MARTINS:
“Obrigado,
mestre”.
[1] Garantia
do crédito salarial, LTr, 1997.
2 “Antes e depois de Geraldo Bezerra de Menezes – As
fases da Justiça do Trabalho”, publicado na revista da ANAMATRA,
abr-jun, 1997; e na revista da LTr,
out. 1997.
3
Execução do devedor, satisfação do
trabalhador, LTr, 2002.
4
Os quinze, Ediouro, 2008.
5
Os quinze, p. 23.
6
Os quinze, p. 70.
7
Os quinze, p. 71.
8
Os quinze, p.74.
9
Os quinze, p. 180-190.
10
Os quinze, p. 57-58.
11
Os quinze, p. 125-126.
12
Os quinze, p. 118.
13
Os quinze, pp. 219-220.
14
1936.
15
O direito do trabalho e a seguridade
social na Constituição, editora Pallas S/A, 1976, p. 5.
16
Sem medo da utopia, LTr, 2007, p. 89.