Ivan Alemão [2]
O texto analisa
as propostas do novo sindicalismo surgido em 1970/80 e as propostas neoliberais
da década de 1990, ambas contra a inferência do Estado nas relações de trabalho
que haviam sido consolidada na era Vargas. Analisa ainda a nova tendência
expressa pelas cúpulas sindicais do final do século XX e início do século XXI,
o que é expressa nas propostas do Fórum Nacional do Trabalho, órgão este criado
com objetivo modificar a estrutura sindical brasileira. O texto critica as
recentes propostas, demonstrando que elas causam retrocesso histórico
principalmente quando busca acabar com a autonomia sindical conquistada com a
Constituição de 1988 e retoma alguns métodos da era Vargas. Destaca que estas
propostas buscam controlar os sindicatos de base, concentrando as principais
decisões de interesses dos trabalhadores no poder executivo por meio do
ministério do trabalho e de uma nova cúpula sindical que se consolidou nas
últimas décadas quando as centrais sindicais passaram a participar da
administração de fundos econômicos estatais (FGTS, FAT, etc) e de comissões
paritárias do governo. Pela proposta do FNT o poder judiciário deixaria de
apreciar o mérito dos litígios sindicais, o que ficaria a cargo de um conselho
controlado pelo poder executivo e composto por representantes de centrais
sindicais. Esse texto expressa em parte uma tese do autor aprovada no CONAMAT –
Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho, realizado em maio de 2004 em
Campos de Jordão.
1.Momento histórico
: esgotamento do modelo corporativista?
A estrutura sindical consolidada na era Vargas por
influência do corporativismo foi, no final do século XX, atacada duplamente. Em
primeiro lugar, pelos movimentos grevistas e de oposição sindical sob a
influência da esquerda e da Igreja católica, que vieram a criar a CUT – Central
Única dos Trabalhadores. Em segundo lugar, pelo neoliberalismo, que remodelou o
Estado e as empresas com a finalidade de tornar o sindicato um parceiro nesse
processo. Embora antagônicas no cenário político, essas duas tendências
renovadoras se identificavam no ataque à interferência do Estado nos sindicatos
e, especialmente, nas negociações coletivas. O modelo de Estado interventor da
era Vargas passou a ser visto como um entulho legal a ser repelido. Mas, como
ambas as tendências dependiam do Estado para sobreviver, procuravam afastá-lo
substancialmente no âmbito da negociação coletiva. Em grande parte representando
respectivamente trabalhadores e empregadores, essas correntes não deixavam de
reivindicar concessões ao Estado, mas queriam seu afastamento no que se
referisse à aquisição ou perda de direitos nos contratos de trabalho. Assim, a
CUT pregava um novo “contrato coletivo”, acima da lei. E os neoliberais, o
“negociado acima do legislado”.
Na década de
1970, os sindicalistas do ABC surgiram como um segmento inovador, considerados
como uma corrente autêntica (Almeida, 1980; Antunes, 1988; Cardoso, 1999) ou
como reinventores de novas formas de política (Sader, 1995). Expressões como
combativos, de base, autênticos, de oposição, de esquerda, de massa, de
macacão, anti-patrão eram associadas a essa corrente sindical que aparecia por
meio de greves e negociações coletivas, rompendo os limites políticos da época.
Propondo o fortalecimento da estrutura de base com vistas a dar sustentação às
campanhas salariais, os sindicalistas intensificavam o confronto entre capital
e trabalho sem, no entanto, defender a ideologia revolucionária até então
predominante na esquerda. Por seu turno, os neoliberais propunham liberdade de
negociação com aumento do poder jurídico da representação dos sindicatos, com
vistas a adaptá-los ao mercado recessivo, ao modelo pós-fordista. Essa tendência
a favor de uma maior eficiência aparecia como modernizadora, competitiva,
eficiente e realista, contrapondo-se ao que consideravam dirigismo estatal e
populismo.
As discussões na Assembléia
Constituinte de 1987/88 e a eleição para a presidência da República em 1989,
com a polarização entre Lula e Collor, demonstraram quanto as duas correntes
disputavam o domínio de um cenário que (talvez aparentemente) apontava para o
fim da estrutura corporativista da era Vargas.
Assim, se as décadas de 70 e 80 corresponderam ao
avanço do sindicalismo, a década de 90 correspondeu à consolidação do
neoliberalismo, com a frouxidão da estrutura sindical e o enfraquecimento de
sua legitimidade em função da drástica redução, e até eliminação, de categorias
por conta do aumento do desemprego e da informalidade. Nesse período, cresceu o
número de sindicatos criados com o objetivo de atuar na Justiça do Trabalho,
por meio dos juízes classistas leigos, e de arrecadar contribuições descontadas
em folha de pagamento tal a ampliação feita pela Carta de 88 sobre desta
modalidade receita, sem a devida regulamentação que evitasse abusos. Assim,
embora o nível de legitimidade dos sindicatos tenha decrescido, cresceu a sua
representação jurídica, tamanho o incentivo à negociação coletiva. Por vezes a
liberdade foi confundida com abuso, ou utilizada para fins fisiológicos
diversos dos interesses coletivos. No final do século XX encontramos o desgaste
da estrutura sindical e o risco de ser aprovado de forma generalizada a
flexibilização nas relações de trabalho.
No início do século XXI, essas duas tendências já não
exibem o vigor da inovação e procuram, com esforço, demonstrar algum resultado,
o que é dificultado pela permanência das precárias condições de trabalho. No
modelo neoliberal, a promessa de que a flexibilização garantiria emprego não
apresentou resultados eficazes. No movimento sindical, o desemprego e a
descentralização do trabalho (Antunes, 2000) causaram desgaste. Ambas as
perspectivas adotam um discurso que implica redefinir um novo pacto social. Em
contrapartida, não há no cenário atual outro projeto original que empolgue os
trabalhadores. Discussões se prolongam sem grandes novidades, como a do
pluralismo versus unicidade sindical, a da crítica ao poder normativo e ao
imposto sindical.
O projeto aprovado na Assembléia Constituinte se
desfigurou com o tempo, em função do enfraquecimento daquele movimento sindical
ousado da década de 70/80. A CUT se voltou para luta contra as privatizações e
a reforma da Previdência Social, e não encontrou espaço para aperfeiçoar suas
propostas no âmbito da estrutura sindical. Pelo contrário, os próprios
sindicatos filiados à CUT foram seguindo trajetórias diversas, sem qualquer
proposta definida, salvo diretrizes gerais como o pluralismo, o fim do imposto
sindical e crítica ao poder normativo da justiça do trabalho. As principais
lideranças sindicais ou foram para o parlamento ou ingressaram nos órgãos
colegiados da Previdência Social, Justiça do Trabalho, do FGT, do FAT, etc. As
propostas de comissão de fábrica e autogestão de empresas se desgastaram com as
demissões em massa em função do processo de automação.
E o sistema proposto pela Carta de 88 não se
desenvolveu. Houve omissão do legislador quanto à regulamentação do registro
sindical e da contribuição confederativa (incisos e IV do art.8º da CF). E
também foram elaboradas leis que reduziram demasiadamente o impacto do
movimento sindical, como a lei de greve (Lei 7.783/89), que retomou a
sistemática daquela existente na ditadura militar (Lei 4.330/64). Por outro
lado, a Constituição Federal de 1988, preocupada em fortalecer os sindicatos,
acabou dando-lhes também poder para flexibilizar os salários (inciso VI do
art.7º). Tal fato, se aumentou a representatividade dos trabalhadores, também
fez alargar a possibilidade de a negociação ser realizada contra os interesses
imediatos dos trabalhadores, por meio das chamadas cláusulas in pejus, praticadas a partir da década
de 90.
O “moderno” Fórum, no entanto, retoma a antiga
relação tríplice da OIT de 1919, onde se privilegiava a representação de
trabalhadores, de empregadores e do governo. Porém, com a diferença de que,
agora, os representantes dos trabalhadores e dos empregadores são designados
pelo governo a partir de mera indicação feita pelas entidades sindicais. Ou
seja, a escolha dos representantes de classes é efetuada fundamentalmente pelo
governo, ainda que por sugestão de entidades. As entidades representativas dos
trabalhadores valorizadas pelo governo são as centrais sindicais (CUT, Força
Sindical, CGT, CGTB, CAT) e uma única confederação (CNTI), o que demonstra a
tendência de reunir um colegiado de cúpula que não faça parte diretamente do
atual sistema confederativo. Já por parte dos empregadores, em face da inexistência
de centrais, os representantes escolhidos são os das confederações da atual
estrutura sindical.
Os juízes do trabalho e o Ministério Público do
Trabalho se fizeram presentes por meio da representação do governo, sendo
indicados respectivamente os presidentes da ANAMATRA e da ANPT. Ressalta-se que
tais representantes são de entidades de classe, não havendo na FNT qualquer
representante direto do poder Judiciário ou do Ministério Público. A atuação do
Estado se deu, pois, por meio do poder Executivo, sob a coordenação do
Ministério do Trabalho e Emprego.
Embora tenha havido preocupação com a representação
paritária, as decisões finais são tomadas pelo governo, por meio da coordenação
do FNT, composto por quatro membros de exclusiva confiança do governo. O Fórum
ainda possui coordenadores adjuntos, plenária, comissão de sistematização e
grupos temáticos, o que o faz parecer uma grande estrutura que se assemelha a
um parlamento. Entretanto, não há democracia nas decisões, mas sim uma cadeia
de apresentação de sugestões sobre as quais a cúpula decide o que é consenso.
2. Relatório do FNT
e a perspectiva de retrocesso
Em março de 2004 foi apresentado o Relatório final,
exigido por decreto, contendo o que se chamou de “consenso”. Nele consta um
ambicioso projeto de reformulação de toda a estrutura sindical que atinge a
negociação coletiva, a greve e o poder Judiciário. Hoje a proposta está sendo
veiculada por projetos legais separados. Com base no Relatório, estão sendo
apresentados cinco anteprojetos sobre: 1) a criação do Conselho Nacional de
Relações de Trabalho; 2) ações coletivas; 3) lei de greve; 4) negociação
coletiva e contrato coletivo de trabalho; 5) liberdade sindical.
Numa análise geral, o Relatório visa disciplinar tudo
o que diga respeito à estrutura sindical, porém retomando os antigos métodos de
controle de cúpula. O objetivo do “consenso”, segundo o FNT, é “fortalecer os
sindicatos”, porém, paradoxalmente, estes passam a ser controlados pelo
Ministério do Trabalho e pelas centrais sindicais. Na verdade, são essas
centrais (basicamente CUT e Força Sindical) que saem fortalecidas. E não à toa,
já que foram elas que deram sustentação ao próprio FNT. Isso fica evidente no
Relatório quando neste se exige que o futuro CNRT seja composto nos 12
primeiros meses exclusivamente por membros que participaram do FNT..
O Relatório propõe dois tipos de representação
sindical: a comprovada e a derivada. A comprovada é a que passa por testes de
capacidade, com percentuais de filiados em várias regiões. Já a derivada não
precisa de teste de habilitação, dependendo apenas da iniciativa direta de uma
entidade de nível superior (item 2, IV.5 e ii, “a”, IV.5.5). Ou seja, o
tradicional peleguismo passa a ser transparente. Quem agrada à cúpula sindical
não precisa se esmerar em comprovar sua representatividade. E quem deveria
conceder a representação sindical é o Ministério do Trabalho, por meio da
Secretaria de Relações do Trabalho - SRT (item 4, V.3), ressurgido das cinzas.
A “estrutura sindical” proposta pelo FNT significa um
retrocesso histórico, principalmente em relação à autonomia conquistada pelos
sindicatos em 1988. O FNT propõe a retomada da interferência do Estado, por
meio de um conselho do qual participam representantes dos empregados e dos
empregadores.
Como surgiu esta “nova” tendência de controlar o
movimento sindical e administrar verbas públicas? As centrais sindicais nunca
fizeram parte do sistema confederativo sindical legal, não tendo acesso ao
imposto sindical. Porém, desde a década de 1980 elas existem legalmente como
associações civis, por força da maior liberdade que o país adquiriu após
sucessivas lutas contra a estrutura sindical oficial.
O legislador ordinário, para fazer valer o art. 10 da
CF/88, que exige paridade de empregados e empregadores nos órgãos públicos de
seus interesses, criou órgãos importantes.
Entre eles, o CONSELHO CURADOR DO FGTS e o CODEFAT,
que possuem membros indicados por centrais (§3º do art. da Lei 8.036/90 e §3º
do art.18 da Lei7998/90). Outras tantas iniciativas administrativas surgiram no
mesmo sentido, criando enorme quantidade de comissões paritárias em torno dos
ministérios. Durante a década de 90, as centrais sindicais nomearam membros,
tais quais os partidos, mas sem se preocupar em ser ou não oposição ao governo,
bastando ser do grupo de influência.
Com a criação do FNT, a burocracia sindical encontrou
perfeito espaço para se expandir e criar novos aparelhos de dominação, e quem
sabe, um fundo econômico sem precedentes. O “consenso” que o FNT apresenta é
justamente este: o controle do movimento sindical por meio de fóruns
paritários. Hoje, após a vitória eleitoral do PT, já não existem distinções
claras entre o Ministério do Trabalho, os empregadores e as centrais sindicais,
que cada vez mais se arvoram em representar trabalhadores por decreto.
Embora o sindicalismo de cúpula goze de fatia de
poder, os trabalhadores nunca estiveram tão desagregados em seus locais de
trabalho como agora. Não há mais contratos de trabalho individuais sólidos e
sim contratos curtos, muitos informais, fruto da fragmentação das empresas e do
enorme grau de rotatividade da mão-de-obra. A principal causa do
enfraquecimento do sindicalismo é o desemprego e não a disciplina da estrutura
sindical. Ou seja, o problema não está na enorme quantidade de sindicatos não
representativos (como alegam os membros do FNT), mas na falta de empregos
sólidos e até mesmo de categorias, que passaram a ser chamadas de “segunda
categoria”.
A reforma sindical apresentada pelo FNT não toca em
aspectos importantes, como o aumento de poder dos sindicatos de base frente ao
mercado de trabalho, valorizando a mão-de-obra no próprio mercado, e o aumento
do poder de interferência junto aos órgãos burocráticos que lhes restringem
direitos na oportunidade de seu gozo, como a CEF e o INSS. É bom ressaltar que
as centrais sindicais não são diretamente pressionadas pelos trabalhadores, que
procuram o sindicato (de base) e não a cúpula. Esta, cada vez mais, está
voltada para a liberação de verbas para projetos econômicos e sociais.
Quando, nas décadas de 20 e 30, se buscou controlar o
movimento sindical, o quadro era de grande concentração operária e a luta de
classes era acirrada, após os ventos da Revolução Russa de 1917. O antigo
controle sindical surgiu com a finalidade prática de pacificar (ou melhor,
conciliar) o acirrado embate. Hoje, a superestrutura desejada pelos mentores do
relatório, se efetivada, germinará uma enorme
burocracia no movimento sindical. Basta ver que se suprimem recursos
financeiros às bases (limitando os recursos provenientes das cláusulas sociais
negociadas) e se pretende criar um fundo financeiro (Fundo Social), de enormes
proporções (5% da arrecadação das contribuições das negociações coletivas),
para ser administrado pelo pretendido Conselho (CNRT).
Não há como justificar essa vasta quantidade de
recursos direcionada a um Conselho cuja finalidade é meramente burocrática. O
Relatório ainda procura facilitar a representação dos sindicatos filiados às
Centrais, aderentes ao sistema e ao estatuto propostos. E dá às centrais
sindicais representações para negociar acima dos sindicatos, limitando o poder
destes, o que gera sindicalismo de cúpula e hierarquia de cima para baixo.
O Conselho e
suas Câmaras
O Relatório propõe a criação do CONSELHO NACIONAL DE
RELAÇÕES DO TRABALHO (CNRT), que muito lembra o antigo CONSELHO NACIONAL DO
TRABALHO (CNT), criado em 1923. Esse novo conselho teria caráter tripartite,
com cinco representantes dos trabalhadores, indicados pelas centrais sindicais;
cinco dos empregadores, indicados pelas confederações dos empregadores; e cinco
do governo, indicados pelo Ministério do Trabalho.
Além da função genérica de debater proposições sobre
o sindicalismo, a CNRT teria duas finalidades básicas. Uma, a de gerir
critérios para a utilização dos recursos do Fundo Solidário de Promoção
Sindical (item 4 do I.1), o que remete à experiência do CODEFAT e do FUNDO
CURADOR DO FGTS. A outra estaria relacionada ao enquadramento sindical e à
apreciação de impugnações de registros sindicais.
O CNRT teria duas câmaras bipartites: uma com cinco
representantes do governo e cinco dos trabalhadores (indicados pelas centrais)
e outra com cinco membros do governo e cinco dos empregadores. Não dá para
entender esse critério, paritário na aparência mas não no conjunto. O governo
participa das duas câmaras e cada classe, apenas em uma delas. Tais câmaras
terão a função de examinar em primeira instância as contestações e os
indeferimentos para as representações sindicais. O CRNT aprecia, em segunda
instância, o mesmo tema.
Assim funcionava o antigo Conselho Nacional do
Trabalho, criado pelo Decreto 16.027 de 30.4.1923. Não existia Ministério do
Trabalho, e o CNT era subordinado ao Ministério da Agricultura, que tratava das
questões relacionadas ao trabalho em uma época eminentemente agrícola. O CNT,
formado por representantes dos empregados, dos empregadores e do governo,
foi o primeiro órgão nacional do tipo no Brasil, sob
influência da OIT. Mais tarde, o CNT passou a integrar a embrionária Justiça do
Trabalho, sendo seu órgão de cúpula. Com a Carta de 1946, que integrou a
Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, o CNT transformou-se no que é hoje o
TST. O CNT também tinha duas câmaras, uma da Justiça do Trabalho e outra da
Previdência Social.
Estatuto Padrão
O Ministério do Trabalho foi criado logo após o golpe
de Vargas, em 1930, para intervir nas lutas de classes e dominar os sindicatos.
A forma adotada na década de 30, que se perpetuou até a década de 80, tomou
corpo no ESTATUTO PADRÃO, exposto no anexo do Decreto 19.770 de 19.3.1931 e
reproduzido em várias portarias. Nesse estatuto, limitavam-se os recursos
financeiros dos sindicatos e seus elos políticos.
O controle dos sindicatos por meio da administração
sempre foi eficaz. Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho na ditadura militar,
dizia que era mais fácil prender os comunistas intervindo em seus sindicatos
por meio de fiscalização administrativa do que por meio de vagas acusações
ideológicas (A Revolução de Março, publicação do MTb, 1969). O Relatório do FNT
retoma esse “modelo de estatuto” como paradigma, estabelecido pelo CNRT e
submetido à aprovação do poder Executivo (item 3 do IV. 2).
Pluralismo como
punição
Ao ser promulgado o que se pretende que seja a futura
lei, os sindicatos que aderirem ao novo estatuto terão “exclusividade de representação”
(item 1 do IV. 1 e ii, c, IV. 5.5). Já os que não adotarem os critérios do
“estatuto padrão” e demais regras do poder Executivo serão, naturalmente,
discriminados. A conseqüência imediata será a desconsideração de sua
representação frente a outros sindicatos (item 3 do IV. 1) e sua punição será o
pluralismo sindical.
Vê-se, assim, que o atual projeto não é adepto do
pluralismo, mas permite a sua existência como forma de “bagunçar o coreto” do
sindicato “indisciplinado”. Adota-se, assim, um pluralismo que se identifica
com “indisciplina”.
Ministério do
Trabalho
Segundo o Relatório, o Ministério do Trabalho e
Emprego terá o direito de indicar os membros do governo no CNRT, o que torna
este órgão subordinado ao próprio Ministério, da mesma forma que hoje funcionam
os Conselhos da Previdência Social. Caberá ainda ao Ministério do Trabalho, por meio de sua Secretaria de
Relações de Trabalho – SRT, e com base em análises do CNRT, cancelar a
prerrogativa da exclusividade da representação do sindicato (item 10 do inciso
IV. 1) e conceder ou não representação sindical (item 4 do inciso IV. 3 e 5 e 6
do IV. 6). Antes de 88, cabia à Comissão de Enquadramento Sindical (CES) tal
função, agora retomada.
O Relatório propõe a volta da autorização para a criação
de sindicatos ou para a sua “representação”, o que, na prática, é a mesma
coisa. A autorização dependerá do Ministério do Trabalho, por meio de sua
Secretaria de Relações do Trabalho – SRT (item 4 do IV. 3), o que exigirá uma
reforma do inciso I do art.8º da CF/88, já citado. Volta a “carta sindical”.
Autonomia
sindical
O Relatório, quando se refere à autonomia sindical,
considera anti-social a interferência por parte dos empregadores nas
organizações sindicais de trabalhadores e vice-versa. Mas é – evidentemente –
omisso quanto à interferência do poder Executivo nos sindicatos. O Relatório
propõe uma relação confusa, senão dependente, entre as entidades sindicais e o
poder Executivo. Concede poder às centrais sindicais, porém as coloca sob a
égide do Estado, quebrando os princípios fundamentais da autonomia sindical
defendidos e obtidos nas últimas décadas.
Esse modelo que envolve comissões e conselhos
formados por integrantes do poder Executivo, juntamente com representantes
sindicais, representou a essência do corporativismo. A oferta de poder em troca
de controle sempre foi a técnica de barganha utilizada pelos fascistas. A
princípio, a oferta pode parecer uma abertura para a participação dos
sindicatos no poder, mas em troca cooptam-se as suas lideranças. É neste
sentido que Carta de 1937 estabelecia o Conselho de Economia Nacional em seu
art.38, embora este não tenha chegado a funcionar em decorrência do fim da
Segunda Guerra.
Negociação,
impasse e greve
O Relatório é um tanto contraditório quando trata da
negociação coletiva em relação à lei. Ora diz que “a lei não poderá cercear o
processo de negociação coletiva” (“a”, 1, II), ora que deverão ser “ressalvados
os direitos definidos em lei como inegociáveis” (IV) e, ainda, que “os
critérios para a definição dos atores serão estabelecidos pela legislação e
suas respectivas atualizações” (V).
Após as idas e vindas em torno da lei, o relatório
traz uma alarmante novidade. As negociações de nível superior deverão indicar
as cláusulas que não podem ser modificadas em nível inferior (VII). Surge aqui
uma hierarquia de negociação, o que deixa os sindicatos de base em estado de
subordinação.
No caso de impasse, as partes poderão indicar
árbitros. Mais uma vez, pretende-se criar árbitros para as relações coletivas
de trabalho, o que já é previsto no Brasil desde o Decreto-lei 1.637 de
05.01.1907, que pregava um Conselho Permanente de Arbitragem. Até a atual
Constituição de 88, inclusive, propugnou-se pelo árbitro (§2º do art. 114). A
velha proposta é novamente posta à prova, agora procurando-se desgastar a
Justiça do Trabalho, especialmente o poder normativo, que é o único órgão
jurisdicional criativo.
ALMEIDA, T. Maria Hermínia – Tendências
Recentes na Negociação Coletiva ”; apud ,
Antunes, Ricardo; A Rebeldia do Trabalho
ANTUNES, Ricardo – Classe Operária , Sindicatos
e Partido no Brasil – Da Revolução de 30 até
a Aliança Nacional
Libertadora, São Paulo, 3ª ed, Cortez Editora , 1982
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__________ Os Sentidos
do Trabalho , SP, 2ª ed., Boitempo, 2000
CARDOSO, Adalberto Moreira – Sindicatos ,
Trabalhadores e a Coqueluche
Neoliberal – A Era Vargas Acabou? 1999,
RJ, FGV
SADER, Eder – Quando
Novos Personagens
Entram em Cena
– Experiências e Lutas
dos Trabalhadores da Grande São
Paulo 1970-80, SP, 2ª ed., Paz e Terra , 1995
[1] Tese apresentada na ANPOCS de 2004; publicada na Revista Justiça do Trabalho, HS
Editora, ano 21,n. 245, maio de 2004
[2] Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense,
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito
(PPGSD-UFF), Doutor em Ciências Humanas (UFRJ), Mestre em Ciências Jurídicas e
Sociais (UFF), Juiz do trabalho titular da 5ª Vara do Trabalho de Niterói-RJ