Ivan
Alemão[2]
1.Os primórdios dos fundos no Brasil e os
seus respectivos “desvios de finalidade”
Chamamos
de desvio de finalidade neste estudo,
a utilização de recurso público num empreendimento do qual ele não fora
destinado. Ou seja, quando a regra é quebrada, que é uma questão jurídica. Não
interessa neste estudo saber se o desvio de finalidade foi justo ou não, que é
uma questão política.
Não
raramente os governantes adotam uma forma simples de não quebrar as regras
jurídicas: mudando-as. O problema é que
nestes casos a finalidade do recurso
público tende a se multiplicar, diluindo a sua consistência programática, e a regra perde sua legitimidade.
A criação de fundos com finalidade social é
antiga. É bem conhecido o movimento mutualista do final do século XIX e início
do século XX, no qual os trabalhadores por conta própria criavam caixas de
mútuos socorros. No Brasil, como em muitos outros países, esse movimento é que deu
origem à previdência social. Ou seja, a própria instituição previdenciária,
hoje administrada e regulada pelo Estado é um grande fundo.
É
bem conhecido o marco da previdência social no Brasil, com a primeira lei de
1923 que criou a primeira caixa de aposentadoria e pensão, para os ferroviários[3]. Esse modelo das caixas, tinha
a finalidade de criar um fundo para pagar aposentadoria e pensões. A tendência de todo tipo de fundo com esta
finalidade, mesmo os mais antigos formados sem a participação do Estado,
acabavam por entrar em crise quando seus filiados envelheciam. No início sempre
havia mais associados jovens, empregados e pagantes, depois com o passar dos
anos, a tendência era a de ter mais velhos, desempregados e doentes. Essa é uma
problemática eterna dos sistema previdenciário.
O
acúmulo de capital que essas caixas possuíam no Brasil era destinado
basicamente ao pagamento de aposentadorias e pensões. Dessa forma esse capital
não era reproduzido, entrava numa porta e saía por outra, sendo que a tendência
era a de porta de entrada ir diminuindo e aumentando a de saída.
Logo
se percebeu que as caixas teriam que agir no sentido de fazer com que o seu
capital entrasse no mercado, com circulação de reprodução.
Em
1926, ainda na Primeira República, surge um Decreto que estende a caixa de
aposentadoria e pensões para outras empresas e permite a utilização do fundo
para construção de prédios para uso próprio ou de assistência aos seus
beneficiários[4].
Logo a pós a Revolução de 1930 esse Decreto seria alterado para expandir os
recursos das caixas de aposentadoria e pensões em construção habitacional, para
que pudessem aplicar até 75% dos seus fundos disponíveis em habitação.
O Governo Vargas, pelo Decreto 21.763, de 1932, também regulamentou
empréstimos a longo prazo para associados das caixas de aposentadoria e pensão
que podiam ser pagos em três anos, com juros de 12% ao ano (até 24 meses) ou de
15% (para prazo maiores), calculados pela tabela Price.
Agora os recursos das caixas não se limitariam mais a construção para
sede própria, mas para habitação de seus associados. Tais recursos deixaram
definitivamente de ser meros fundos (poupança) para se transformar em capital
circulante, reproduzindo-os com base na relação de trabalho
(mais-valia) e fortalecer o sistema bancário os financiamentos de longo prazo,
o que não era comum, principalmente para classe trabalhadora.
As caixas criadas em empresas, e depois os institutos de aposentadoria e
pensões, criados por categoria, portanto, como tinham por finalidade fornecer
aposentadoria e pensões, e outros benefícios que só gastavam e não geravam
retornos financeiros. Nas décadas de 1920/30 seus recursos já correspondiam ao
segundo maior fundo de capital no país, só superado pelo próprio tesouro
nacional. Enquanto isso, o país ainda sequer tinha entrado na era industrial,
sendo um país muito mais agrário, calcado na produção do café, sendo que basicamente
o Banco do Brasil era quem fazia financiamento, e não raramente também era
abalado com desvio de finalidade[5].
Nesse processo ficou claro que o Estado brasileiro passou a gerir e
reproduzir capital, explorando mais-valia, por meio da construção civil. As
caixas, depois os institutos, passaram a ser entidade de financiamento, com
natureza produtiva e financeira. Suponho que esse processo ocorreu muito mais
em função de uma necessidade prática, pela ausência de capital no país (não
apenas dinheiro, mas circulação dele), do que de forma planejada. Acredito mais
no empirismo, e na influência internacional da época, em que o intervencionismo
governamental foi amplamente utilizado para enfrentar a grande crise de 1929.
Acredito que a maior influência foi a keynesiana, pois o Brasil não incentivou
os denominados direitos sociais europeus, como o seguro desemprego e a garantia
de renda mínima, para enfrentar a crise, e sim o produtivismo e a busca de criação
de emprego. Isso independia de o Estado brasileiro em seu âmbito mais formal e
estrutural ter adotado modelo corporativista, sob influência italiana e
fascista então em voga. O Estado brasileiro sempre soube combinar o liberalismo
econômico com os governos autoritários, desde o Império, passando pelo Estado
Novo e depois com a Ditatura militar.
Não concordo com atese difundida de que o Brasil começou a priorizar
direitos sociais antes de dos direitos civis, inversamente do que teria
ocorrido da Inglaterra. Neste caso, o Brasil teria vivido algo como uma
“estadania”[6]
A política do Estado brasileiro foi a de interferir
nos contratos de trabalho, seja por
meio de leis imperativas, seja intermediando e julgando negociações coletivas.
O que T.H.Marshall (1967)[7]
chamou de direitos sociais ao estudar
a questão do trabalho na Inglaterra, só
viria a ocorrer no Brasil na década de 1990[8].
O que o governo Vargas fez, fundamentalmente, foi
pressionar os empregadores a cederem direitos aos trabalhadores. Em troca, o
governo concedia compensações econômicas aos empregadores, como empréstimo de
capital e criação de infraestrutura. O Estado somente regulava direitos que
passaram a ser concedidos compulsoriamente pelo empregador ao empregado,
interferindo em cláusulas contratuais. Esse foi um dos motivos para a forte
interferência estatal nas negociações de contratos coletivos.
Acredito
que um dos motivos para a demora do Brasil em implementar um direito
social clássico, em que a basta ser
cidadão para adquirir direitos sociais,
independentemente ser ou ter sido parte num contrato de trabalho, foi
justamente em função do “desvio” histórico de acumulação de capital da
previdência social para investimentos de
capitais (principalmente em construção civil e habitacional), e por meio do
sistema bancário de financiamentos, política esta que será melhor delimitada na
ditadura militar com a criação do FGTS e depois, na democracia, com a criação
do FAT, sendo que este fundo aproveitou os alicerces criados pela ditadura
(Pis/Pasep). Logo depois do golpe de 1964, executou-se o projeto de unificação
da previdência social, tirando desta a atribuição de construção imobiliária
para ser alocada em outro órgão próprio (BNH). Vajamos.
O BNDE surgira 1952 (Lei 1.628), tendo como finalidade financiar obras e
empreendimentos que se enquadravam em planos governamentais, como o Plano SALT (Saúde, Alimento, Transporte
e Energia, 1950-55). Especificamente para a energia, foi instituído o Fundo Nacional de Eletrificação. Depois,
novos “planos” setoriais foram incrementados (Plano Nacional do Carvão, Plano
Nacional de Eletrificação, Plano Postal-Telegráfico, entre outros regionais).
Mas, mesmo já existindo o BNDE, criou-se em 1964 o Banco Nacional da
Habitação (BNH), com recursos da União, Letras Imobiliárias, para centralizar
todos os projetos existentes e prevendo, em seu art.66, a criação de um Fundo de Assistência Habitacional., que não
chegou a ser implementado. Mas o BNH é que realmente desenvolver seus projetos
com a gestão do FGTS, criado em 1966 e que entrou em vigor em janeiro de 1967.
O BNH pagava ao Fundo, em média, 5%¨de juros ao ano, conforme dados de 1975.
Assim, até esse ano, já havia possibilitado a construção de 1.143.450
habitações.
Em 1970 foram criados o Pis e
o Pasep (respectivamente, Lei
Complementar n.7 e n.8, futuramente unificados) e também um Fundo de Participação, constituído por
depósitos efetuados pelas empresas à CEF. Em 1977 surgem os Fundos de Pensões, fechados ou abertos
(Lei 6.435), para empresas, principalmente estatais e bancárias. Estes novos
fundos de pensões regulamentados por lei, de capital aberto ou fechado, já
nascem na década de 1970 com objetivos de investimento.
A
ideia de unificação da previdência social no Brasil já existia desde o início
da década de 1930, sugerida pelo
representante da OIT, A.S. Tixier quando
esteve no Brasil em 1932. No final 1945, por meio da
Lei Orgânica dos Servidos Sociais do Brasil (Decreto 7.526 de 14 de maio), foi
prevista a criação do Instituto de
Seguros Sociais (ISSB), que unificaria a previdência social, mas que não chegou
a ser efetivamente implementada em decorrência do fim do Estado Novo.
O tema só começou a ser retomado com a uniformização da legislação
previdenciária em 1960 (LOPS), na época do presidente João Goulart. Mas só a
ditadura militar é que encontrou forças políticas para unificar a estrutura da previdência,
criando o INPS (1966), com a fusão dos IAPs, SAMDU e o SUSERPS, com 6 milhões
de associados, 288 agências, convênio com 102 bancos e mais de 80 mil
servidores[9]. Mas é
importante frisar que a nova instituição previdenciária não iria mais cuidar de
construção imobiliária, para isso havia sido criado o BNH no mesmo ano.
A questão que indagamos é se a
arrecadação do FGTS não seria própria da
Previdência Social. Os outros países não possuíam um fundo desta natureza.
Parece-me que o projeto brasileiro foi o de privilegiar o mercado e não o
Estado social. Valorizou-se o investimento financeiro e imobiliário, da
construção civil, o mercado de trabalho com aumento de emprego, embora sob
contratos curtos, com grande rotatividade e braçal. O mercado de consumo
aumentava eventualmente em decorrência de saques do FGTS, principalmente quando
das extinções dos contratos de trabalho. Algumas crises de demissões
correspondem a aumento de saques do FGTS e, em grau menor, do antigo Pis/Pasep,
que são gastos no mercado de consumo básico. Aumentou, portanto, o subemprego e
os acidentes de trabalho em decorrência de o setor da construção civil ser um
dos que possuem maiores índices de sinistros, o que não deixa de aumentar a
despesa da previdência social. A principal “ajuda” ao trabalhador desempregado
- o especificamente o demitido - passou a ser a indenização recebida e não um
seguro de natureza previdenciária.
A criação do FGTS foi a saída para se impor um encargo novo (um salário
indireto ou diferido, pois, juridicamente,
e aparentemente, é o empregador quem paga), que, normalmente, seria destinado à
previdência dos trabalhadores. O percentual de 8% pago pelo trabalhador ao INPS
era o mesmo do FGTS, que formalmente
vinha do ônus do empregador. Na verdade, o encargo dobrou e a receita da
Previdência congelou. A Constituição de 1988 iria estender os benefícios aos trabalhadores rurais,
ainda que eles não tivessem contribuído. Não se tratou de estender o regime aos
rurais, mas sim de deferir benefícios imediatos. Mas este desvio é de outra
natureza que a que tratamos aqui: foi um desvio para aumentar despesas,
socialmente positivo, e não para investir. Muito embora esta benevolência tenha
ocorrido com a contribuição de outros trabalhadores e não diretamente pelo Estado,
também não sendo o caso de direito social puro.
Com a criação do FGTS, o desvio legal de finalidade do dinheiro
destinado naturalmente à previdência social criou uma fissura no sistema
previdenciário brasileiro, com nefasta consequência à instituição da Previdência
Social e à criação de um seguro desemprego. Certamente muitos outros problemas
e desvios de finalidades ocorreram na história da Previdência Social
Brasileira, mas que não fazem deste estudo.
O
seguro desemprego e a renda mínima[10],
típicos benefícios do direito social clássico, seriam, certamente, fornecidos
pela instituição previdenciária. A Constituição de 1946 mencionava apenas “assistência ao desempregado” (art.157,XV), mas a Constituição
Federal de 67 já estabelecia a previsão de seguro desemprego a cargo da previdência social.
Porém, essas normas constitucionais sempre foram figurativas ou
programáticas. A Lei 4.923, de 28.12.1965, ainda da Ditadura militar, é que criou
algo efetivo, ainda que limitado, o auxílio desemprego. Essa assistência
deveria ser prestada pela Previdência Social que corresponderia a um auxílio em
dinheiro, não excedente de 80% do salário mínimo, até o prazo máximo de seis
meses. O auxílio desemprego foi regulamentado pelo Decreto 58.155/66 e pela
Portaria 368 de 1966. A mesma Lei de 1965 possibilitava a criação de um Fundo de Assistência ao Desempregado
(art. 6º).
Essa regra durou até 1974, quando a Lei 6.181 mudou o benefício para
criação de “um plano
de assistência aos trabalhadores que, após 120 (cento e vinte) dias
consecutivos de serviço na mesma empresa, se encontrarem desempregados ou
venham a se desempregar, por dispensa sem justa causa ou por fechamento total
ou parcial da empresa”. Esta mudança
de 1974 retirou a vinculação do benefício da Previdência Social e ampliou as
atribuições do Fundo. Aqui também encontramos a origem da regra de exigência de
seis meses para aquisição do futuro seguro desemprego.
Esse auxílio desemprego, como dito,
acabou não ficando no sistema previdenciário, e sim no Fundo de Assistência ao
Desempregado tendo como fonte a conta “Emprego e Salário”, do imposto
sindical (art. 600 da CLT), antigo Fundo Social Sindical que consistia em 20% do imposto sindical
(art. 590 da CLT, revogado).
O auxílio desemprego não chegou a ser um benefício aberto a qualquer um,
pois o Decreto-lei de n. 1.107 de 1970, que introduziu um §5º no art. 5º da Lei
de 1965, o limitava a casos de emergência ou de grave situação social,
mediante expressa autorização do Ministro do Trabalho e Previdência Social. Esse
benefício passou basicamente a ser negociado entre sindicatos, empresa e Ministério de Trabalho em negociações
oriundas de crise.
Este primeiro fundo destinado especificamente ao desempregado ficou meio
esquecido ao lado do outro fundo, muito mais forte, o FGTS. Enquanto o primeiro
demonstrava ser limitado, existindo apenas para dizer que se implementavam os
desejos da Constituição Federal de então, o FGTS apresentava a possibilidade de
utilizar seus recursos diretamente a favor do capital (e não do desempregado). O FGTS podia até ser sacado em caso de
desemprego, mas não se tratava de “seguro”, apenas saque de um valor financeiro
que já fazia parte do patrimônio do trabalhador desempregado.
Foi
ficando cada vez mais claro que, diferente de outros países mais conhecidos, o
seguro desemprego não surgiria dentro do sistema institucional da previdência
social.
2.A recessão da década 1980 e as dificuldades de implantação do seguro
desemprego
Um anteprojeto que instituiria o seguro desemprego no Brasil foi
apresentado em 1975 pelo senador Mílton Cabral ao presidente da República (ver
JB de 30.10.1975), sob custeio da tríplice contribuição (empregado, empregador
e Estado).
Dezenas de projetos surgiram na década de 1975-85. Há referências de 31
projetos foram apresentados ao Congresso nesse período sem que nenhum fosse
aprovado[11],
porém demonstra que o assunto estava a exigir uma regulamentação que iria além
do então auxílio desemprego. A crise mundial “do petróleo” de 1973 pôs fim ao
chamado milagre brasileiro que iniciara em 1968. A década de 1980 iniciou com a
confirmação da recessão econômica, com inflação, desemprego e dívida externa.
Em seu documento Política de
Emprego e Desenvolvimento, de 1982[12] a Federação
das Indústrias do Rio de Janeiro - FIRJAN
chagava às seguintes conclusões e
sugestões resumidamente, sobre o desemprego cíclico:
a)
sua causa básica se acha na
política de contenção inflacionária aplicada pelo Governo;
b)
trata-se de um fenômeno
completamente diferente do representado pelo desemprego ou subemprego observado
no contexto de uma política de desenvolvimento;
c)
as sugestões de elevar
investimento e ampliar crédito eliminam o desemprego cíclico ao preço, todavia,
de drástica acelaração do surto inflacionário;
d)
a única política realmente
eficaz diante do problema é o chamado seguro desemprego, cuja adoção imediata
no Brasil teria, infelizmente, sérias conotações inflacionárias;
e)
na impossibilidade do seguro
desemprego, a alternativa seria a adoção de medidas paliativas, como a redução
de horas de trabalho acoplada com um seguro limitado de desemprego baseado no
FGTS.”
Na década de 1980 o Brasil, como uma das dez maiores economias do mundo
ainda não possuía seguro desemprego. A preocupação em implantar o seguro
desemprego aumentou com a recessão do início da década de 1980.
Na mesma Revista em que fora publicada a análise da FIRJAN, consta de um
interessante artigo de Paulo Renato Souza[13], que
tratou das propostas contra o desemprego existente dentro do governo. O autor comenta a dificuldade de implantação
do seguro desemprego. Embora
considerasse uma reivindicação justa, Souza ressalta que o seguro desemprego é
típico de países capitalistas avançados, sendo que os países capitalistas
atrasados não possuíam este benefício. Entre as razões imediatas desta ausência
o autor aponta que apenas 60% a 70% de trabalhadores não agrícolas empregados
em empresas organizadas estavam filiados à previdência social. O restante era
de autônomos ou empregados sem registos. Seria, portanto, pequena a massa de
trabalhadores apta a adquirir o seguro
desemprego. Assim, teriam acesso de 25 a 30 por cento ao seguro desemprego,
enquanto nos países de capitalismo avançado o percentual seria de menos de 10%.
Essa despesa aumentaria os custos da empresa, que seria repassada para o
consumidor. O autor entende que estes recursos deveriam ser destinados não ao
seguro desemprego, mas ao investimentos que criariam empregos para estes mesmos
desempregados. O autor defende investimentos em construção de infraestrutura
social.
A temática de Paulo Renato Souza, professor da UNICAMP, que depois veio
a ser ministro da Educação no governo FHC, mostra bem a temática até hoje
existente no Brasil: usar o dinheiro para gerar empregados ou para pagar aos
desempregados?
Também havia a preocupação de um trabalhador levar alguma vantagem em
estar desempregado. Não me refiro à fraude, que também é comum e pouco
fiscalizada, nem possibilidade o trabalhador receber o seguro desemprego e
trabalhar informalmente, que é um tema mais nebuloso quanto à sua legalidade,
mas ao fato de eventualmente a curto prazo ser mais vantajoso receber seguro
desemprego do que estar empregado, se considerarmos aproximação do salário do
empregado com o do benefício. Acredito que esta era uma razão para o
benefício do auxílio desemprego da Lei
4.923 de 1965, ser fixado em 80% do
salário mínimo. Não se admitida que um trabalhador pudesse “levar vantagem” de
não trabalhar e recebeu o mesmo que um trabalhador ativo[14].
Contra a hipótese de o trabalhador “levar vantagem” há a idéia de ele
prestar serviços públicos durante o gozo do benefício, mas ela é bem arriscada
a ponto do se caracterizar uma nova relação de trabalho, disfarçada de seguro
desemprego. Optou-se, mais precisamente, em obrigar o segurado se qualificar
profissionalmente, que é uma situação intermediária, pois ele não fica no ócio
(ou pelo menos dificulta outra atividade remuneratória). Mas como se verá mais
adiante, uma segunda opção será a de fornecer o seguro desemprego não ao
desempregado, mas ao próprio empregado em certas circunstâncias (contrato
suspenso de 2001 e agora o PPE de 2015).
Como se percebe facilmente, a criação do seguro desemprego não eliminaria todas estas problemáticas
discutidas, ela foi uma resposta política eficaz já elevara o Brasil de certa
forma à categoria dos países em este direito social. A força política do Plano
Cruzado de 1986 foi fundamental.
O primeiro seguro desemprego
(com este nome), ainda foi mais programático do que efetiva. Na forma do art. 28 do Decreto-lei 2284/86 “as despesas com o seguro-desemprego
correrão à conta do Fundo de Assistência ao Desempregado”, que
era aquele fundo da Lei 4.923, de 28.12.65 de que
comentamos, com parcos recursos.
Só com
a Constituição Federal de 1988 (art. 239), é que fixou os recursos próprios
para o seguro desemprego e criou-se o
abono, este para empregado (um salário
mínimo por ano para quem recebe até dois salários mínimos). Ambos os benefícios
são financiados pelo já existente PIS/Pasep. O BNDS ainda recebe 40% desse
valor, segundo o mesmo artigo constitucional. No §4º do art. 239 ainda é
previsto uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da
força de trabalho superar o índice médio da rotatividade do setor, na forma
estabelecida por lei.
Ressalto:
a Constituição não criou o FAT, e sim o legislador de 1990. Só a partir de então
é que o seguro desemprego tomará a forma atual.
Na
verdade, os benefícios sociais dependiam, sempre, da contribuição do próprio
trabalhador, ou do empregador. A contribuição dos cofres públicos, na
imaginária tríplice contribuição, sempre foi deficitária. O FGTS veio a
espelhar bem o afastamento da contribuição do Estado, sem este abrir mão da
administração do capital.
As políticas de fundos não têm muito fundamento jurídico ou
político-ideológico. A título de exemplo, vimos que o governo FHC criou a CPMF
(inicialmente provisória) com finalidade aparentemente social, e depois o
governo Lula lutaria contra sua extinção, que efetivamente ocorreu. Esse tributo chamado popularmente do “imposto
do cheque” foi criado em 2000, por meio de Emenda constitucional, de n.31.
Tratava-se de arrecadar recurso o Fundo
de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulamentado por lei
complementar, com o “objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a
níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações
suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço à renda familiar
e outros programas de relevante interesse social voltado para a melhoria da
qualidade de vida”. Como toda a sua generalização ele, na verdade, ele acabou
sendo usado para complementar o orçamento governamental.
3.O
seguro desemprego a partir da década de 1990 e o FAT
O
seguro desemprego surge efetivamente
com a Lei 7.998 de 11.01.1990 juntamente com a criação do FAT, com recursos do
PIS/Pasep (art. 239 da CF/88). O abono já havia sido implementado pouco antes
do FAT, com a Lei 7.859/89, hoje revogada definitivamente e incorporada à Lei
13.134 de 2015, como se verá.
Embora
a Constituição Federal (art. 7º, II) garanta “seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário”, ou seja, a
todos desempregados, salvo os que pedem demissão, o legislador foi bem
restritivo, pois veio a criar requisitos de tempo de serviços anterior à data
da extinção do contrato.
Mas
não é só. Se a Carta defere o seguro a todos que não pediram demissão, a lei
ordinária só defere o benefício aos que foram dispensados. Parece se tratar da
mesma coisa, mas não é. O contrato de experiência termina sem que o empregado
seja formalmente dispensado, mas seria por demasiadamente exagerado considerar
seu término como voluntário para
efeito de seguro desemprego. Esses contratos de experiência têm a duração
máxima de 90 dias, portanto nunca atingem os seis meses exigidos pela lei.
Todos sabem o quanto os contratos de experiência são adotados no mercado de
trabalho, e que há enorme quantitativo de desempregados após o seu término. É
difícil de apurar o seu exato quantitativo no mercado de trabalho em face de
não se exigir homologação do termo de rescisão de contrato com menos de um ano
de duração[15]..
O
benefício foi ampliado explicitamente para certas camadas de trabalhadores:
para o caso de rescisão indireta (1994); para o trabalhador que tenha “exercido
atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15
(quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses” (inciso II da Lei
7.998/90, incluído pela Lei 8.845 de 1994 e revogado pela Lei 13.134/2015);
para os trabalhadores domésticos, desde que o seu empregador optara em efetuar
o FGTS (Lei 10.208/2001); para o trabalhador comprovadamente resgatado de regime de
trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo (2002). Mas o benefício
ainda será estendido para trabalhadores ativos (não desempregados) em certas
situações.
Pouco
tempo depois da implantação do FAT, logo se aproveitou o seu capital para
investimentos. Em 12.05.1993, através da
Resolução n.43, o Codefat autorizou alocação no BNDES de recursos de mais de 32
trilhões de cruzeiros para linha de créditos destinada à concessão de
empréstimos a setores e segmentos produtivos da economia, definidos caso a caso
pelo Codefat, com critérios estabelecidos por ele mesmo. Pode-se questionar até
que ponto um órgão que teria a finalidade de gerir um fundo de “trabalhadores”
poderia envolver-se com linhas de créditos a “setores produtivos da economia”,
com enorme poder de distribuição de verba pública a ponto deixar qualquer
parlamentar eleito com inveja. Mas, além dessa distorção visível, percebe-se a
imprecisão do critério do uso da verba pública.
Destaca-se a criação do que veio a ser chamado de Proger - Programa de
Geração de Emprego e Renda (Resolução de n.59 de 25.03.94) – e o Planfor - Plano Nacional de Educação
Profissional. Em 2004, foram
instituídas as linhas de crédito especiais denominadas Proger
Pescador e Proger Piscicultura (Resolução 373 de 2003 do Codefat).
Assim, para desviar dinheiro do FAT para o capital, que inicialmente seria
destinado ao desempregado, utilizou-se primeiramente a forma genérica do Proger, sob a justificava
de encaminhá-lo ao pequeno empreendedor autônomo, às cooperativas e até ao
empresário comum. Nos “considerandos” da Resolução que criou o Proger,
procurou-se vinculá-lo ao Programa do
Combate à Fome e à Miséria, então em voga com o sociólogo Betinho à frente
da campanha. Depois passou-se a falar em “pequenos empreendimentos”, “micro e
pequenas empresas ou produção associativa”. Mais de 112 bilhões de cruzeiros
reais foram liberados para esse novo empreendimento.
Em dezembro de 1994, por meio da Resolução n. 73 do Codefat, alocam-se fundos
para o Banco do Brasil, o Banco do
Nordeste do Brasil e para o FINEP. Neste último, a verba se destinava a
“segmentos da indústria e agropecuária” para geração e manutenção de emprego e
“renda”. Percebe-se, com clareza, que tais “resoluções” deixam vagos os
critérios para a escolha do candidato e dos próprios requisitos que deveriam
ser apresentados por esse candidato.
O Banco do Brasil estabeleceu quatro linhas específicas de crédito: Mipemfat (Micro e Pequena Empresa); o Prodemfat (Programa de Desenvolvimento
Municipal); o Seinfat (Setor
Informal); e o Cooperfat
(Cooperativas e Associações de Produção).
Mudança
de grande significado jurídico/legal na finalidade do seguro desemprego
ocorreria no ano de 2001, quando ela deixou de ficar limitada aos trabalhadores
desempregados na busca de novo emprego, para incluir a busca da preservação
do emprego (2001). A partir de então ficou bem sacramentado que o seguro
desemprego atingiria não só os desempregados, mas também os próprios trabalhadores
ativos. A preservação do emprego era
uma finalidade estranha ao desiderato histórico de atingir o desempregado. Pode
parecer a mesma coisa, mas individualmente não o é, pois desvia-se os recursos
dirigidos ao protegido pela lei. Uma política contra demissões, principalmente
as demissões em massa, talvez devesse ter outra regulação, mais específica,
como reivindicado diversas vezes pelo movimento sindical.
Agora definitivamente
os recursos do FAT se voltariam para cursos de qualificação ou complementação
de custos com manutenção de empregados em empresas privadas em crise
O inciso
II art. 2º da Lei 7.998/90 passou pela seguinte transformação:
II - auxiliar os trabalhadores requerentes ao seguro-desemprego na busca
de novo emprego, podendo para esse efeito, promover a sua reciclagem
profissional (redação original de 1990)
II - auxiliar os trabalhadores na busca de emprego,
promovendo, para tanto, ações integradas de orientação, recolocação e
qualificação profissional (redação dada pela Lei 8.900/1994) .
II - auxiliar os trabalhadores na busca ou preservação do
emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação,
recolocação e qualificação profissional (redação
dada pela MP 2.164-41 de 2001, gn)
A
Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001 que promoveu essa significativa mudança
no seguro desemprego, veio a alterar a CLT para criar o contrato de trabalho suspenso (art. 476-A), de dois a cinco meses,
conforme norma coletiva. Durante a suspensão do contrato (de dois a cinco
meses), a Lei 7998/90 também foi alterada para possibilitar de bolsa de qualificação profissional, a ser
custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.
A criação
do contrato de trabalho suspenso foi uma das últimas medidas de flexibilização
trabalhista promovida pelo governo FHC, e não deixou de ser criticado como uma
forma de maquiar os altos índices de desemprego. Essa inciativa será mais tarde já no governo
Dilma ampliada com o Pronatec.
Mas antes
de retomarmos a este tema educacional, devemos destacar uma outra mudança,
talvez ainda mais importante, que foi a destinação do FAT para a construção de casa própria, chegando
mesmo a exercer uma função que seria própria do FGTS.
Ainda no
ano de 2001, por meio de outra alteração de lei, foi permitido que parte dos
recursos do FAT seria “destinados à expansão do nível de emprego no País”, (Lei
10.199/2001, que alterou o §7º do art. 9º da Lei 8.019/90)[16].
Essa norma não trata especificamente sobre seguro desemprego, mas o FAT era a
fonte de recurso dele. O FAT foi cada vez mais caminhando para a sua vertente
de desenvolvimento econômico,
previsto na lei que o criou (art. 10 da Lei 7.998/90), em detrimento das duas
outras vertentes: seguro desemprego e abono.
Com
o crescimento do capital do FAT, não houve ampliação do benefício direto ao
desempregado, mas sim sua utilização para outras finalidades de investimento,
como o imobiliário, chegando a cobrir a tarefa do próprio FGTS. Esse novo
“desvio” não veio sequer diretamente por meio do legislador, mas sim por meio
dos administradores, ou seja, por meio de resolução administrativa do Codefat,
o que não deixa de ser questionável[17].
Em
2011 foi criado o Pronatec (Lei 12.513) que seria divulgado intensamente na
segunda campanha eleitoral de Dilma para presidência da República. A Lei 7.998
passou a ter a seguinte alteração:
Art. 10.
É instituído o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vinculado ao Ministério do
Trabalho, destinado ao custeio do Programa de Seguro-Desemprego, ao pagamento
do abono salarial e ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico
(redação original)
Art.
10. É instituído o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vinculado ao
Ministério do Trabalho e Emprego, destinado ao custeio do Programa de
Seguro-Desemprego, ao pagamento do abono salarial e ao financiamento de programas
de educação profissional e tecnológica e de desenvolvimento econômico (redação da Lei 12.513/2011 do Pronatec)
O FAT passa a ser um financiador, o que seria
típico de uma instituição financeira ou bancária, mas não um fundo destinado ao
seguro desemprego.
4.O seguro desemprego na crise
de 2015
A
atual crise de 2015, ainda em seu início quando escrevemos este trabalho, é
calcada em graves problemas políticos e econômicos. A presidente Dilma foi
reeleita a partir de surpreendente arrancada no final da campanha do primeiro
turno, e vencedora no segundo turno por pequena margem de diferença. Poucos
meses após o início de seu segundo mandato, iniciado em janeiro deste ano, veio à tona grandes manifestações de ruas
contra seu governo, somado à crise de corrupção na Petrobrás da qual fora presidente
de seu conselho de administração antes de ser presidente. A economia neste ano
de 2015 dá forte sinal de aumento de inflação, desemprego e queda do índice de
produtividade. No âmbito legislativo, o governo não elegeu seu candidato à
presidência da Câmara, sendo eleito um “aliado opositor” (José Eduardo Cunha),
de baixa popularidade mas disposto a chamar a atenção. Enfim, não cabe aqui fazer
uma análise conjuntural, mas sim expor o novo drama em que enfrentam os
trabalhadores com o desemprego e a proposta do governo.
Com
o nome “ajuste fiscal” o governo expediu duas medidas provisórias (664 e 665)
no último dia do ano de 2014, com o escopo de reduzir gastos. O Portal do
Ministério do Trabalho e Emprego[18], sob o título Dilma sanciona mudanças
no Seguro-Desemprego e Abono Salarial - Novas
regras têm como objetivo preservar o direito dos trabalhadores aos benefícios
constitucionais, ao garantir o equilíbrio do FAT, assim
expõe a pretensão do pacote:
“Com a
mudança, o governo espera uma redução de R$ 6.4 bilhões nos gastos com o
pagamento dos benefícios, reduzindo também a quantidade de beneficiários. Em
2014 foram 8.5 milhões de trabalhadores que pediram o benefício. Com as novas
regras, a expectativa é que essa redução alcance 1.6 milhões de trabalhadores,
ou seja, 19,08% do total. Com isso, a expectativa é que os gastos com o
benefício alcancem R$ 26.8 bilhões este ano.
Para o
ministro Manoel Dias, a mudança teve como objetivo preservar o direito dos
trabalhadores aos benefícios constitucionais, ao garantir o equilíbrio das
receitas e despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
As mudanças têm como objetivo principal preservar o
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que paga os benefícios, e não prejudicar
aqueles que eventualmente buscam os recursos quando da dispensa sem justa causa, afirmou
o ministro”.
Embora
com o nome de “fiscal”, na verdade o ajuste ataca diretamente a previdência
social (MP 664), e o seguro desemprego e abono (MP 665). As duas normas foram
expedidas em 30 de dezembro de 1994. A primeira MP foi convertida na Lei 13.135
de 17 de junho de 2015, e a MP 665 convertida na Lei 13.134 de 16 de junho de
2015.
Essa
reforma, com grandes consequências à população, se apresentou como de fato era,
uma mudança para fazer caixa. Pretendia o governo economizar o total 18 bilhões
de reais, como divulgado amplamente pelos meios de comunicação a partir de
declarações dos ministros.
Como
se vê, não existe nenhuma reforma no sentido de modernização, de mudança
teórica ou filosófica, apenas corte orçamentário por meio de redução de
benefícios.
Ressalto,
porém, que, pelo menos no caso dos pescadores foi transferido ao INSS o encargo de receber e
processar os requerimentos e, ainda, habilitar os beneficiários (nova redação
do art. 2º da Lei 10.779/2003, dada pela Lei 13.134/15), retirando a atribuição
do Ministério do Trabalho e Emprego. Essa medida, de certa forma, alinha um
pouco o benefício com o sistema previdenciário, embora apenas de forma
administrativa.
Porém,
as atenções maiores estiveram voltadas para o acesso ao benefício. A MP 665
tratou de criar um escalonamento de três níveis de solicitação: a primeira, a segunda e as demais.
Neste “demais” fica mantida a antiga regra de exigência de ter o desempregado
dispensado trabalhado nos “seis meses imediatamente anteriores à data de
dispensa”. Porém, ao requerer o primeiro seguro desemprego o desempregado terá
que “ter trabalhado 12 meses nos últimos 18 meses imediatamente anterior à
dispensa” (redação final da Lei, sendo que a MP estabelecia 18 meses nos
últimos 24 meses anteriores à data da dispensa). Para requerer o segundo
benefício o desempregado terá que ter trabalhado 9 meses nos últimos 12 meses
imediatamente anteriores à data da dispensa (redação final da Lei, sendo que a
MP estabelecia pelo menos 12 meses nos últimos 16 meses imediatamente
anteriores à dispensa).
Ou
seja, a medida restringia o acesso ao seguro desemprego aos mais jovens, ou
pelo menos aos que ficam desempregados pela primeira ou segunda vez.
O
Congresso manteve o escalonamento, porém tornou menos exigente os critérios
para percepção do primeiro e do segundo requerimento do seguro desemprego. Não
tendo a Lei 13.134 efeito retroativo, passando a vigorar a partir de sua
publicação (16.07.2015), muitos demitidos durante a vigência da MP 665 de
30.12.2014 não chegaram a receber o seguro desemprego em função da maior
exigência deste, e o governo pelo menos chegou a economizar como queria durante
seis meses e meio.
A
MP 665, assim como a Lei 13.34, revogou o inciso II do art. 3º da Lei 7.998/90,
que era uma segunda exigência para aquisição do seguro desemprego: “ ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa
física a ela equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como
autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro)
meses”. Essa regra, por certo período da década de 1990 havia sido dispensada,
porém voltara a vigorar[19].
Enquanto
o art. 3º da Lei 7.998/90 trata das condições de acesso ao benefício, o art. 4º
trata da periodicidade e o art. 5º do seu valor.
O
benefício era fornecido por 4 meses, de forma contínua ou alternada, a cada
período de no mínimo 16 meses contados da dispensa que deu origem ao benefício
anterior. A Lei 8.900 de 1994 mudara a concessão, de 3 a 5 parcelas, conforme
tempo de emprego, e também permitiu a extensão por mais dois meses a critério
do Codefat. Também permitiu a ampliação do benefício a critério do Codefat para
grupos específicos de segurados e de acordo com o limite mínimo de reserva líquida
do FAT. Essa lei de 1994 foi revogada em 2015 pela MP 665 e pela Lei 13.135,
porém foi mantida regra semelhante no §5º da Lei de 2015, com maior
detalhamento.
Pela
nova Lei de 2015, o benefício continua a ser de 3 a 5 meses, de forma contínua
ou alternada, conforme regras a serem definidas pelo Codefat. A Lei ainda
estabelece uma tabela de quantidade de parcelas em função da primeira, segunda
ou demais solicitações. Remeto o leitor para análise do art. 4º da Lei, já que
citar todos os casos nesta oportunidade seria demasiadamente cansativo.
Quanto
ao valor do benefício, tratado no art. 5ª da Lei 7998/90, não houve alteração,
sendo mantido o valor mínimo de um salário mínimo, podendo ser maior confirme
critérios dos últimos salários recebidos pelo empregado. Na realidade, não há
muita explicação para esse escalonamento, pois não se trata de auxílio doença
ou outro benefício previdenciário em que o segurado contribui mês a mês.
Parece-me que a intenção do legislador foi a de não prejudicar muito quem ganha
mais e não incentivar quem ganha menos a receber o benefício.
A
crise econômica, mesmo com a aprovação quase que total das duas Medidas
Provisórias, continua a pressionar o governo. O Codefat adiou paro ano de 2016
o pagamento de parte dos benefícios do abono salarial. Os trabalhadores que
fazem aniversário no segundo semestre deste ano de 2015 vão receber
normalmente, mas quem faz aniversário de janeiro a junho vai receber no
primeiro trimestre do ano que vem. Segundo informação do Jornal Nacional, a
mudança foi feita a pedido do Ministério da Fazenda. Com isso, o governo adia
um gasto de R$ 8 bilhões paro ano que vem[20]. A Defensoria Pública
União ajuizou ação contra a União Federal para prevalecer o pagamento ainda
este ano.
Antes
que a poeira assentasse com as novas leis, surgiram novidades. Pressionada pela
crise econômica, o governo Dilma expediu nova Medida Provisória n. 680 em 6 de julho de 2015, instituindo o
Programa de Proteção ao Emprego – PPE.
O
referido programa, incialmente, não possui muita novidade, apenas ratifica o
que já é possível de ser feito por meio de negociação coletiva: reduzir jornada
e salário. A “novidade” é que o FAT entra com seus recursos para complementar o
salário reduzido do trabalhador, por meio de uma compensação pecuniária:
Art. 4º
Os empregados que tiverem seu salário reduzido, nos termos do art. 3º,
farão jus a uma compensação pecuniária equivalente a cinquenta por cento
do valor da redução salarial e limitada a 65% (sessenta e cinco por cento) do
valor máximo da parcela do seguro-desemprego, enquanto perdurar o
período de redução temporária da jornada de trabalho.
§ 1º Ato do Poder Executivo federal
disporá sobre a forma de pagamento da compensação pecuniária de que trata o caput,
que será custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.
Independentemente
do mérito dessa medida, há uma evidente contradição de política governamental.
Se o seguro desemprego e o abono foram sacrificados com as últimas medidas
legais e administrativas, sob o argumento de fazer economia, como justificar
que o FAT tem recursos para conceder um novo benefício? Seria uma espécie de
transferência de recursos? Neste caso, não seria melhor ter logo tratado de
todo assunto ao mesmo tempo? Por que só depois de ser aprovada a economia do
FAT é que se propõe gastar mais?
Considerações finais
Por
meio de fundos, o Estado brasileiro vem interferindo na economia, regulando o
mercado de trabalho, chegando mesmo a responder à demanda do neocorporativismo,
com a participação em conselhos e comissões de tríplice participação (governo,
empregados e empregadores). Essa acumulação forçada de capital vem, portanto,
agradando todos os tipos de governos.
Especificamente
o FGTS veio a fortalecer o setor bancário e o imobiliário, por meio de arrecadação
econômica sobre os contratos de trabalho, e concessão de financiamentos a logo
prazo. Já o FAT, criado para atender ao desempregado, estendeu sua base de
beneficiários, expandiu seus recursos para incentivo à educação e à habitação, ao investimento industrial, imobiliário, ao
microempresário, socorreu o mercado de
trabalho assalariado em busca de mais empregos e sua respectiva manutenção por
meio da dinamização daqueles investimentos.; fortaleceu o setor
financeiro/bancário, tanto os públicos como os privados.
Essa
tendência tem aumentado nas últimas décadas, independentemente da conotação ideológica
ou política dos governos. Antes mesmo da Era Vargas encontramos algumas
sementes desse projeto, que foi utilizado por diversos regimes, sendo que a
ditadura militar veio a reformar o Estado e criar efetivamente o primeiro
grande fundo (FGTS). Embora outros fundos tenham sido criados, o segundo mais
importante foi o FAT, criado em plena era neoliberal.
O
seguro desemprego não surgiu dentro do regime previdenciário, como era
esperado, mas em função de um acúmulo próprio de capital. O Estado brasileiro
não vem sendo direcionado no sentido de criar direitos de cidadania típicos,
mas sim de procurar os enfrentar os problemas sociais com investimentos
econômicos. Até a década de 1980 esse caminho produtivista era quase que único
para o enfrentamento da questão social. O seguro desemprego e o abono surgiram
um pouco dessa trajetória puramente produtivista, para dar uma pincelada de
direito social no Estado brasileiro.
O
Brasil não seguiu a trajetória dos Estados sociais, pois não concedia direitos
ao cidadão se ele não fosse trabalhador, ou mais especificamente ser contratado
aos moldes da CLT. Sé a partir das décadas de 1990/2000 é que começaram a
surgir bolsas e benefícios para necessitados, embora ainda bem restritivos.
A
consequência direta é que qualquer crise econômica do país, como a que vivemos
em 2015, implica imediatamente no encolhimento dos benefícios sociais. A crise
econômica gera uma imediata crise social, sem que se tenha uma poupança social
que perdure durante aquela, ou pelo menos durante um tempo razoável. Se o
investimento resolve o desemprego, por outro lado as crises econômicas tornam este
um problema muito maior.
[1] Esse artigo reproduz
parcialmente o conteúdo da palestra proferida em 17 de julho de 2015 no I Seminário Internacional de Direito do
Trabalho, Rio de Janeiro, organizado pelo IAB – Institutos dos Advogados
Brasileiros e Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. O tema que coube ao
palestrante foi "As
novas regras do Seguro Desemprego e suas repercussões sociais".
[2]
Desembargador do Trabalho do TRT da 1ª Região, historiador e professor
doutor da Universidade Federal Fluminense.
[3] Decreto legislativo n. 4.682, de 24 de
janeiro de 1923.
[4] O Decreto
5.109, de 20 de dezembro de 1926, estabelecia em seu art.13: “Ouvido o Conselho Nacional do Trabalho, as
caixas poderão adquirir ou construir prédio ou prédios, para sua sede,
farmácia, ou serviço ambulatório, ou pronto socorro, uma vez que os fundos
permitam”.
[5] Para tentar
atenuar a crise de 1929, Vargas logo que chegou ao poder, comprou café com
recursos do Banco do Brasil e depois o queimou para valorizá-lo no mercado. Um
péssimo investimento, se é que pode ser chamado assim.
[6] CARVALHO, José Murilo de (2004). Cidadania no Brasil – O Longo Caminho.
6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
[8] Para ele todos deveriam receber uma
renda mínima paga pelo Estado. Ou seja, o direito social na acepção utilizada
por Marshall é aquele em que o Estado concebe um benefício a algum necessitado
simplesmente pelo simples por ele ser cidadão, e não apenas para aqueles que de
alguma forma contribui financeiramente. A previdência social sob o sistema
securitário só garante benefícios aos seus contribuintes, ou seja, que tenham
trabalhado. No Brasil, só após à
Constituição de 1988, é que vão surgindo alguns direitos sociais “puros”. Destaco
os benefícios de prestações continuadas de um salário mínimo à pessoa portadora
de deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais, que comprovem não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família (art. 20
da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas, Lei nº 8.742 de 7 de dezembro de
1993); o Programa Nacional de Renda
Mínima vinculado à educação – "Bolsa Escola", criado pela Lei nº
10.219 de 11 de abril de 2001; o Programa Nacional de Acesso à Alimentação –
PNAA, criado pela Lei nº 10.689, de 13 de junho de 2003; o Programa Nacional de
Renda Mínima vinculado à Saúde – “Bolsa Alimentação”, instituído pela Medida
Provisória nº 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, o Programa Auxílio-Gás,
instituído pelo Decreto nº 4.102, de 24 de janeiro de 2002. O governo Lula em
2004 unificou estes programas, criando o “Bolsa Família”, pela Lei nº 19.836 de
9 de janeiro de 2004.
[9] Revista
A Previdência Social, jul/agosto, p. 10.
[10] O primeiro esboço de renda mínima garantida, segundo Rosanvallon (A Crise do Estado-Providência, Ed. UnB,
1997,
p.123), ocorreu com o Ato do Parlamento
de Speenhamland (1795), que reconheceu o direito de todo homem a um mínimo
de subsistência: se só pudesse ganhar uma parte pelo seu trabalho, cabia à
sociedade fornecer-lhe o complemento. O seguro desemprego surgiu na Inglaterra
em 1911.
[11] BARBOSA, Alexandre de
Freitas, O Programa Seguro-Desemprego no
Brasil como parte das políticas de emprego no Brasil, Cadernos de Pesquisa
n. 7, maio de 1997, p. 101, faz referência ao estudo de Machado, Danielle C. (1994): "O Impacto do Seguro-Desemprego no
Mercado de Trabalho: o Caso Brasileiro", Série Seminários em Estudos Sociais e do Trabalho n. 3/94, IPEA,
Rio de Janeiro.
[12] Política de Emprego e Desenvolvimento
(Firjan), publicado pelo Instituto Euvaldo Lodi, órgão da CNI, 1982.
[13] Desemprego: um grave problema ainda não
equacionado, p.107/129, publicação do Instituto Euvaldo Lodi, 1982, “Política
de Emprego”
[14] Esse benefício ainda
existe legalmente até os dias atuais. A Lei 7.998/90 é que ao criar o seguro
desemprego o fixou em valor não inferior ao salário mínimo (§2º do art. 5º).
[15] Agora, com a nova
redação da pela Lei 13.134/15, que estendeu o tempo de serviço para percepção
do primeiro e do segundo pedido de seguro desemprego, é possível utilizar o
período do contrato de experiência para adicioná-lo a outro contrato. É, no
entanto, um falso ponto positivo da mudança, pois na verdade aumentou-se a
exigência.
[16] § 7o do
art. 9ª da Lei 8.019/1990 incluído pela Lei 10.199/2001 – “O Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES poderá utilizar recursos dos
depósitos especiais referidos no caput
deste artigo, para conceder financiamentos aos Estados e às entidades por eles
direta ou indiretamente controladas, no âmbito de programas instituídos pelo
Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - Codefat, tendo em
vista as competências que lhe confere o art. 19 da Lei no
7.998, de 11 de janeiro de 1990, e destinados à expansão do nível de emprego
no País, podendo a União, mediante a apresentação de contra garantias
adequadas, prestar garantias parciais a operações da espécie, desde que
justificado em exposição de motivos conjunta dos Ministérios do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior e da Fazenda." (NR)
[17] Resolução Nº 273 de 21 de
novembro de 2001 - Institui
o Programa de Geração de Emprego e Renda na Indústria da Construção Civil -
FAT-HABITAÇÃO – “Art. 1º Instituir o
Programa de Geração de Emprego e Renda na Indústria da Construção Civil -
FAT-HABITAÇÃO, destinado ao financiamento de unidades habitacionais, a ser
operado pelas instituições financeiras oficiais federais, com recursos do Fundo
de Amparo ao Trabalhador - FAT, excedentes da reserva mínima de liquidez, nos
termos do Art. 9º da Lei n.º 8.019, de 11 de abril de 1990, com a redação dada
pelo Art. 1º da Lei n.º 8.352, de 28 de dezembro de 1991, alocados em depósitos
especiais remunerados”.
[18] http://portal.mte.gov.br/imprensa/dilma-sanciona-mudancas-no-sd-e-abono-salarial/palavrachave/seguro-desemprego-novas-regras.htm
[19] A Lei 8.352/91 (art.
3º) chegou, em caráter excepcional a e por prazo determinado a dispensar a
comprovação do critério de habilitação de que tratava o inciso II do art. 3º da
Lei 7.998/91: “ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela
equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma,
durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses;”. Isso para aqueles que foram demitidos entre
1ª de janeiro de 1992 a 30 de junho de 1992. Essa medida de caráter excepcional
foi prorrogada diversas outras vezes, por leis específicas.: até 31 dezembro de
1992, sendo limitado aos que ainda não tinham gozado o benefício (L. 8.438/92);
até 30 de junho de 1993 (Lei 8.561 de 1992); até 31 de dezembro de 1993 (Lei nº
8.669, de 1993); até 30 de junho de 1994 (Lei 8.845 de 1994).
[20]
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/07/parte-do-abono-salarial-prevista-para-este-ano-so-sera-paga-em-2016.html