Ivan
Alemão – Desembargador do Trabalho da 1ª Região e professor doutor da Universidade
Federal Fluminense
A
primeira sugestão que faço para uma análise sobre o sindicalismo no Brasil é
afastar qualquer preconceito ou romantismo. As corporações profissionais, entre
elas os sindicatos, não possuem um valor, em si, predefinido. Ninguém diz que
admira nem que detesta partidos políticos, municípios, Poder Judiciário,
escolas, hospitais. O sindicato é apenas mais uma instituição da sociedade.
Porém,
ora o sindicalismo é visto como agente heroico da sociedade, ora como massa de
manobra, dependendo de um efêmero episódio histórico ou de como um determinado
líder agiu. Quase todo estudo sobre sindicalismo segue uma narrativa de luta,
geralmente sob curto espaço de tempo, como durante uma greve. Alguns que
pretendem fazer uma análise histórica passam por décadas em branco como os
sindicatos adormecessem. É raro defrontarmos com estudos que analisam o
sindicalismo como uma instituição perene da sociedade. Exceções: Oliveira
Vianna, Evaristo de Moraes Filho, Orlando Gomes.
No
Brasil, a Justiça do Trabalho é historicamente identificada com os sindicatos.
Ambos foram regulamentados como irmãos na década de 1930, educados para serem
colaboradores recíprocos. No entanto, se confrontarmos o sindicalismo com a
trajetória da Justiça do Trabalho, verificaremos que, embora esta tenha sido
forjada sobre uma legislação que atraía o sindicato, com espaços bem delineados,
na realidade, acredito, nunca houve a esperada total identidade entre os dois. O
exercício dos juízes classistas nunca interligou, efetivamente, as duas
instituições, nem poderia ser diferente. Não era possível conciliar a função de
juiz eminentemente imparcial com a de representante sindical. O dissídio
coletivo, por sua vez, desde a EC nº 45/2004 já não cria direitos para os trabalhadores
representados pelos sindicatos, e sim os condena em episódios de greve, além de
restringir sua fonte de receita por meio de proibições de contribuições de não
filiados. Hoje, não há quase nada que identifique diretamente os sindicatos à
Justiça do Trabalho, estando esta mais sob a influência da OAB e dos
escritórios de advocacia.
A
verdade é que os sindicatos, enquanto órgãos profissionais reivindicativos, não
contam muito com a Justiça do Trabalho, que foi cada vez mais se tornando um
foro de desempregados. Isso ficou claro, por exemplo, a partir da década de 90,
quando foram introduzidas as negociações coletivas com “perdas de direitos contratuais”. O sindicato só sobrevive
com trabalhadores trabalhando, o que
o leva a ceder direitos para evitar o desemprego. Os desempregados por sua vez buscam
a Justiça do Trabalho, procurando reaver o possível.
Isso já é uma rotina nacional, em que cada instituição cumpre o seu papel.
Quem
hoje pressiona a Justiça do Trabalho para criar súmulas e entendimentos são os
escritórios de advocacia. Algumas decisões sumuladas que pegam de surpresa os
empregadores e geram condenações significativas não atingem tanto os que estão
trabalhando, favorecem mais os reclamantes já desempregados. Refiro-me a
entendimentos como o dos cartões “britânicos”, que não permitem aos
empregadores se ajustarem retroativamente às “novas regras”; ou à “descoberta”
da constitucionalidade do art. 384 da CLT, que dá 15 minutos de intervalo às
mulheres antes de elas prestarem horas extras, e que é reivindicada
independentemente da preocupação de isso restringir o seu mercado de trabalho,
tão defendido em 1988. Só para citar dois exemplos que favorecem reclamantes. Não
há fiscalização ministerial sobre cartões britânicos, até porque eles sequer
precisam ser assinados. Não tenho notícias de ações do MPT ou da fiscalização
ministerial sobre o cumprimento do art. 384 da CLT. Também nunca vi uma
cláusula coletiva criando tais regras. Caso tais entendimentos jurisprudenciais
sejam aplicados imediatamente aos que estão trabalhando talvez a repercussão
não seja a mesma dos reclamantes. Outras súmulas favorecem as empresas mais
fortes, reduzindo suas despesas, como as mudanças mais recentes sobre a
responsabilidade subsidiária.
As
cláusulas coletivas passaram a ser anuladas facilmente na Justiça do Trabalho
quando contrariam o entendimento de um juiz. Algumas nulidades são declaradas,
inclusive, de ofício. Isso não é um problema imediato dos sindicatos de
trabalhadores que estão voltados para os que estão trabalhando, mas do
empregador, que tem de arcar com condenações. Essas decisões de nulidades em
ações individuais não anulam a própria negociação, apenas geram condenações que
não são pagas pelos sindicatos. Pelo contrário, estes podem até comemorar essa declaração
de nulidade. Muitos juízes declararam má-fé do Sindicato dos Metalúrgicos de
Volta Redonda (RJ) quando ele patrocinou centenas de causas individuais que
arguiam nulidade da cláusula coletiva que eles haviam feito sobre redução de
intervalo. Se essa cláusula foi boa ou ruim, não sabemos, pois competiria aos
trabalhadores responder, mas não tenho conhecimento que alguma ação coletiva foi
ajuizada para acabar com ela.
Todavia,
numa análise econômica mais macro, é possível visualizar que as condenações
trabalhistas aos empregadores, assim como acontecem com os impostos e as multas,
podem acabar recaindo contra o consumidor ou contra os salários dos que estão
empregados, o que pode até receber o desagrado dos sindicatos.
Ações
trabalhistas que diretamente interferem na estrutura sindical são as decisões
que reduzem a sua arrecadação, em destaque o Precedente nº 119 do TST e a
Súmula nº 666 do STF. Tal campanha foi fortemente promovida pelo Ministério
Público do Trabalho, órgão que, embora tenha uma relação razoável com os
sindicatos, nem sempre pensa da mesma forma que eles.
É
comum que tanto os procuradores do trabalho quanto os juízes trabalhistas, em
geral oriundos de escritórios de advocacia, se identifiquem mais com os
reclamantes, valorizando menos a negociação coletiva. Esta ocorre hoje nas
sessões de dissídios coletivos de greve como uma forma de pressão do Estado
para acabar com o próprio movimento reivindicativo e, em troca, não haver
condenação do sindicato em multas.
Nas
últimas décadas os escritórios de advocacia trabalhista evoluíram muito, adquirindo
mais força dentro da OAB. Quando o escritório defende empresa, a perda da causa
não atinge diretamente os honorários advocatícios. Também não têm muita
responsabilidade com os efeitos das decisões judiciais na empresa, pois são contratados para atuarem no processo judicial. Porém,
quando o escritório defende o reclamante, os honorários advocatícios dependem
do sucesso da causa. Por isso a pressão é maior quando vem de causas em
andamento, em que a criação de jurisprudência uniforme interfere mais
diretamente no resultado.
Nas
últimas décadas houve enorme aumento de súmulas, foram criadas as orientações
jurisprudenciais do TST, recentemente a CLT foi reformada para implantar a
obrigatoriedade da uniformização da jurisprudência nos tribunais regionais,
incentivando súmulas locais e precedentes prevalecentes, algo ainda novo. São
muitas as explicações para esse aumento, uma delas é evitar o aumento dos
recursos de causas que se multiplicam.
Interessante
observar como as ações estão sendo ajuizadas em ondas, com temas da moda.
Tivemos a onda dos pedidos referentes a perdas em planos econômicos, a
reconhecimento de salário in natura, de
dano moral, de acidente de trabalho, de assédio moral, agora de desvio/acúmulo
de função, sem falar nos pedidos específicos de grandes empresas que geram
súmulas apenas para determinados empregados. Há uma explicação histórica para
tal. Muitas ações seguem um padrão fordista de produção que começa no
escritório e é desenvolvido dentro da estrutura judiciária. Os sindicatos normalmente
não são “chamados” a participar dessa demanda produtiva.
Nas
últimas décadas, os escritórios de advocacia trabalhista e os juízes foram os
grandes defensores da sobrevivência da CLT, chegando quase à defesa de um
conservadorismo legal, como forma de resistir à flexibilização, ao negociado sobre o legislado. Até a
década de 1980, quando a CLT era bem criticada, eram os sindicatos que
defendiam o legislado sobre o negociado, acreditando que poderiam forçar as
empresas a dar mais que a lei, chegou-se a defender um contrato coletivo de trabalho, uma espécie de norma “acima da lei”.
Os sindicatos lutaram na Justiça do Trabalho para prevalecer validade das
cláusulas coletivas de gatilhos salariais, quando o Plano Cruzado congelou os
salários: defendiam abertamente o negociado sobre o legislado.
Mas que instituição é fortalecida com essas
regras flexibilizantes? Os sindicatos, pelo ângulo institucional. Os sindicatos
são “chamados” para negociar pelos empregadores desesperados, em busca de
redução de direitos trabalhistas. É evidente que o sindicato se fortalece
enquanto instituição quando alguma mudança de regra depende de sua anuência. É
o conceito weberiano clássico de poder: interferência sobre os direitos de
outros. Não se trata do poder do
movimento sindical, da rebeldia, do povo na rua, mas do poder burocrático.
Neste ponto os sindicatos se assemelham com a Justiça do Trabalho. Há um espaço
de competência própria, de reserva legal, que consolida a instituição na
sociedade de forma perene. Não é apenas um episódio, uma greve.
A
flexibilização não existe sem o sindicato. Não pode haver negociação individual prejudicial ao empregado
(art. 468 da CLT). Propostas como banco de horas são oriundas de negociação
coletiva, só para citar um caso de grande repercussão. Os sindicatos procuraram
conviver nesta era, e dentro dela buscam seu poder.
Os
sindicatos também procuram atuar junto ao parlamento e, eventualmente conseguem
uma lei que lhe favoreça diretamente. Caso clássico, não muito distante, foi a
criação das comissões de conciliação prévia, que deixavam os advogados
“perdidos” e afastava o Judiciário da negociação individual. Os advogados
conseguiram sua neutralização junto ao STF. Independentemente do mérito da
decisão, o fato é que significou mais uma perda de poder sindical e vitória dos
advogados.
Outras
leis favoreceram o poder de negociação dos sindicatos. Só para citar dois casos
recentes: a que diz respeito aos pisos salariais estaduais, que não se aplica
àqueles que têm pisos normativos, regra confirmada pelo STF; e agora o novo §
5º do art. 71 da CLT, que permite a supressão ou o fracionamento dos intervalos
por meio da negociação coletiva. Esta última chegou a jogar por terra uma
jurisprudência já consolidada do TST (OJ 342), sendo uma derrota para os
reclamantes.
É
verdade que esta última regra é fruto muito mais do poder das empresas que do
sindicato, mas não deixa de expressar força institucional do sindicato, já que
ele é “chamado” para concretizar o direito, mesmo que do empregador. Também não
sabemos se o empregado que está trabalhando prefere parar uma hora ininterrupta
para descansar, considerando que esse tempo não corresponde a pagamento de
salário. Aqui falta pesquisa de campo, o que ainda é desprezado em nosso meio
jurídico eminentemente exegético. As jornadas de 12x36 e outras afins são
ilegais por ultrapassarem o limite de dez horas diárias previsto na CLT (art.
59), mas neste caso as normas coletivas “homologam” sua validade, a
jurisprudência dominante as reconhece e os trabalhadores demonstram que não
pretendem derrubá-las já que podem contrair dois empregos ao mesmo tempo. Aqui
também há ferimento de regra que atinge a saúde, mas neste caso parece haver
alguma diferença jurídica já que se trata de “dois” contratos.
Sempre
achei que o direito do trabalho é a junção de duas vertentes: as regras contratuais
do direito civil, que privilegia o individual e os contratos realizados entre
dois indivíduos (Código de Napoleão), com as regras corporativas de
conquistas/privilégios de categorias, ou seja, a normatização corporativa (regra
medieval). Essas duas vertentes historicamente sempre foram antagônicas, o que
deu causa à Revolução Francesa. Após eliminar as corporações, estas renasceram como
algo inerente à própria natureza humana. Há muita regra de convivência no
espaço que distancia o Estado do indivíduo.
Priorizar
o individual e ao mesmo tempo o coletivo é uma tarefa que exige muito
equilíbrio. Mas não é nada impossível. A Justiça do Trabalho, bem ou mal, vem
procurando executar essa tarefa. Acho até que houve mais intenção do que
efetividade. Basta ver que as antigas juntas de conciliação e julgamento de
1932 seriam apenas para os empregados sindicalizados.
Hoje, nem de longe se aceitaria tal estreitamento. O que talvez esteja faltando
seja um novo paradigma de entendimento entre as duas instituições que possa
redesenhar o direito do trabalho.