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Artigo: A DIVISÃO HISTÓRICA ENTRE TRABALHADORES PÚBLICOS E PRIVADOS E A POSSIBILIDADE DE EQUILÍBRIO DOS REGIMES


A DIVISÃO HISTÓRICA ENTRE TRABALHADORES PÚBLICOS E PRIVADOS E A POSSIBILIDADE DE EQUILÍBRIO DOS REGIMES



Ivan da Costa Alemão – Professor da Universidade Federal Fluminense – UFF e Desembargador do Trabalho da 1ª Região

Diogo Menchise Ferreira – Doutorando no PPGDIN – Programa de Pós-graduação em Direito, Instituições e Negócios – da Universidade Federal Fluminense



Sumário:

Introdução

1.Período da Primeira República – 1891 a 1930

2.Período de 1930 a 1988

3.Período pós constituição de 1988

4. A igualdade e o equilíbrio entre regimes de trabalho

Referência Bibliográfica





INTRODUÇÃO

A proposta deste artigo é a de demonstrar que a divisão entre trabalhadores estatutários e contratados é fruto de um longo processo no Brasil republicano. Até 1930 a intenção era a de não existir essa divisão, depois passou a existir forte divisão, sendo adotado o regime estatutário e por outro o regime da CLT. O Estado passou a atuar com esses dois regimes concomitantemente, nascendo também um terceiro regime intermediário, do contratado da Administração Pública Direta, por meio de uma espécie de contrato precário. De 1930 até 1966 o regime previdenciário era bem segmentado, mesmo entre os celetistas, por meio de institutos de aposentadoria e pensão por atividades profissionais ou econômicas, quando então surgiu o INSS unificando todos esses os institutos.

Nos últimos tempos surgiu a perspectiva de uma Reforma da Previdência que procurar igualar o acesso e os benefícios de todos os trabalhadores, sem, entretanto, mexer na separação de regime de trabalho. A pergunta a ser feita é se essa uniformização previdenciária de todos os trabalhadores será possível sem mexer nos dois regimes, estatutário e CLT. Certamente, não temos a pretensão de dar uma resposta final a esta pergunta, mas de apresentar elementos de ponderação em prol de um processo que leve em conta equilíbrio de justiça entre os regimes de trabalho, que não é a mesma coisa que igualá-los.

1.PERÍODO DA PRIMEIRA REPÚBLICA – 1891 a 1930

A criação da categoria de servidores públicos no Brasil é antiga e existe desde que existe administração pública no território brasileiro. Mas o regime próprio de servidores que conhecemos hoje em dia, regido por um estatuto completo previsto em lei, só se constituiu após ser quebrada a resistência dos primeiros governantes republicanos brasileiros.

Os positivistas sociológicos, adeptos do sociólogo francês Augusto Comte, eram a força política dominante no início da República brasileira. Eles aceitavam apenas os sindicatos e outras corporações de ofício, enquanto meio de defesas dos interesses de classes, mas por outro lado, defendiam a equiparação entre todos os trabalhadores enquanto regime de trabalho. Porém, combatiam qualquer exclusividade de mercado por grupos profissionais, até mesmo a dos médicos. Os diplomas não deveriam significar privilégios. Não permitiam sequer distinção entre funcionários públicos e os demais trabalhadores assalariados. 

A primeira Constituição do Brasil, de 1824, proibiu as corporações de ofício e criou a liberdade profissional (respectivamente, incisos XXV e XXIV do art. 179). A segunda Constituição brasileira modificou o cenário ao estabelecer a liberdade de associação (§§ 24 e 8º do art. 72), e foi mais radical quando permitiu a total liberdade profissional: “É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial” (§24 do art. 72 da CF/1891). Já a Constituição de 1934, manteria a liberdade profissional, mas podendo ela ser restringida pela lei: “É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer, ditadas pelo interesse público” (item 13 do art. 113 – CF de 1934). Este é o sistema que vigora até hoje, mesmo com as novas constituições. Ou seja, liberdade profissional, mas nos limites da lei, e não mais totalmente livre.

 

Alguns estudos, como o de Maurício de Lacerda (1980, p.11-12) [1] e depois o de Alfredo Bosi (1992, p.294), buscaram no positivismo gaúcho do final do século XIX as raízes do corporativismo da Era Vargas e da CLT. Embora possam existir algumas identidades (incorporação do proletariado na sociedade moderna), pelo menos uma diferença é profunda. Enquanto Vargas deu início à regulamentação das profissões, o positivismo gaúcho era contra qualquer tipo de regulamentação profissional. A Constituição do estado do Rio Grande do Sul de 1891 chegou a vedar expressamente qualquer privilégio de diplomas e qualquer regulamentação profissional (art. 71, §§ 5º e 17). A equiparação entre funcionários públicos e jornaleiros defendida pelos positivistas, à qual Bosi se refere como precursora da CLT, já embutia a ideia de condenar todo e qualquer privilégio profissional. A CLT de Vargas, contrariamente, excluía os funcionários públicos de seu corpo.

A Constituição do Estado do RGS de Borges de Medeiros e de Júlio de Castilhos, de 1891, deixaram este tema bem claro.

“art. 71, § 5º: “Não são admitidos também no serviço do Estado os privilégios de diplomas escolásticos ou acadêmicos, quaisquer que sejam, sendo livre no seu território o exercício de todas as profissões de ordem moral, intelectual e industrial”

(...)

§ 17. Nenhuma espécie de trabalho, indústria ou comércio poderá ser proibida pelas autoridades do Estado, não sendo permitido estabelecer leis que regulamentem qualquer profissão ou que obriguem a qualquer trabalho ou indústria”. 

Art. 74: “Ficam suprimidas quaisquer distinções entre os funcionários públicos do quadro e os simples jornaleiros, estendendo-se a estes as vantagens de que gozarem aqueles.”[2]



Edmundo Campos Coelho (1999, p.227-8 e 231) relata o debate ocorrido na área médica, que se estendeu pelas primeiras duas décadas do século XX, sobre a possível incompatibilidade entre o dispositivo penal (art. 56 do Código Penal de 1890), que criminalizava o exercício da medicina, odontologia e farmácia por quem não possuísse título acadêmico[3], e a nova concepção de liberdade profissional (§ 24 do art. 72 da Constituição de 1891). Ressalte-se que durante o Império já se exigia o diploma para o exercício da Medicina. A Constituição de 1824, ainda permitia expressamente exceções à “liberdade de trabalho” em decorrência de se preservar os costumes públicos, a segurança e a saúde dos cidadãos, o que não ocorreu com a Constituição republicana de 1891.

Para os positivistas o título acadêmico não era garantia de qualificação. Para eles, qualquer restrição à liberdade profissional significava premiar os “bacharéis ignorantes que as escolas superiores produziam às centenas, punir os não-diplomados que demonstrassem competência e, principalmente, negar ao cidadão o direito de se consultar com quem melhor lhe conviesse” (Coelho, p.230). Observa-se que neste debate não estava em jogo o associativismo ou a liberdade de organização, mas a liberdade de trabalho. Porém havia um elemento que justificava a não exclusividade de mercado: a pouca quantidade de profissionais no mercado, principalmente no interior do país.

A Constituição do Brasil de 1891, pouco tratou dos funcionários públicos, salvo sobre alguns de seus deveres, sendo praticamente omisso sobre direitos. Estabeleceu a responsabilidade dos funcionários públicos por seus abusos e omissões, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente seus subalternos (art. 82). Esta última regra visava obrigar os chefes a acusarem seus subordinados, evitando, assim, a complacência com os desvios funcionais. Quanto aos direitos, a Constituição de 1891 em seu art. 75 estabeleceu que a “aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação”.

Segundo Paulino Jacques (1980, p. 18), foi com a Constituição alemã de Weimar que começou, no âmbito internacional, a tratar em âmbito constitucional a nova técnica em matéria de funcionário público, procurando sistematizar os princípios e normas reguladoras dos seus direitos e deveres, e levantando a ideia de um estatuto dos funcionários (arts. 128-131).

O processo de criação da separação definitiva dos funcionários públicos dos demais trabalhadores decorreu, portanto, de um longo processo.  Pontes Miranda (1947, p. 23) afirmava que desde o início do século XX os funcionários públicos reclamavam um estatuto. Segundo ele, a multiplicidade caótica das leis, a diversidade da jurisprudência, tudo concorria para a incerteza sobre as situações jurídicas e as relações de direito entre os funcionários públicos e o Estado. Tentou-se legislar a respeito; mas foi em vão.



Segundo Miranda, o Decreto n. 12.296 de 6 de dezembro de 1916, adotou Consolidação das Disposições Legais e Regulamentares referentes aos Funcionários Públicos da União, porém não foi executado, por falta de aprovação no Congresso Nacional. Ainda em 1921, elaborou-se anteprojeto, em comissão nomeada pelo Governo, anteprojeto em que já se incluíam os empregados das Caixas Econômicas e os operários e trabalhadores, mensalistas ou diaristas, da União.

Pelo Decreto Legislativo n. 5.128 de 31 de dezembro de 1926 foi criado o Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União.



2.PERÍODO DE 1930 A 1988

Pouco antes do primeiro estatuto, surgiu o importante tratado dos servidores federais não-estatutários, pelo Decreto n. 240 de 04.02.1938. Esse Decreto deixou clara a existência de um segmento de trabalhadores com contratos precários, que se perpetuaria durante longo tempo. Assim expressava o Decreto, ao tratar do extranumerário:



   “Art. 1º. Além dos funcionários públicos civis regularmente investidos em cargos públicos criados por lei, poderá haver, nos serviços públicos federais, pessoal extranumerário.

    Art. 2º. O pessoal extranumerário será sempre admitido, ou reconduzido a título precário, com funções determinadas, e salário fixado, dentro dos limites das dotações orçamentárias próprias da verba pessoal, parte variável”.



Martins Catharino (Revista LTr 41/1.149), considerou esse Decreto o mais completo e sistemático texto legal sobre os servidores federais não-estatutários, isto é, não considerados funcionários públicos (art.1º). Pelo mesmo, os não estatutários foram agrupados em duas grandes categorias, como está bem claro na sua ementa e no seu art. 38, parágrafo único: a do pessoal extranumerário e o do pessoal de obras[4]. A primeira compreendendo: contratado, mensalista, diarista e tarefeiro; a segunda, sem subdivisão.

                                    Os contratados eram admitidos por locação de serviços, do Código Civil. O artigo 14 do Decreto assim o definia, e nenhum extranumerário contratado ou mensalista poderia ser admitido ou reconduzido, ou teria melhoria de salário, sem prévia autorização do Presidente da República, conforme art. 5º do mesmo Decreto.

O contratado desempenhava função reconhecidamente especializada que não havia nos quadros do funcionalismo pessoa devidamente habilitada e disponível na respectiva lotação (art.8º do Decreto n. 240/38). O mensalista era admitido "para suprir temporariamente deficiência dos quadros do funcionalismo", por prazo determinado (art.16). O diarista era admitido sem maior burocracia, pelo diretor de repartição para o desempenho de funções auxiliares ou transitórias (art.27). O tarefeiro, também admitido por diretor de repartição para determinadas funções, e com salário na base de produção por unidade (art.35). Os extranumerários estavam proibidos de sindicalização (art.62). Também o Decreto-lei n. 1.402 de 1939 proibia a sindicalização dos servidores do Estado e os das instituições paraestatais.

A legislação pós-1930 manteve o princípio geral de isonomia entre trabalho manual e intelectual (art. 11 do Decreto n. 19.770, de 19 de março de 1931); mas esta isonomia não incluía os funcionários públicos, que, inclusive, estavam proibidos de criar sindicatos. O argumento era o de que estavam subordinados a princípios de hierarquia administrativa.

O Governo provisório nomeou, em 1930, comissão especial para apresentar anteprojeto de Estatuto dos Funcionários Públicos; mas ela não concluiu seus trabalhos (Miranda, 1947, vol. IV). Porém, o Decreto n. 19.770, de 04 de fevereiro de 1931 (letra a, do parágrafo único do art. 11) previu o Estatuto. A Constituição de 1934 (arts. 168 a 173) indicou como obrigação do Poder Legislativo, a votação do Estatuto dos Funcionários Públicos, o qual haveria de obedecer às normas apontadas nos incisos I a X do seu art. 170. A Carta de 1937 (art. 153 a 159) também previu a elaboração do Estatuto dos Funcionários Públicos em seu art. 156, o que só foi efetivamente realizado com o Decreto-lei n. 1.713, de 28 de outubro de 1939.

Esse Decreto-lei de 1939 (estatuto dos funcionários públicos da União, DF e territórios), deu início aos estatutos que conhecemos até os dias atuais (Lei n. 1.711 de 1952 e Lei n. 8.112 de 1990), expondo acesso ao cargo, direito e deveres do funcionário entre muitas outras regras, influenciando os estatutos de funcionários dos estados e municípios.

Por estes estatutos são os três tipos de trabalhadores da Administração Pública: os que preenchem os cargos de concursáveis-estáveis, os cargos em comissão de livre nomeação e exoneração, sem concurso, e, finalmente, o contratado precário. No Estatuto de 1939 o interino supria o impedimento de funcionários, até o cargo ser preenchido por um concursado. Era um contrato precário, mas não com prazo definido, e sim condição definida. Podia ficar por curto ou longo tempo até ser exonerado.

                        O Decreto-lei n. 4.373 de 11 de junho de 1942, anterior à CLT, estabeleceu que aos empregados dos serviços da União Federal, das empresas por ela administrada e das que, de sua propriedade, não se aplicavam a legislação de proteção do trabalho, assegurando, porém, a legislação da previdência social (art.1º e parágrafo único). O art.2º estabelecia que a Justiça Ordinária era quem detinha competência para dirimir seus litígios, após a via administrativa.



                                    Em 1943 surge a CLT, excluindo os trabalhadores do Estado, por meio de seu original art.7º: letras "c) aos servidores públicos do Estado e das entidades paraestatais; d) aos servidores das autarquias administrativas cujos empregados estejam sujeitos a regime especial de trabalho, em virtude de lei; e) aos empregados de empresas de propriedade da União Federal, quando por estas ou pelos Estados administradas, salvo em se tratando daquelas cuja propriedade e administração resultem de circunstâncias transitórias".



                                    O Decreto-lei n. 5.175 de 01 de julho de 1943 tratou da admissão do mensalista (art.26), contratado e tarefeiro para Administração Pública. O Decreto-lei n. 7.889 de 21 de agosto de 1945 determinou aplicar a legislação de proteção do trabalho aos empregados das autarquias industriais.



                                    O art.7º da CLT logo seria reformado pelo Decreto-lei n. 8.079 de 11 de outubro 1945, juntamente com o Decreto-lei n. 8.249 de 29 de novembro de 1945, fixando a redação atual. Suprimiu-se a letra "e" do art.7º e deu-se nova redação às letras "c" e "d":



                                    "c) aos funcionários públicos da União, dos Estados e dos Municípios, e aos respectivos extranumerários em serviço nas próprias repartições:



                                    "d) aos servidores de autarquias paraestatais, desde que sujeitos a regime próprio de proteção do trabalho que lhes assegure situação análoga às dos funcionários públicos.



                                    Segundo Victor Russomano (1990, p. 39), ao comentar o art.7º da CLT, afirma que criou-se, há muitos anos, um problema de difícil solução prática. O Estado incorporou várias empresas ao patrimônio nacional. Perguntava-se, portanto, se aqueles que eram empregados antes da Consolidação haviam perdido o apoio desta, pelo fato de, procedida a incorporação, serem classificados como extranumerários. A solução veio na esfera legal. O Decreto-lei n. 8.249 de 29 de novembro de 1945 determinou que se aplicasse a legislação trabalhista aos empregados admitidos antes da incorporação da empresa ao patrimônio nacional e a legislação pertinente aos extranumerários àqueles nomeados após tal fato. Aos primeiros, para a solução de qualquer dissídio, continuariam abertas as portas da Justiça do Trabalho. Aos segundos, havia o caminho administrativo, com recurso para a Justiça Comum.



                                    A figura do extranumerário também apareceu na CLT (especificamente o diarista) desde sua redação original, quando trata dos ferroviários:



                                    §1º do art.244 da CLT:

                                    "Considera-se extranumerário o empregado não efetivo, candidato à efetivação, que se apresentar normalmente ao serviço, embora só trabalhe quando for necessário. O extranumerário só receberá os dias de trabalho efetivo".



                                    Neste caso, o extranumerário era uma espécie de chapa, o tipo mais precário possível de regime de trabalho já que o trabalhador não sabe se vai trabalhar quando acorda. O art.244 da CLT, incluindo os seus parágrafos, foi revogado pela Lei n. 3.970 de 1961 e restaurado pelo art.36 do Decreto-lei n. 5 de 04 de abril de 1966.



                                    O extranumerário, entretanto, normalmente trabalhava para a Administração Pública Direta e está definida na letra "c" do art.7º da CLT, citado linha atrás. A Carta de 1946 veio a efetivar os então atuais funcionários interinos da União, dos Estados e dos Municípios com mais de cinco anos. Também os então “atuais extranumerários que exerçam função de caráter permanente há mais de cinco anos ou em virtude de concurso ou prova de habilitação serão equiparados aos funcionários, para efeito de estabilidade, aposentadoria, licença, disponibilidade e férias" (art.23 das DT da CF/46). A Lei n. 525-A de 07 de dezembro de 1948 deu cumprimento ao referido artigo constitucional. Também a Lei n. 2.284 de 09 de agosto de 1954 tratou da estabilidade do extranumerário.

                                    Em 28 de outubro de 1952, por meio da Lei 1.711 criou-se o segundo estatuto do servidor público da União. Em seu art.252, II, dispôs sobre o regime do extranumerário. A Lei n. 1.890 de 13 de junho de 1953, em seu art.1º, veio a determinar que "os mensalistas e diaristas da União, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios e das entidades autárquicas, que trabalharem nas suas organizações econômicas, comerciais ou industriais em forma de empresa e não forem funcionários públicos ou não gozarem de garantias especiais, aplicando-se, no que forem aplicáveis, as providências constantes dos arts. 370 a 378 - 391 a 398 - 400 - 402 a 405, letra "a" e parágrafos - 407 - 408 - 411 - 424 - 427 - 446 e parágrafo único - 450 - 457 e §§1º e 2º - 464 - - 472 - 473 - 477 a 482 - 487 - 492 a 495 da CLT".



                                    Assim, criou-se um sistema de trabalho que só se adota parte da CLT, híbrido. Essa ideia de lei do trabalho apenas de forma parcial sofreu enorme influência nos administradores, que eventualmente usam esse artifício até os dias atuais para contratos precários (atualmente os temporários). Caso típico de exclusão dos celetistas que trabalhavam para o Estado era a proibição de sindicalização e não aplicação de políticas salariais[5]

A Lei n. 3.780 de 12 de julho1960 dividiu o pessoal civil do Poder Executivo da União em duas grandes classes: a de funcionários e a de empregados, estes sujeitos à legislação do trabalho (art.26).

                                    O Governo militar procurou pôr ordem nas classificações dos servidores do Estado, apesar de vir a ser o que mais criou entes paraestatais. Na verdade, intensificou-se uma tendência que já existia: ampliar o quadro de celetistas a serviço do Estado. O conhecido Decreto-lei n. 200 de 25 de fevereiro de 1967 dispôs sobre a organização administrativa federal e estabeleceu diretrizes para a Reforma Administrativa, criando metas aos servidores. Estabeleceu, em seu art.96, que "nos termos da legislação trabalhistas terá, no mais breve prazo, revista sua lotação, a fim de que passe a corresponder a suas estritas necessidades de pessoal e seja ajustada às dotações previstas no orçamento". Negou a caracterização de vínculo empregatício aos colaboradores eventuais (art.111) e levantou a hipótese de opção do regime estatutário para o celetista (art.114), além de outras diretrizes.

Esse Decreto de 1967 ainda é considerado a norma que veio a incentivar a terceirização na Administração Pública, por meio de seu §7º do art. 10. Não pretendemos aqui falar em terceirização, apenas dos contratados diretos pela Administração, porém, ressaltamos que a terceirização também acabou sendo uma grande válvula de escape para o aumento de contratação de trabalhadores regidos pela CLT.



Pelo Decreto n. 64.715 de 18 de junho de 1969 ficou "vedado, na Administração Federal Direta e nas Autarquias, o ingresso de pessoal, a qualquer título, inclusive sob a forma de prestação de serviços mediante recibo" sem sua autorização.

Na década de 1970, forçou-se a transformação de órgãos públicos em sociedades de economia mista, e a consequente opção dos servidores estatutários à condição de celetistas. Nesse sentido surgiu a Lei n. 6.184 de 11 de novembro de 1974:



                                    "art.1º - Os funcionários públicos de órgãos da Administração Federal Direta e autarquias que se transformaram ou venham a transformar-se em sociedade de economia mista, empresas públicas ou fundações poderão ser integrados, mediante opção, nos quadros de pessoal dessas entidades".



No mês seguinte criou-se a Lei n. 6.185 de 11 de dezembro de 1974 que dividiu as empresas em regimes. "As entidades inerentes ao Estado como Poder Público, sem correspondência no setor privado..." seguem o regime estatutário e, para os demais, segue-se o regime celetista sem direito a greve e sindicalização (arts.2º e 3º).

O §2º do art.163 da Constituição de 1967 (reproduzido no §2º do art.170 da CF/1969 e o original §1º do art.173 da CF/88) estabeleceu para as empresas públicas, as autarquias  e as sociedades de economia mista as normas das empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho. O Decreto-lei n. 225 de 28 de fevereiro de 1967 determinou que o regime jurídico do pessoal do INPS seria o da legislação trabalhista. A Carta de 1969, §2º do art.179 e a Carta de 88, §1º original do art.173, mantiveram a norma, porém excluíram as autarquias do regime privado.



3.PERÍODO PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição de 1988 surgiu com a intenção de moralizar a diversidade de regimes dentro da Administração Pública Direta, deixando pouquíssimo espaço para o que antes era considerado contrato precário, como o extranumerário ou o interino. Foi instituiu o regime jurídico único para os servidores civis da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional dos respectivos níveis: União, estados e municípios, conforme "caput" do art.39:

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”.

Por meio de lei a União criou um novo estatuto (Lei n. 8.112/90), incorporando os trabalhadores celetistas, salvo os contratados por prazo determinado (art. 243 e seus parágrafos). Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por esta lei foram transformados em cargos, na data de sua publicação. Criou-se, então, uma nova conversão obrigatória de regime. A mesma Constituição, em seu art. 19 das DT, também concedeu estabilidade aos que tinham cinco anos de serviço na data de sua promulgação. E, ainda, no art. 18 das DT, não admitiu concessões de estabilidades criadas a partir da instalação da Assembleia Constituinte, o que ocorreu em muitos estados à véspera de promulgação da Constituição, os chamados “trens da alegria”.

A Lei n. 8.852 de 04 de fevereiro de 1994 veio a implementar os incisos XI e XII do art.37 da Constituição Federal, referente ao teto máximo do vencimento dos servidores e a relação de vencimentos entre os servidores dos três poderes da União. Tais normas referem-se aos servidores estatutários, que possuem vencimentos. Porém, essa lei também tratou dos trabalhadores das empresas da Administração Indireta que possuem regimes de emprego e seguem a CLT. Para tal, a Lei considera vencimento básico o salário estipulado em planos ou tabelas de retribuição ou nos contratos de trabalho, convenções, acordos e dissídios coletivos, para os empregados de empresas públicas, sociedade de economia mista, controladas ou coligadas, ou de quaisquer outras empresas ou entidades de cujo capital ou patrimônio o poder público tenha controle ou indireto, inclusive em virtude de incorporação ao patrimônio público (letra "c" do inciso I do art.1º). Assim, a lei procurou igualar os regimes em relação ao teto da remuneração, uma novidade para os empregados celetistas. Pode-se perceber a dificuldade de implementação dessa regra no âmbito da CLT[6].

No final do ano de 1997, o Governo Fernando Henrique Cardoso baixou um pacote econômico objetivando enfrentar a crise financeira que teve início nas bolsas de valores dos países asiáticos, com reflexos nos países ocidentais, como o Brasil. Entre diversas medidas, como a aumento do imposto de renda da classe média, procurou o Governo atingir o funcionalismo público, prometendo demitir 30 mil que não possuíam a estabilidade. Surgiu a Medida Provisória 1.595-14 de 10 de novembro de 1997, convertida na Lei n. 9.527 de 10 de dezembro de 1997, que alterou substancialmente o Estatuto do Servidor Público da União, inserindo três novos parágrafos nas Disposições Transitórias da Lei n. 8.112. Destaca-se o §7º do art.243:



                                    "Os servidores públicos de que trata o caput deste artigo, não amparados pelo art.19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, poderão, no interesse da Administração e conforme critérios estabelecidos em regulamento, ser exonerados mediante indenização de um mês de remuneração por ano de efetivo exercício no serviço público federal".



                                    É que aqueles empregados que tiveram seus regimes convertidos pela Lei n. 8.112, citado em linhas atrás, e que não tinham adquirido a estabilidade prevista no art. 19 das DT, estavam numa situação não muito bem definida. Criou-se, assim, uma possibilidade de demissão com indenização semelhante à do caput do art. 477 da CLT. Sem dúvida a modificação sugeriu discussões variadas, todavia as prometidas demissões ao que parece nunca chegaram a ser efetivadas.

Já a Emenda Constitucional n.19 de 04 de junho de 1998 veio a alterar o art.39, afastando o regime jurídico único, não definindo que tipo de regime deveria ser aplicado aos servidores, apenas garantindo determinados direitos e deveres, como faziam as últimas Cartas. Entretanto, o STF veio a suspender a eficácia desta Emenda (DIN nº 2.135-4).

O ano de 1998 foi importante em função da Reforma Administrativa e da Reforma Previdenciária do governo Fernando Henrique Cardoso.  A Emenda Constitucional n.19 também veio a alterar o §1º do art.173, passando à seguinte redação:



                                    "A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica produtiva ou comercialização de bens ou prestação de serviços..."



  A partir de então, a Constituição de 1988 deixou em aberto qual o regime a ser seguido pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, até então pelo regime das empresas privadas. Ou seja, a tentativa era a de desconstitucionalizar a definição de regime, o que também tentara em relação ao regime jurídico único.

Entretanto, o regime de emprego das sociedades de economia mista e das empresas públicas, dificilmente seria outro que não o da CLT. Seria difícil de conceber um novo ou especial regime para tais empresas. O espaço aberto deixado pela nova redação foi o de aplicar a CLT parcialmente, suprimindo certos direitos, porém não é isso que a nova redação se refere.

No ano 2000 ainda tivemos novidades no regime dos empregados da União regidos pela CLT, a Lei n. 9.962 veio a disciplinar o “regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional”. Essa lei concedia estabilidade aos contratados, que não seriam nem os exercentes de cargo em comissão e nem os estatutários. Ao que parece, essa lei surgiu ainda com a intenção mudar o art. 39 da Constituição, que ocorreu pela EC n. 19 e que não chegou a ocorrer em função de decisão do STF comentada por nós linhas atrás.



Vejamos agora como ficou o contrato dos temporários pela Constituição de 1988. Como dito, ela procurou estabelecer o regime jurídico único para cada ente da federação, mas mesmo assim deixou espaço para os contratados, sempre justificados com as necessidades urgentes (inciso IX do art. 37 da CF/88), e que sempre foram uma válvula de escape para aliviar a rigidez do concurso público. O Inciso IX do art. 37 da CF cuidou do tema, mas não definiu qual o regime de trabalho, diferentemente da Carta anterior que definia para eles o regime trabalhista (art. 104 da CF/1967). A CF/88, fixou que tais trabalhadores admitidos sem concurso público, mas por mera seleção, seriam necessariamente contratados a prazo. Não deixou espaço para outros tipos de contratos precários contratados sem limite de prazo, como os antigos extranumerários ou interinos.

A Lei 8.112 veio a definir como regime de trabalho para tais contratados a prazo o contrato de locação de serviços do Código Civil de 1916, como ocorria antigamente com os contratados do primeiro Decreto n. 240 de 04.02.1938. Mas o Código Civil a esta altura não servia mais como regime de trabalho tal a complexidade das novidades da legislação trabalhista que, passou a incluir, por exemplo, o FGTS. A intenção, entretanto, era fugir à CLT.

Pouco depois, foi criada uma lei especial tratando do regime de trabalho do contratado a prazo, a Lei n. 8.745 de 1993. Esta lei criou normas sobre definição do que seja necessidade temporária de excepcional interesse público, mas não definiu os direitos desses trabalhadores, embora tenha sofrido diversas alterações. O entendimento que prevaleceu foi o de que tal contrato tem natureza administrativa, não sendo um contrato de emprego regido pela CLT. Essa definição foi sacramentada em função da discussão sobre a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho após a EC n. 45 de 2004, quando o STF entendeu que não competia a esta Justiça especializada julgar qualquer tipo de contrato administrativo. Na prática, muitos desses contratos administrativos passaram a ser fixados com adoção parcial da legislação trabalhista, como a concessão do FGTS, do aviso prévio etc, mas sem qualquer tipo de estabilidade.

Um capítulo à parte diz respeitos aos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias. Estes trabalhadores eram contratados a prazo, na forma do inciso IX do art. 37 da CF/1988. Porém, passaram a ter seus contratos a prazos renovados anos após anos, criando um mal estar enorme e sem saída. Ou faziam concursos públicos ou mantinham sucessivas renovações de contratos a prazo, o que gerava problemas técnicos e sociais.

Abriu-se, então, uma grande exceção. A Emenda Constitucional n. 51 de 2006 veio a permitir o acesso de tais trabalhadores fossem regidos pela CLT, embora contratados diretamente pela Administração Pública Direta. Tal Emenda veio a ser regulamentada pela Lei n. 11.350, de 2006, especificamente pelos artigos 9º e 17º; e, também, pela Lei n. 13.026, de 2014. Ou seja, tais trabalhadores passaram a ter contratos por tempo indeterminado, laborando ao lado dos estatutários. E seu ingresso não dependia de concurso público, mas de mera seleção, sendo mesmo aproveitado muitos dos antigos trabalhadores contratados a prazo.

Provavelmente essa quebra de rigidez do regime jurídico único não ocorreu em função do aumento da terceirização, ou seja, contratação de generalizada de empresas prestadoras de serviços. No caso mesmo da contratação de agentes de combate às endemias, muitos municípios contrataram empresas especializadas para este serviço[7].



4. A IGUALDADE E O EQUILÍBRIO ENTRE REGIMES DE TRABALHO



Retomamos aqui a questão que indagamos na introdução deste texto. Verificamos que até mesmo dentro da Administração Pública Direta há enorme dificuldade de existir um único regime jurídico, mesmo excluindo os exercentes de cargo em comissão. O regime estatutário é bem estruturado, assim como o regime da CLT, porém há o entremeio de trabalhadores contratados diretamente ainda que provisoriamente. A terceirização na Administração Pública veio a desafogar a rigidez do regime estatutário, que exige concurso público e confere estabilidade ao servidor, mas os trabalhadores terceirizados não são contratados diretamente por ela e, em tese, não afetam o regime jurídico único. Trata-se de contrato de prestação de serviços que começaram a ser intensificados a partir da Reforma Administrativa criada no Regime militar (Decreto-lei n. 200 de 1967), adotada e aumentada nos governos posteriores. Nosso foco, entretanto, são os trabalhadores que prestam serviços diretos à Administração Pública.

Mas os contratados diretamente continuaram, embora em princípio seja para situações emergenciais, mas nem sempre. O caso dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias que foram contratados administrativamente e em função de emergência e a prazo, mas se tornaram empregados por tempo indeterminado, já colocara em dúvida a rigidez da validade do regime jurídico único da Constituição de 1988. Houve, assim, uma “fissura no dique” no caput do art. 39 da Constituição de 1988 com a exceção criada em 2006 de que já falamos. Lembro que na Reforma de 1998 esse artigo já havia sido modificado para permitir de forma ampla a quebra do regime jurídico único, o que não ocorreu em função da decisão do STF.

 O Regime militar também expandiu o regime da CLT para as sociedades de economia mista e para as empresas públicas, criando uma elite de trabalhadores celetistas com benefícios superiores ao dos demais trabalhadores privados, inclusive, em muitos casos, em relação à aposentadoria por meio de fundações que complementam o parco benefício do INPS/INSS que todos trabalhadores do regime privado recebem, seja em função de seu teto raso, seja em decorrência dos reajustes que não acompanham o seu padrão inicial.

Esse sistema de complementação de aposentadoria por meio de fundações permaneceu após o regime militar e foi incrementado nas décadas seguintes. Recentemente ele serviu de modelo para a Reforma Previdenciária de 2012, que veio a igualar a aposentadoria do estatutário ao dos demais trabalhadores celetistas, inclusive com o mesmo teto raso. E, ainda, igual a grande parte dos empregados das sociedades de economia mista e empresas públicas, que têm a opção de se filiar a uma fundação de previdência privada para complementar sua aposentadoria. Para os estatutários, a então recém criada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo – Funpresp-Exe pelo Decreto n. 7.808 de 2012.  Vemos que com certa rapidez os sistemas vêm se aproximando, ainda que pelo regime previdenciário.

Esse novo sistema previdenciário não quebrou o sistema dos servidores admitidos antes ou que não quiseram optar pelo novo regime. Embora as aposentadorias do funcionalismo público sejam mais elevadas que a do setor efetivamente privado, há a lógica de que os servidores públicos contribuem com mais recursos. Portanto, a transformação de um regime para o outro deve ter o cuidado de não ferir direitos adquiridos, ou ainda garantir a justiça de não igualar os que contribuíram desigualmente. Uma política de distribuição de renda por meio do sistema previdenciário tem que ser transparente, e não como um “erro de cálculo”. Parece bastante claro que o setor público vem sendo atingido com mais radicalidade que o setor privado, embora historicamente é justa a aproximação entre tais sistemas de trabalho, afinal todos são cidadão que trabalham em prol de um país melhor. 

Mas foi no setor público que o fator idade foi implementado. A Reforma de 1998 criou o requisito da idade para o estatutário aposentar (55 anos para mulher com trinta de contribuição e 60 anos para homem com trinta e cinco de contribuição), inclusive acabando com vantagens do tempo de serviço de 30 anos para magistrados e procuradores do MP. A limitação de idade não passou no Congresso para o setor privado por um voto. Só agora, depois de 20 anos é que o fato idade começa rediscutido no Congresso para o setor privado.

Vemos assim, que um processo isonômico de regimes de trabalho vem sendo colocado aos poucos na ordem do dia, ainda que pela premência da sobrevivência do sistema previdenciário.

É possível um regime previdenciário único para regimes de trabalho distintos? A questão que pretendemos destacar aqui é se esse processo isonômico pode prosseguir normalmente sem se igualar o regime de trabalho, mas é necessário equilíbrio e justiça. Atualmente existe muito desequilíbrio entre os regimes de trabalho, seja entre o do estatutário e o do celetista, seja entre o do estatutário e o dos contratados diretamente pela Administração Pública, seja entre o dos celetistas do setor privado e o dos celetistas das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Até que ponto a lógica dos antigos positivistas sociológicos não estavam certos? Pelo menos no ponto da isonomia a preocupação era válida, não em relação ao seu combate contra qualquer regulamentação profissional. Esta já é algo irreversível mundialmente. Porém, o ponto de vista dos positivistas sociológicos, de prevalecer uma igualdade total parece bem distante da realidade. Mas é possível que haja equilíbrio de direitos entre os regimes de trabalho, para acompanhar o que se busca na previdência social.

Provavelmente só em raros momentos históricos seria possível afirmar que os regimes de trabalho se equilibravam. Não nos referimos mais a igualdade de regimes, mas a equilíbrios de regimes, quando suas as vantagens e desvantagens se compensam. Isso exigiria uma pesquisa mais profunda, mas alguns elementos podem ser destacados. Enquanto a estabilidade sempre foi um elemento positivo a favor dos estatutários, o FGTS passou a ser uma vantagem aos celetistas. Algumas vantagens dos estatutários e dos empregados públicos são justificadas por meio do concurso público, porém não é possível aos estatutários negociarem coletivamente vantagens. Os direitos adquiridos por meio de cláusula contratual não podem ser suprimidos contra o empregado, já os estatutários não possuem contratos e param de receber certo direito quanto a lei que o concedia é revogada. 

Durante as décadas de 1970 e 1980, o emprego público em estatais possuía estabilidade de fato, ou por meio de negociação coletiva e eram os mais procurados. Os benefícios destes trabalhadores eram bem superiores a todos outros regimes de trabalho. Já com o aumento da crise econômica começaram os planos de demissões incentivadas, ou mesmo demissões sumárias neste setor. Também empresas estatais foram privatizadas ou mesmo extintas. A partir de então o regime estatutário forneceu melhores condições tais como a estabilidade legal no emprego, mas por sua vez o seu regime previdenciário começou a ser ameaçado em anos mais recentes.

Atualmente a possibilidade de igualdade tenderia a um nivelamento por baixo. Há hoje uma visível desvalorização do regime estatutário, sem que sejam valorizados os outros regimes. É preciso, portanto, que a uniformização do sistema previdenciário não signifique um empobrecimento do trabalho assalariado. Pensamos, portanto, que é preciso que esta questão seja levada em conta nas discussões da reforma previdenciária que parece ter se transformado apenas num problema de caixa. Não se pode esquecer que a aposentaria é uma consequência do regime de trabalho.





REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA



BOSI, Alfredo (1992). Dialética da Colonização. Companhia das Letras; São Paulo.

CATHARINO, José Martins, Servidor não estatutário e a legislação trabalhistas, artigo na Revista LTr 41/1149.

COELHO, Edmundo Campos (1999). As Profissões Imperiais – Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930. Record, Rio de Janeiro.

LACERDA, Maurício (1980). A evolução legislativa do Direito Social brasileiro. Nova Fronteira; Rio de Janeiro.

MIRANDA, Pontes de (1947, vol. IV). Comentários à Constituição de 1946, Livraria Boffoni, Santa Catarina.

JACQUES, Paulino (1980) Curso de Direito Constitucional, Ed Forense; Rio de Janeiro.

RUSSOMANO, Victor - Comentários à CLT, 1990, 13ª ed., Editora Forense; Rio de Janeiro.









[1] Maurício de Lacerda destaca que o projeto do Apostolado Positivista (Teixeira Mendes e Miguel Lemos), que defendia a “incorporação do proletariado à sociedade moderna”, foi precursor do Direito Social, por propor fixação de salário (futuro salário-mínimo), limite de jornada de trabalho, concurso público para operários estatais e estabilidade após sete anos de serviço.
[2] Fonte: Textos Didáticos do Pensamento Brasileiro, Puc/Rio.
[3] Na verdade, já existia o crime genérico de “uso de nomes supostos e títulos indevidos”, no Código Criminal de 1830, art. 301: “Usar de nome suposto ou mudado, ou de algum título, distintivo ou condecorado que tenha.” Mas o Código Criminal de 1890 foi específico quanto à prática da Medicina.
[4] Quanto ao chamado pessoal de obras, era contratado por dia e tinha, automaticamente, seu contrato extinto juntamente com a obra. A Súmula 58 do TST de 1974 veio a considerar "ao empregado admitido como pessoal de obras, em caráter permanente e não amparado pelo regime estatutário, aplica-se a legislação trabalhista". Embora não exista mais este regime essa Súmula é mantida pelo TST.

[5] Os funcionários públicos da União estavam proibidos de criar sindicatos; porém permitia-se a sindicalização dos “empregados manuais, intelectuais e técnicos de empresas agrícolas, industriais e de transporte, a cargo da União, dos Estados e dos Municípios” (Decreto n. 24.694, de 07/07/1934). A própria a CLT surgiu seguindo a tradição anterior, quando, expressamente vedava a sindicalização dos servidores do Estado e das instituições paraestatais (art. 566). Esse artigo foi mantido, porém foram criados parágrafos permitindo alguns setores de se sindicalizarem-se. A Lei n. 6.128 de 06.11.1974 criou o primeiro parágrafo único, excluindo da proibição "os empregados de sociedades de economia mista". Esse parágrafo foi alterado pela primeira vez, através da Lei n. 6.386 de 09.12.1976, para incluir os empregados das "fundações criadas ou mantidas pelo Poder Público da União, dos Estados e Municípios". Nova alteração do parágrafo foi feito com a Lei n. 7.449 de 20.12.1985, quando incluíram os empregados da Caixa Econômica Federal.
Quanto à ausência de aplicação de políticas salariais, começava-se pela ausência de data-base por falta de sindicato e, por consequência, por ausência de normas coletivas. Já o Decreto n. 54.018 de 14.07.1964, em seu art.3º, determinava que "nenhum reajustamento, revisão ou acordo de caráter coletivo, na área do Serviço Público Federal, inclusive nos órgãos da administração descentralizada e sociedade de economia mista sob jurisdição do Governo Federal ou entidades a ele vinculadas ou, ainda, em sociedades de economia mista financiadas por bancos oficiais de investimentos, poderá ser feito sem prévia audiência do Conselho Nacional de Política Salarial". Tal regramento sempre constava em leis salariais da época. Mesmo quando a lei não dispunha claramente sobre o tema, como a Lei n. 6.708/1979, o poder  judiciário conservava o entendimento: "o reajuste semestral do salário não se aplica ao servidor público regido pela CLT" (Súmula n. 205 do TRF). No mesmo sentido a Súmula n. 235 do TST para os servidores do Distrito Federal. Mesmo quando já existiam sindicatos nas empresas estatais, seus empregados nem sempre se beneficiavam das leis salariais. E o processo de negociação coletiva dos trabalhadores das estatais era levado de forma paralela e com exigências próprias. Os acordos só eram assinado nos termos das resoluções do Conselho Nacional de Política Salarial, sob o risco de nulidade (art.623 da CLT). Pelo Decreto n. 91.370 de 26.06.1985 foi instituído o CISE (Conselho Interministerial de Salários de Empresas Estatais), desdobrado do então conselho anteriormente citado (CNPS-Conselho Nacional de Politica Salarial). Os acordos coletivos só eram formalizados com a aprovação deste órgão político. A Súmula n. 280 do TST de 22.02.1988, hoje revogada, estabelecia que "convenção coletiva, formalizada sem prévia autorização do órgão oficial competente, não obriga sociedade de economia mista".

[6] O Tribunal Regional do Trabalho do Rio de janeiro não aplicou esta regra aos empregados da empresa pública estadual, Companhia de Água e Esgotos, conforme Súmula n. 5 “CEDAE - TETO REMUNERATÓRIO - INAPLICABILIDADE. A CEDAE não está submetida ao limite remuneratório estabelecido no art. 37, inciso XI, da CRFB, por não se inserir na hipótese prevista em seu § 9º, visto que não recebe recursos públicos para pagamento de despesas de pessoal ou custeio em geral."

[7] No âmbito federal, o Decreto n. 9.507 de 21 de setembro de 2018 de Michel Temer veio a regulamentar a contratação de empresas terceirizadas, sendo que diferentemente do anterior então revogado (Decreto n. 2.271 de 1997), estendeu as regras para as sociedades de economia mista e empresas públicas.