IVAN ALEMÃO, Desembargador do TRT/RJ e Professor da UFF-PPGSD;
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO, Auditor Fiscal do MTE e doutorando UFF-PPGSD
GERSON LESTER – Assessor jurídico do TRT/RJ
INTRODUÇÃO
A Justiça do Trabalho desde a EC 45/2004 passou a ser competente para processar “as
ações relativas às penalidades administrativas impostas aos
empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho”
(inciso VII do art. 114 da CF).
As
lides relacionadas com a autuação do Ministério do Trabalho e Emprego
chegam à Justiça do Trabalho por meio de diversos ritos processuais,
sendo o mais conhecido o executivo fiscal, mas também por meio da ação anulatória de ato declarativo da dívida ajuizada pelo autuado insatisfeito, mandado de segurança ajuizado perante Vara do Trabalho, repetição de indébito, ação de consignação em pagamento,
etc. O executivo fiscal é a ação judicial de cobrança, regulada pela
Lei 6.830/80. A defesa do autuado normalmente ocorre nesta própria ação,
quando do ajuizamento dos embargos à execução, após a garantia do
juízo, conforme rege a própria Lei 6.830/80. Porém, o autuado pode se
antecipar ajuizando ação anulatória de ato declarativo da dívida,
conforme art. 38 da Lei 6.830/80, caso em que, segundo a Súmula 247 do
TRF, não precisa garantir o juízo.
Não
se aplica, evidentemente, o rito de reclamação trabalhista, mas sim o
das leis específicas, muito embora em todos os casos os recursos na
Justiça do Trabalho sejam os previstos na CLT, conforme entendimento da
Instrução Normativa 27 de 16.2.2005 do TST, especialmente o seu art. 2º.
Enquanto
a multa é aplicada pelo Auditor-fiscal representando o Ministério do
Trabalho, nos executivos fiscais e nas demais ações quem atua é a
Fazenda Pública, salvo o caso do mandado de segurança quando então o
impetrado é a própria autoridade coatora.
Percebemos
que um dos principais temas que são tratados nas lides desta natureza é
a prescrição. São muitas as dúvidas sobre o tema, ainda não havendo
entendimento bem definido tanto no âmbito do Ministério do Trabalho como
no da Justiça do Trabalho. Por parte desta, certamente há a própria
novidade de a ação tramitar em águas novas. A influência do Direito do
Trabalho certamente ocorrerá em detrimento do Direito Administrativo ou
Direito Tributário, pela própria formação dos juízes trabalhistas.
A
intenção dos autores foi apenas a de sistematizar algumas regras legais
sobre a prescrição nestas ações, porém logo viram que para isso seria
necessário expor quase que todo procedimento de fiscalização e autuação
do Ministério do Trabalho, o que tornou o texto mais extenso. Assim, os
autores passaram a dividir o texto em duas grades partes. A do
procedimento da autuação e o da prescrição, esta fase subdividida entre a
“prescrição” que ocorre na fase administrativa e a prescrição
propriamente dita que ocorre em face do ajuizamento da ação.
Esse texto foi escrito em março de 2014.
PROCEDIMENTO DE APLICAÇÃO DA MULTA
Atribuições do auditor fiscal
As
multas são aplicadas pelo Auditor-Fiscal do Trabalho que, na forma do
art. 11 da Lei 10.593 de 6.12.2002, possuem as seguintes atribuições,
entre outras:
I
- o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as
relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das
relações de trabalho e de emprego;
II
- a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência
Social - CTPS, visando à redução dos índices de informalidade;
III
- a verificação do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço - FGTS, objetivando maximizar os índices de arrecadação;
IV - o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho celebrados entre empregados e empregadores;
V - o respeito aos acordos, tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário;
VI
- a lavratura de auto de apreensão e guarda de documentos, materiais,
livros e assemelhados, para verificação da existência de fraude e
irregularidades, bem como o exame da contabilidade das empresas, não se
lhes aplicando o disposto nos arts. 17 e 18 do Código Comercial.
Parágrafo único.
O Poder Executivo regulamentará as atribuições privativas previstas
neste artigo, podendo cometer aos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal
do Trabalho outras atribuições, desde que compatíveis com atividades de
auditoria e fiscalização.
É
bom observar que essa lei se refere especificamente ao auditor-fiscal,
não ao Ministério do Trabalho e Emprego em geral. Não é o auditor,
portanto, um mero subordinado que cumpre ordens. Ele próprio possui o
poder de polícia e responsabilidade própria. As autuações possuem
significativa autonomia, sendo suscetível a reforma por meio de recursos
administrativos. Trata-se, assim, de uma atividade funcional própria e
com autonomia. As atribuições são do cargo e quem o exerce recebe todas
as atribuições e responsabilidades inerentes a ele.
Há
tempos atrás essa independência era típica apenas de um juiz. Embora
não se pretenda aqui igualar funções ou cargos, o fato é que com a
valorização da democracia, da cidadania e da moralidade pública, outros
cargos vêm ganhando essa autonomia, como os membros do Ministério
Público, e também os auditores. Há tendência histórica em evoluir esse
tipo de autonomia nos cargos que possuem poder de agir ou punir, o que
demonstra maior profissionalismo e responsabilidade dos agentes que os
ocupam, e menor interferência externa pessoal ou política; salvos
aquelas “interferências” que seguem um rito próprio, como o recursal,
com direito de defesa do cidadão e de eventuais prejudicados com o ato
administrativo. Na verdade, não se trata de interferência, mas do
exercício de outro cargo. O importante é existir limites bem claros
entre os cargos, evitando a figura do preposto como ocorre no setor
privado. O aumento da autonomia aumenta a responsabilidade, e também
melhor define o indivíduo que exerce o cargo, evitando a fragmentação da
responsabilidade que tanto gera impunidade em órgãos públicos (o
“empurra-empurra” de culpabilidade), visto em ações civis públicas ou
afins.
Em outros termos, embora continue presente a valorização da instituição, que no caso é o Ministério do Trabalho, ou mesmo o poder executivo no sentido mais amplo, paralelamente se faz presente o agente público, no caso o auditor-fiscal. Ele é que faz o elo prático de fiscalização/autuação entre a instituição e fiscalizado.
O
Ministério do Trabalho e Emprego por meio de seus auditores-fiscais
aplicam multas com base na CLT e legislação do trabalho em geral, mas
também com base em outras leis que eventualmente tratam de obrigações
trabalhistas. Exemplo é a autuação feita pelo MTE em função da Lei
Previdenciária, quando trata de cota para deficientes físicos e
reabilitados ou de estabilidade do acidentado.
Passo a passo do processo de autuação trabalhista
O
primeiro momento importante do processo administrativo de autuação
trabalhista é a lavratura do auto de infração, que no processo judicial
equivaleria por analogia à petição inicial.
Verificando
o auditor fiscal do trabalho em ação fiscalizadora a violação de
preceitos de proteção ao trabalho, deve, por dever funcional, proceder à
lavratura do auto de infração, sob pena de responsabilidade
administrativa (art. 628, CLT).
Art. 629 da CLT
- O auto de infração será lavrado em duplicata, nos termos dos modelos e
instruções expedidos, sendo uma via entregue ao infrator, contra
recibo, ou ao mesmo enviada, dentro de 10 (dez) dias da lavratura, sob
pena de responsabilidade, em registro postal, com franquia e recibo de
volta.
§
1º O auto não terá o seu valor probante condicionado à assinatura do
infrator ou de testemunhas, e será lavrado no local da inspeção, salvo
havendo motivo justificado que será declarado no próprio auto, quando
então deverá ser lavrado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena
de responsabilidade.
§
2º Lavrado o auto de infração, não poderá ele ser inutilizado, nem
sustado o curso do respectivo processo, devendo o agente da inspeção
apresentá-lo à autoridade competente, mesmo se incidir em erro.
§ 3º O infrator terá, para apresentar defesa, o prazo de 10 (dez) dias contados do recebimento do auto.
§
4º O auto de infração será registrado com a indicação sumária de seus
elementos característicos, em livro próprio que deverá existir em cada
órgão fiscalizador, de modo a assegurar o controle do seu processamento.
O
referido artigo da CLT trata especificamente da autuação. Vamos agora
cotejar os principais atos de todo o processo administrativo:
1 - A Notificação para Apresentação de Documentos
(NAD) marca o início do procedimento fiscalizatório. Para o fim de se
apurar o cumprimento da legislação trabalhista, a Secretaria de Inspeção
do Trabalho orienta os Auditores Fiscais do Trabalho (AFT) a
retroagirem a apuração até a última inspeção realizada, ou aos últimos
cinco anos;
2 - Em caso de punição administrativa haverá a lavratura do Auto de Infração
(AI). Por representar a conclusão/materialização da ação punitiva, a AI
é a peça inicial da abertura do processo administrativo de imposição de
multa.
3
– O Auto de Infração não faz referência a valor de multa. Isto ficará
por conta da notificação para imposição da multa, que é enviada depois
pelo correio para o autuado. No entanto, o MTE adota o entendimento que a
punição já se completa com a lavratura do AI. Isto é tão verdadeiro que
deste ato já é possível o autuado apresentar uma defesa.
Porém, após a notificação da imposição da multa, abre-se prazo para
pagamento e para (“novo”) recurso. Neste, inclusive, podem ser
reprisados os argumentos da primeira defesa, além de outros,
relacionados, por exemplo, ao valor atribuído à multa. Nesse sentido,
para o MTE, a imposição da multa, embora não esteja situada no mesmo
momento lógico da lavratura do AI, é vista como mero desdobramento da
punição administrativa, notadamente a medida pecuniária da infração
cometida.
4
- Dependendo da situação, o cálculo da multa pode ser trabalhoso.
Algumas multas são dimensionadas por “número de trabalhadores em
situação irregular”, que há de ser sempre contemporâneo à data da
infração. Este acento é importante para excepcionar a punição da
inadimplência com o recolhimento do FGTS, infração esta que, com
frequência, se protrai no tempo. É que nesta seara a Inspeção do
Trabalho se reveste de características semelhantes à fiscalização de
tributos. Logo, a punição administrativa, neste contexto, consiste em
dois momentos lógicos: a autuação e o levantamento do débito do FGTS. No
primeiro momento, há de se levar em conta todos os trabalhadores
afetados nos últimos cinco anos (sim, a multa é per capita).
No segundo, o do levantamento do débito, levar-se-á em conta a
prescrição trintenária, conforme Súmulas 210 e 353 do STJ, referendando
posição adotada originariamente pelo Pleno do STF em 1987, no âmbito do
RE 100.249, a teor da EC 08/77.
5
- Imposta a multa, dá-se prazo ao autuado para recorrer ou pagar, como
dito anteriormente. Caso recorra, tem-se iniciado a primeira instância
recursal, que ocorre no âmbito das Superintendências Regionais. Caso a
decisão seja pela manutenção da multa administrativa, o autuado ainda
poderá recorrer em segunda instância, que proferirá a decisão final e,
mantendo a punição, dar-se-á a constituição da dívida. O processo pode
ser encaminhado de ofício à segunda instância recursal (Secretaria de
Inspeção do Trabalho) caso a primeira instância decida pela anulação da
multa, independentemente do recurso do autuado.
6
- Após a constituição da dívida decorrente da multa administrativa, a
autuação ou a decisão final do recurso administrativo, se for o caso, o
processo (na verdade a documentação relativa à constituição da dívida e o
demonstrativo de débito) deverá ser encaminhado à Procuradoria da
Fazenda Nacional, caso o valor constituído supere o limite mínimo de mil
reais para inscrição em DAU. Caso não alcance esse limite, o feito será
mantido sob a guarda do MTE, até que outras dívidas constituídas em
face do mesmo autuado possam ser reunidas para remessa à PFN, conforme
trataremos no tópico sobre pequenos valores.
Critérios de aplicação das multas dos auditores
O
Ministério do Trabalho e Emprego possui critérios de proporcionalidade
na aplicação de multa que buscam a natureza da infração, a intenção do
infrator, os meios ao alcance do infrator para cumprir a lei, a extensão
da infração e a situação econômico-financeira do infrator. É o que rege a Portaria 290 de 11.04.1997, do Ministro do Trabalho e Emprego Paulo Paiva:
Art.
2º As multas administrativas variáveis, quando a lei não determinar sua
imposição pelo valor máximo, serão graduadas observando-se os seguintes
critérios:
I- natureza da infração (arts. 75 e 351 da CLT);
II- intenção do infrator (arts. 75 e 351 da CLT);
III- meios ao alcance do infrator para cumprir a lei (art. 5º da Lei nº 7.855/89);
IV- extensão da infração (arts. 75 e 351 da CLT);
V- situação econômico-financeiro do infrator (art. 5º da lei nº 7.855/89).
O
interessado que quiser exigir o cumprimento desta Portaria ou
questionar ato que envolva a oportunidade, conveniência ou
proporcionalidade da pena, deve recorrer administrativamente. O
Judiciário só poderá declarar a prescrição ou declarar a nulidade do
ato. Trata-se da regra geral de separação de poderes, entre o executivo e
o judiciário, de que o judiciário não aprecia o mérito administrativo.
Não raramente a nulidade de um ato administrativo vicia todo o processo, pois o juiz não pode modificar ou corrigir
qualquer ato administrativo que dependa do ato discricionário próprio
do auditor ou do órgão recursal. Se um agente ou um órgão competente
aplica uma pena exagerada ou abusiva, ela também pode ser anulada por
ter desviado a finalidade da lei.
Em
outros termos, não cabe ao Judiciário discutir o valor da multa. Temos
visto casos em que a Fazenda executa diversas multas de um mesmo
infrator, sendo que algumas estão prescritas ou nulas, caso em que a o
valor da execução pode ser alterado. Mas, neste caso, se trata de um
feixe de ações. Isso é, inclusive, regulado pelo caso de pequenos
valores, que trataremos num tópico próprio.
Embora
a economia processual seja bem vinda, as dificuldades processuais são
enormes já que uma ação pode ser prejudicada em face de outra. A Justiça
do Trabalho conhece bem esse problema por possuir as chamadas ações
plúrimas, e a substituição processual dos sindicatos de trabalhadores.
Como
visto, existe todo um procedimento de autuação da empresa infratora com
vistas a materializar a ação fiscal e proporcionar a ampla defesa.
Analogia com o Direito Tributário
Certamente
as multas correspondem a créditos não-tributários. Porém, a própria
necessidade de distinção já demonstra a influência. Foi o Direito
Tributário que forneceu os principais conceitos e lógica do processo de
autuação.
Muitas expressões utilizadas no processo de autuação têm origem no processo tributário. Não há como fugir a esse paralelo.
Cumpre
destacar que, embora de natureza não-tributária, as dívidas oriundas de
violação a preceitos de proteção ao trabalho também devem estar
constituídas (lançadas, caso se utilize expressão importada do direito tributário) para que possam ser inscritas na forma do art. 641, CLT e, então servirem de título líquido e certo (certidão de dívida ativa).
A obrigação tributária
é um primeiro momento, em que não há ainda determinação de seu objeto e
nem identificação formal do sujeito passivo responsável. Ela é um
momento que antecede a constituição do chamado crédito tributário, que vai se constituir com o lançamento que é o ato que confere liquidez e certeza à relação tributária. Assim, o fato gerador,
pelo regramento do CTN, dá ensejo ao nascimento da obrigação
tributária, enquanto o crédito tributário somente nasce com um
específico ato jurídico, formal e específico denominado lançamento.
Enquanto
as multas pressupõem, sempre, a violação de uma norma, sendo expediente
através do qual, em verdade, procura o poder público restabelecer a
ordem jurídica supostamente violada, os tributos são uma prestação
pecuniária sem caráter sancionatório de ato ilícito. Ao contrário, os
tributos sempre têm, como hipótese de incidência, uma situação de fato
lícita, suficiente e necessária para configurar a obrigação de pagamento
do tributo. Em comum, as multas e os tributos têm, de acordo com
consagrada classificação doutrinária, o fato de serem ambas espécies de
receitas derivadas, ou de Direito Público por serem rendas colhidas no setor privado por ato de autoridade.
Nos dois casos há necessidade de fiscalização, e seus respectivos processos administrativos possuem uma fase acusatória
de cunho constitutivo, em que o ato sancionatório de polícia propicia
ao infrator a oportunidade de impugnar a acusação produzindo as provas
necessárias às suas alegações; e uma fase executória que se inicia após a conclusão do procedimento administrativo fiscal.
Os
tributos são obrigações que podem e devem ser recolhidos
espontaneamente, diferentemente da multa que embora também seja prevista
em lei, depende, no mínimo, de intimação e de expedição de uma guia
especial. O crédito advindo da multa é constituído de forma totalmente
extraordinária, e a tendência à resistência ou insatisfação é bem maior.
Mas, mesmo que imaginemos um cidadão que cometa um ato ilícito
suscetível à multa, queira logo quitar seu débito, certamente terá
dificuldade burocrática e terá que aguardar ritos pré-estabelecidos
pelas normas afins.
No
caso, inexiste aquela figura civilista de duas partes (cidadãos)
negociando ou litigando. A obrigação tributária se confunde com a
própria cidadania, não havendo aquela “outra parte” tão interessada e
vigilante, pois depende do poder geral da Administração Pública de
fiscalizar, autuar e cobrar. Porém, qualquer cidadão pode denunciar, e
todas as autoridades têm o dever de oficiar quando tomam conhecimento de
atos ilícitos que lesam o erário público. A propósito, se a Justiça do
Trabalho até o início da década de 1990 era uma “ilha Caimã” (“isenta”
de impostos), a partir de então passou a colaborar com o recolhimento da
Previdência Social e da Receita Federal, a ponto de hoje ter, ela
própria, competência para cobrar tais obrigações não-trabalhistas. A
responsabilidade por tais encargos dependiam apenas do juiz que, não
sendo provocado pelas partes para recolher impostos, nada ocorria. Com a
responsabilização do juiz pelo recolhimento previdenciário, iniciou-se
uma fase nova.
Diversamente
do que ocorre no Direito Privado, há aqui nítida dissociação no tempo
entre o momento em que é presenciada a pratica do ato ilícito pelos
órgãos da administração com a apuração da infração e o momento em que se
torna exigível o crédito não-tributário. Equivale dizer que a execução
das multas por infração à legislação do trabalho não dispensa o chamado
procedimento administrativo, que se inicia com a lavratura do Auto de
Infração, pelo Auditor Fiscal, ou mesmo com a notificação para
apresentação de documentos, e pode terminar, entre outras formas, com o
pagamento voluntário, o pagamento coercitivo por meio do executivo
fiscal. Pode também simplesmente ficar constando o débito no cadastro de
devedor em caso de insolvência ou fracasso na execução. Ou, por força
externa, o procedimento administrativo pode terminar com uma decisão
judicial de anulação/nulidade ou de prescrição/decadência.
PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
Os dois prazos de prescrição
A prescrição da exigência das multas trabalhista é hoje regulada pela Lei 9.873 de 23.11.1999, alterada pela Lei nº 11.941, de 2009, que “estabelece
prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela
Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras
providências”.
As
outras leis tornam-se fontes supletivas sobre a prescrição, embora o
contrário não ocorra. Isso porque a referida Lei 9873/99 se autolimita,
vedando expressamente (art. 5º) sua aplicação às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.
A
prescrição das multas já foi tratada por leis afins, entre elas o
Código Civil, o antigo Decreto 20.910 de 1932, o CTN de 1966, e a Lei
6.830/80 que trata do processo do executivo fiscal.
Devemos fazer dois alertas. O primeiro é que regra geral
há dois tipos de prazos, um contra e outro a favor da Fazenda. O prazo
que aqui nos interessa, substancialmente, é o contra a Fazenda, ou seja,
o que se aplica à sua inércia. O outro tipo de prescrição ocorre quando
alguém cobra algum direito da Administração Pública. Não ocorre nos
casos do executivo fiscal.
O
segundo alerta é o de que temos dois tipos de “prescrição”: um no
âmbito dos procedimentos administrativo de aplicação e cobrança da
multa, e outro no âmbito do processo judicial. Isso ficou bem nítido
legalmente com a alteração da Lei 9.873 de 23.11.1999 pela Lei nº 11.941, de 2009:
1º caso (“prescrição” ou decadência)
Art. 1o
Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública
Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia,
objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da
prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia
em que tiver cessado.
2º caso (prescrição)
Art. 1o-A.
Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término
regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação
de execução da administração pública federal relativa a crédito
decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
O
primeiro caso se refere ao prazo para a própria aplicação da multa. A
empresa cometeu o ilícito em determinado dia, e a partir daí conta o
prazo de cinco anos para o a autoridade administrativa multar, sob risco
da decadência ou “prescrição”[1].
O
segundo caso se refere ao real prazo de prescrição, que a Fazenda
Pública tem para cobrar judicialmente a partir da constituição do
crédito.
Essa
“primeira prescrição”, que ocorre no processo administrativo, também
pode ser chamada de decadência se por analogia recorrermos ao Direito
Tributário. Os
dois tipos de prazos equivalem, pelo CTN respectivamente ao art. 173,
que trata do prazo de cinco anos para a Fazenda constituir o crédito, e
ao art. 174 que trata do prazo de cinco anos da prescrição.
Essa
distinção não existia no antigo Decreto 20.910 de 1932, que, diga-se,
ainda não foi revogado expressamente, podendo vir a ser utilizado de
forma residual à diversas leis atuais. Assim o tratava:
Art.
1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem
assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual
ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. (grifo meu).
Neste
caso, o prazo de cinco anos iniciava na data do ato ilícito para a
propositura de ação ou da própria constituição do direito. Não podemos
esquecer que este prazo era contra
o cidadão, pois o artigo se refere a cobrança contra a Fazenda. Não
havia clareza legal do prazo da própria Fazenda para cobrar ou propor
ação. Alguns defendiam a aplicação do prazo de prescrição do Código
Civil, sendo que o entendimento do STJ foi no sentido aplicar o mesmo
prazo de cinco anos também contra a Fazenda, pelo princípio isonômico. Por
este entendimento, se a pretensão do particular contra a Fazenda
Pública prescrevia em cinco anos na forma do Decreto 22.626/1933, as
pretensões desta contra o administrado também se sujeitariam a este
prazo. Esse entendimento foi reafirmado no julgamento do Recurso
Especial 1.251.993/PR, submetido ao rito dos Recursos Especiais
Repetitivos (art. 543-C do CPC), e citado em vários acórdãos do STJ.
Entendo
que essa jurisprudência não será mais de grande valia para os processos
da Justiça do Trabalho, em função da Lei de 1999, ressalvando-se as
raras situações de atos ocorridos antes da lei, inclusive da alteração
de 2009.
Os autores deste texto são simpáticos ao uso da expressão decadência
para caracterizar o prazo da fase administrativa, por ser mais
didático, já que evita confusão, aliás, bem comum, entre as duas
prescrições. Mas também reconhecem que há inconvenientes, o primeiro
porque a própria lei é que “deu o nome”, o que torna a expressão
decadência um tanto “ilegal”. Mas ainda há outro motivo que dificulta o
uso da expressão decadência. É que o prazo da fase administrativa sofre
interrupções (art. 2º da Lei de 1999). Isso contraria a doutrina de que
uma das características da decadência é que ela não sofre interrupção.
Seria talvez uma decadência heterodoxa, algo assim.
O termo prescrição para
fase administrativa, contudo, para alguns doutrinadores, encontra-se
mais correto, pois importaria o decurso do prazo, em extinção da
pretensão punitiva de polícia. Também haveria prescrição para os prazos
dos recursos administrativos. Segundo os mesmo doutrinadores, a decadência
administrativa dar-se-ia em outros casos, como a extinção do direito de
a Administração anular seus próprios atos, conforme art. 54 da Lei
9.784/99.
Como para esse texto não haverá muita diferença entre uma ou outra expressão, deixamos apenas o alerta. Utilizaremos, portanto, neste texto a expressão “decadência” ou “prescrição administrativa”, como equivalentes.
Prescrição de 3 anos (paralisação do processo)
A Lei 9.873 (§1º do art. 1º) estabelece que dentro do prazo de cinco anos o processo administrativo não pode ficar parado por três anos. Ocorre quando o processo administrativo fica aguardando alguma autoridade decidir ou despachar. Observe-se
que a norma claramente faz referência um ato decisório, como aquele que
resolve qualquer questão incidente. Nesse passo, a mora que decorre de
mero impulso processual (como aposição de carimbos, numeração de páginas
ou cumprimento de expedientes ou ordens sobre matéria já apreciada) não
tem o condão de fazer incidir a mencionada prescrição intercorrente.
Esta morosidade burocrática depende do impulso da parte interessada
junto ao cartório. Citamos o §1º em questão:
“Incide
a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três
anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados
de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da
apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se
for o caso”.
Não é o prazo de duração de todo o processo, mas de uma determinada paralisação que pode “antecipar” a prescrição total.
Essa regra é um tanto heterodoxa, para não dizer ilógica. É uma espécie de estranha
prescrição intercorrente. Esta reinicia a contagem do prazo inicial da
prescrição. No caso em questão, dá-se início a um novo prazo de
prescrição de três anos. Ou seja, é um prazo menor que o prazo inicial
de cinco anos. Seria normal a paralisação do processo reiniciasse a
prescrição inicial, de cinco anos, e não iniciar uma de três anos.
É
que a inércia do autor deve causar o reinício da contagem da
prescrição, mas não encurtá-la. Isso cria um fenômeno de haver uma prescrição antecipada. O prazo é de cinco anos, mas pode acabar antes. Suponhamos
que uma empresa cometeu uma infração e foi autuada no dia seguinte.
Porém, o procedimento ficou desde logo parado por três anos por falta de
despacho. Ora, se o auditor poderia autuar no quarto ano, e no caso ele
autuou no dia seguinte, a sua celeridade pode se tornar “pressa”, pois
pode ocorrer a prescrição antes daquele quarto ano.
Parece-nos
que a regra §1º do art. 1º teve a intenção de incentivar a celeridade
administrativa, quase que punindo a administração/administrador e não
exatamente valorizando corretamente o instituto da prescrição.
Percebemos isso quando o referido parágrafo determina que “autos serão
arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada”.
O
parágrafo ainda continua, preocupado em punir o responsável pela mora,
quando termina sugerindo uma responsabilidade funcional.
O
que seria mais lógico e jurídico é que os três anos de paralisação
implicassem em mero arquivamento, mas não prescrição. Isso não impediria
uma nova autuação dentro do prazo de cinco anos da infração.
Da
forma que se encontra a redação do §1º do art. 1º, independentemente de
qualquer responsabilidade funcional, ou de alguma autoridade ter
determinado o seu arquivamento, tal prazo de prescrição de três anos não
se restringe ao efeito administrativo, pois pode ser arguído
judicialmente. Pode, sim, ser arguído na própria administração, mas
também judicialmente por se tratar da legalidade do próprio processo
administrativo. É mais um prazo de prescrição (ou decadência) para ser
questionado judicialmente.
Aqui
cabe uma observação. Os autos dos executivos fiscais nem sempre são
instruídos a ponto de ser verificar peças do processo administrativo.
Não raramente em tais discussões surge também a do ônus da prova, pois o
executado alega que quem possui o documento é a Administração embora
seja ele que tenha trazido o tema à tona. Não
é próprio das ações de executivo fiscal instrução dessa natureza,
porque eventualmente propicia morosidade ou decisões pouco instruídas.
Dar prazos para o exequente juntar documentos não é algo que se espera
em uma execução com título exequível, pois se presume a certeza do
título.
Início e fim da prescrição administrativa
Muito
se discute sobre a interrupção ou suspensão dos prazos, mas o que temos
observado é que para além desta questão, neste caso de aplicação de
multas, há muito mais dúvida sobre o início e o fim da contagem do prazo
(dies a quo e o dies ad quem). O processo de aplicação de multa sofre diversas oportunidades, como demonstramos no nossa passo a passo.
Lembramos
que o tema envolve dois inícios de prazo fatais, um ainda
administrativo para a Fazenda constituir o crédito e cobrar
extrajudicialmente, que conta da autuação administrativa, e a outra para
a cobrança judicial.
O
ato ilícito em si inicia a contagem do prazo. Não é do “conhecimento do
fato” por parte da Administração, regra que utiliza em processos
judiciais, para as lides do servidor público (parágrafo único do art.
110 da Lei 8.112/90), para punições trabalhistas quando se considera
para efeito da imediaticidade da punição o conhecimento da falta do
empregado e não a própria falta. No caso da multa, o início do prazo
ocorre na data da própria infração, pois se trata do próprio dever de
fiscalizar da Administração. Embora esta possa receber denúncias, ela
não pode depender delas. Se ato ilícito for permanente ou continuado, o
início do prazo é o da sua cessação (parte final do art. 1º da Lei de
1999).
Mas
esse prazo é para quê? Para a aplicação do ato punitivo. Não há muita
clareza se se trata de autuação ou da cobrança extrajudicial da multa
(ver passo a passo). O caput
do art. 1º da Lei de 1999 afirma que prescreve em cinco anos a ação
punitiva, objetivando apurar infração à legislação. O que é “ação
punitiva”? Pela lei é o ato que objetiva “apurar” a infração. Essa
redação não é muito clara e usa expressões pouco técnicas. Se usarmos
uma interpretação literal, diríamos que a lei considera que a ação
punitiva tem a finalidade de “apurar” a infração. Ora, a ação punitiva
ocorre quando a infração já foi apurada, e não o contrário.
Nossa interpretação teleológica e sistemática nos leva à conclusão de que o dies ad quem
é a da lavratura da autuação feita pelo auditor fiscal. Essa é a
finalidade de se ter um prazo entre a infração cometida e a formalização
de permite à Administração concluir a fiscalização. Essa é a ação punitiva em nosso entender, de que trata o caput do art. 1º citado.
Podemos, ainda, aceitar que o dies ad quem
é um pouco depois da autuação; quando o auditor não entregou a AI em
mãos e envia pelo correio. O ainda um pouco mais além, quando há a
notificação de cobrança extrajudicial. Embora na autuação o infrator
deva receber cópia e, portanto, toma ciência, só com a sua notificação
para pagar, quando existir o valor líquido, prazo e local certo para
pagar e como pagar, é que a iniciativa administrativa se esgota.
Esta
última interpretação é mais coerente com o CTN; quando trata do prazo
(de decadência) de cinco anos a contar partir do fato gerador (art. 142)
até a constituição do crédito tributário (art. 173). É preciso
interpretar estes dois artigos para verificarmos o início e o fim do
prazo. O crédito é constituído pelo lançamento, “assim
entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a
ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a
matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade
cabível”.
Portanto,
o órgão público teria o prazo de cinco anos para cobrar
extrajudicialmente o infrator, a contar do ato ilícito, sendo a autuação
um procedimento secundário para a contagem do prazo, pois não gera o
início e nem o fim do prazo.
Didaticamente pode ser mais correto indicar o termo ad quem
como o da cobrança extrajudicial, por analogia ao CTN. Todavia, na
prática da fiscalização do Ministério do Trabalho o que acaba se
firmando é a autuação, por ter uma formalidade mais clara quando à data e
a comunicação ao autuado. A cobrança extrajudicial não é tão visível no
caso das multas, como ocorre com os tributos. Pode até o autuado vir a
tomar ciência do valor a pagar quando já existe ação judicial.
Há assim, alguns momentos que podem dar margem a questionamentos, tal a imprecisão da lei sobre o dies ad quem, se da autuação ou da cobrança extrajudicial, mas na prática acaba não tendo tanta consequência, por dois motivos. Primeiro, porque normalmente são momentos curtos entre si que não causam maior transtorno. Segundo porque, se consideramos a cobrança extrajudicial como o termo ad quem mais correto, certamente a autuação interromperia a contagem do prazo (inciso II do art. 2º da Lei de 1999).
Vamos, porém, usar a expressão autuação como a do dies ad quem por ser mais usual no meio administrativo e judicial.
Interrupção do prazo da prescrição administrativa
A Lei 9.873 de 23.11.1999 estabelece:
Art. 2o Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III - pela decisão condenatória recorrível.
A Notificação para Apresentação de Documentos
(NAD), de que tratamos no passo a passo, já teria interrompido o prazo,
o mesmo ocorrendo com qualquer outro ato inequívoco que importe em
apuração do fato (inciso II do art. 2º). Como visto no tópico anterior, a
autuação é o dies ad quem do prazo, portanto não está inserido expressamente no art. 2º, mas se considerarmos a cobrança o dies ad quem, a autuação terá interrompido o prazo por se tratar de um ato inequívoco que importa em apuração do fato (inciso II).
Se
a prescrição que ora estudamos é contra a Fazenda, a interrupção é a
seu favor, pois ela dá mais tempo para efetivar a sua punição.
O
art. 2º da Lei de 1999 é que trata da interrupção do prazo da
prescrição administrativa. O inciso III determina que a “decisão
condenatória recorrível” também interrompe o prazo. Não confundir aqui
com o próprio “caso do recurso administrativo”, que está relacionado com
a discussão da suspensão/interrupção da ação judicial, e veremos mais
adiante quando tratarmos da prescrição judicial.
A “interrupção” vista de forma equivocada
A
falta de clareza sobre a distinção dos dois prazos de prescrição,
administrativo e judicial, pode invocar um equívoco comum, de se afirmar
que a intimação extrajudicial da Fazenda interrompe o prazo da prescrição para ação judicial. No máximo, ela interrompe o prazo da prescrição administrativa.
Não se pode confundir a interrupção do prazo da ação judicial com a interrupção da fase administrativa.
Na
verdade, o que ocorre com essa cobrança extrajudicial é que
provavelmente acaba a própria contagem do primeiro prazo, o de
decadência (ou “prescrição”). Ou seja, não correrá mais o prazo contra a
Fazenda de constituição do crédito (Lei 9.873 de 23.11.1999,
equivalente ao art. 173 do CTN). E é a partir de então que se inicia o
verdadeiro prazo da prescrição (art. 1º-A da Lei 9.873, equivalente ao
art. 174 do CTN). Por coincidência ambos os prazos são de cinco anos,
mas cada um tem um início próprio e fim próprio.
Numa
ação de cobrança (executivo fiscal) o executado pode arguir tanto um
prazo como o outro. No primeiro, ele ataca a própria constituição do
crédito, e no outro caso a mora da Fazenda em cobrar judicialmente o
crédito (dúvida ativa).
O
antigo Decreto 20.910 de 1932 também prevê casos de inércia em seus
arts. 4º e 5º. São preocupações de evitar benefícios àquele que se
mantém inerte.
Concluindo,
afirmamos que tanto o prazo da decadência como o da prescrição possui
interrupção para a lei que ora estudamos. O que não deve haver é a
confusão entre interrupção do prazo administrativo (art.2º) com os dos
prazos judiciais (art. 1º-A e outras leis).
PRESCRIÇÃO DA AÇÃO JUDICIAL E SUAS INTERRUPÇÕES
Se a autuação/constituição do crédito é o dies ad quem do prazo da prescrição administrativa, o é também o dies a quo do prazo da prescrição judicial. É o fim de uma etapa e início de outra.
O art. 174 do CTN considera o início do prazo a constituição do crédito. O art. 1º-A da Lei 9.873 de 1999 segue o seu entendimento, “constituído
definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do
processo administrativo, prescreve em cinco anos a ação de execução da
administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação
de multa por infração à legislação em vigor”.
O que constitui o crédito não tributário? Nada melhor do que analisar por analogia o crédito tributário. Como dissemos antes, o crédito tributário se constitui com o lançamento
que é o ato que confere liquidez e certeza à relação tributária. No
caso das multas, pelo nosso passo a passo, é a lavratura do auto de
infração com sua liquidez. A autuação é, assim, por excelência, o
equivalente ao lançamento, o que significa dizer que é quando se dá o
início do prazo para a cobrança judicial. Mas como necessariamente ele
não é líquido, há que se considerar este fato, como constou em nosso
passo a passo.
A
legislação estabelece uma série de interrupções, não bastando verificar
se houve a prescrição por meio apenas da autuação/constituição do
crédito e a data do ajuizamento do executivo fiscal.
Como
veremos, o próprio recurso administrativo interrompe o prazo para o
ajuizamento da ação de cobrança judicial. Antes, porém, vamos verificar
os outros casos em que ocorrem a interrupção e a suspensão dos prazos.
Na forma da Lei 9.873/99, interrompe-se a prescrição da ação executória
na forma do art.2º-A:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal (repete-se aqui o disposto do §2º do art. 8º da Lei 6.830/80: “o
despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição”). A
regra nas ações trabalhistas sempre será a data do ajuizamento, pois
nestas o juiz não profere despacho ordenador da citação do réu, sendo a
notificação enviada automaticamente pela secretaria da vara (art. 841,
CLT). Mas certamente, prevalece a regra especial da Lei ora comentada e,
na falta de despacho, considera-se a iniciativa administrativa nesse
sentido. II – pelo protesto judicial; III
– por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor (ressalto
que o ato aqui é judicial, não servindo notificações extrajudiciais de
cobrança); IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor; V –
por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de
tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração
pública federal.
A Lei 6.830/80 ainda possui outra regra supletiva de interrupção da prescrição. Na forma de seu art. 40, não correrá o prazo de prescrição, quando o
juiz suspender o curso da execução, por não localizado o devedor ou
encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora. A regra obsta
uma possível aplicação de prescrição intercorrente. Na verdade, não se
trata exatamente de inércia do credor, mas sim de falta de bens ou de
esquiva do devedor, sendo, na verdade, este o real causador da
paralisação do processo. Essa regra vem sendo aplicada por muitos juízes
nas reclamações trabalhistas.
Suspende-se a prescrição, na forma do art. 3º da Lei 9.873/99: I - dos compromissos de cessação ou de desempenho, respectivamente, previstos nos arts. 53 e 58 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994 (tais artigos já foram revogados pela Lei 12.529 de 30.11.2011)[2]; II - do termo de compromisso de que trata o § 5o do art. 11 da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, com a redação dada pela (o caput do referido §5º já foi estranhamente alterado por um Decreto, de n.3.995 de 31.10.200)[3]
A Lei 6.830/80 ainda possui outra regra supletiva de suspensão da prescrição, em seu § 3º do art. 2º:
“A
inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da
legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e
certeza do crédito e suspenderá a prescrição,
para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição
da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”. (gn)
Esse
artigo pode deixar certa margem de dúvida: se ele está tratando do
prazo para a constituição do crédito (decadência) ou para a propositura
da ação judicial de cobrança. Vimos anteriormente que o início da
contagem da prescrição
ocorre com a autuação/constituição do crédito. Com a constituição desse
crédito ocorre o processo de sua liquidez, mas pode haver alguma
defasagem de tempo em função do levantamento contábil, quando então se
abre o prazo suspensivo da prescrição de 180 dias. A inscrição é feita
pela Procuradoria da Fazenda Nacional, conforme §4º do art. 2º da Lei
6.830/80.
Por
esse último aspecto, a regra parece mais adequada para considerar a
suspensão para a propositura da ação judicial. Também o próprio §3º do
art. 2º da Lei 6.830/80 se refere “até a distribuição da execução
fiscal”.
Em todo caso o § 3º do art. 2º da Lei 6.830/80 trata de uma “suspensão” de prazo que ocorre antes do ajuizamento da ação em função do processo de liquidez.
O caso do recurso administrativo
Mas
e quando há o efetivo recurso administrativo? Observe-se que o inciso
não diz que o “recurso” interrompe o prazo, mas sim a decisão suscetível
ao recurso. Como fica então o caso do recurso administrativo?
A
Lei 9.784 de 29.1.1999 que trata dos recursos administrativos
estabelece em seu art. 61 que “salvo disposição legal em contrário, o
recurso não tem efeito suspensivo”, e no seu parágrafo único,
afirma que “havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta
reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a
imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito
suspensivo ao recurso”.
Neste
caso, o efeito suspensivo do recuso administrativo é a favor do
autuado, pois ele poderá “ganhar tempo”, e impedir que a Administração o
execute judicialmente de imediato. Isso porque o recurso pressupõe que a
decisão atacada foi a favor da Fazenda. Só recorre quem foi sucumbente.
Essa
questão é bem interessante. Enquanto a interrupção da prescrição é a
favor da Fazenda já que ela ganha mais tempo para cobrar, o efeito
suspensivo do recurso administrativo favorece o devedor, pois a Fazenda
estará impedida de dar continuidade à execução. Mas se esse recurso
também pode interromper a contagem da prescrição, a Fazenda acaba não
sendo tão prejudicada.
O
efeito suspensivo do recurso não é o mesmo que a interrupção, pois no
caso desta a Fazenda não está impedida de prosseguir a execução. Já o
efeito suspensivo do recurso impede a Fazenda de prosseguir a execução.
O STJ vem entendendo que o recurso administrativo interrompe do prazo da prescrição. Ver acórdão do Resp 1.107.339, de relatoria do ministro Luiz Fux: “Somente
a partir da data em que o contribuinte é notificado do resultado do
recurso é que tem início a contagem do prazo de prescrição previsto no
artigo 174 do Código Tributário Nacional”.
A decisão do STJ é a favor da Administração, já que dilata o prazo de prescrição contra ela.
É
bem verdade que o art. 1ª-A da Lei de 1999, que trata da prescrição da
ação judicial, já considera que o prazo inicia após o “término regular
do processo administrativo”. Se considerarmos que os recursos estendem o
término do processo administrativo, certamente o que o STJ decidiu já
está previsto no caso das multas, que não são créditos tributários.
A desvantagem à Fazenda do efeito suspensivo dos recursos é que ele pode frustar uma futura execução, por isso que a Lei 9.784 de 29.1.1999 só
o aceita de forma excepcional. A desvantagem do executado que recorre
sem efeito suspensivo é que ele poderá sofrer esbulho em seus bens, por
meio da ação do executivo fiscal, e depois ser vitorioso no âmbito
administrativo. É possível, então, nestes casos, que juiz suspenda o
executivo fiscal ou, o mais recomendável, que execute até a garantia do
juízo aos moldes da execução provisória das reclamações trabalhistas (caput do art. 899 da CLT). Isso porque quem pode dar o efeito suspensivo ao recurso administrativo não é o juiz e sim a autoridade recorrida ou a imediatamente superior.
O caso da cobrança de pequenos valores
Por
fim, após a constituição da dívida, o próximo passo seria o
encaminhamento à Procuradoria da Fazenda Nacional para a inscrição em
Dívida Ativa da União (DAU). Contudo, essa remessa não é automática,
pois tem que atender à condição imposta pela Portaria MF 75 de
22.3.2012, que impôs o limite mínimo de R$ 1.000,00 para inscrição em
DAU, e de R$ 20.000,00 para execução fiscal. Caso a constituição da
dívida decorrente da aplicação de multas administrativas pelo MTE não
alcance aquele patamar (R$ 1.000,00), a citada portaria dispõe que a
dívida deverá ficar sob a administração do órgão de origem. Neste caso, o
MTE terá que reunir um conjunto de dívidas constituídas para que,
somadas, superem o patamar mínimo para que haja inscrição em DAU. O mesmo procedimento ocorre no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional, para o fim de execução fiscal.
Em tais casos há interrupção/suspensão do prazo da prescrição?
A
Portaria estabelece em seu art. 3º que tais medidas “suspende a
prescrição dos créditos de natureza não tributária, de acordo com o
disposto no art. 5º do Decreto-lei n. 1.569 de 8.8.1977”.
Ocorre que norma a que a Portaria faz referência é inconstitucional, conforme Súmula Vinculante n. 8 do STF:
“São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do decreto-lei nº
1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da lei nº 8.212/1991, que tratam de
prescrição e decadência de crédito tributário”. A inconstitucionalidade
deveu-se ao fato de o STF entender que a matéria só poderia ser regulada
por lei complementar.
Ou
seja, a Portaria continua válida, pois o caput do art. 5º do
Decreto-lei de 1977 continua em vigor, mas não a suspensão da prescrição (parágrafo único do art. 5º). Ou seja, se a Fazenda não cobrar logo o seu crédito haverá prescrição.
[1] A Lei de 1999 criou uma regra de transição: “Art. 4o Ressalvadas as hipóteses de interrupção previstas no art. 2o, para as infrações ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1o de julho de 1998, a prescrição operará em dois anos, a partir dessa data”.
[2]A atual lei que trata da Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência;
Lei 12.529 de 30.11.2011, tem as seguintes regras sobre prescrição:
Art. 46. Prescrevem em 5 (cinco) anos as ações punitivas da
administração pública federal, direta e indireta, objetivando apurar
infrações da ordem econômica, contados da data da prática do ilícito ou,
no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver
cessada a prática do ilícito. § 1o
Interrompe a prescrição qualquer ato administrativo ou judicial que
tenha por objeto a apuração da infração contra a ordem econômica
mencionada no caput deste artigo, bem como a notificação ou a intimação da investigada. § 2o Suspende-se a prescrição durante a vigência do compromisso de cessação ou do acordo em controle de concentrações. § 3o
Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais
de 3 (três) anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão
arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem
prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da
paralisação, se for o caso. § 4o
Quando o fato objeto da ação punitiva da administração também
constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei
penal.