Autores: IVAN ALEMÃO (juiz
do trabalho do TRT/RJ, doutor professor da UFF) e LUIZ FELIPE
MONSORES DE ASSUMPÇÃO (auditor-fiscal do trabalho e mestrando do PPGSD-UFF)
Resumo
Neste artigo, nossa intenção é levantar uma
discussão sobre a necessidade de avançarmos a possibilidade de criação de
títulos extrajudiciais de créditos trabalhistas, buscando a interação da
Justiça do Trabalho com o Ministério do Trabalho. Dentro desse objetivo, tratamos
da criação da atual Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT),
introduzida na CLT pela Lei 12.440 de 7 de julho de 2011, dos projetos que
tramitam no sentido de ampliar as possibilidades de títulos extrajudiciais
trabalhistas, de normas internas do Ministério do Trabalho e da hipótese da ação
monitória na Justiça do Trabalho.
1. Importância do tema
A garantia do crédito trabalhista vem
evoluindo muito lentamente, sendo que as principais medidas implementadas nos
últimos anos se concentram em mecanismos processuais, e mesmo assim no âmbito
da execução, após longo trajeto da fase cognitiva. Neste rol, provavelmente os
mais importantes procedimentos criados a favor da execução foram os decorrentes
da implementação da ferramenta da informática e da internet, como o
BACEN JUD e outros sistemas de penhora. Mas, por outro lado, não podemos deixar
de destacar que outras medidas judiciais vêm dificultando a eficácia da
execução, independentemente de sua justeza meritória, como a impossibilidade de
prisão do depositário infiel (HC 87.585 do STF e Súmula 419 do STJ), a exigência de demonstração
da má-fé do terceiro adquirente, no caso da fraude de execução (ou fraude à
execução), conforme Súmula 375 do STJ, e, mais recentemente, o enfraquecimento
da aplicação da responsabilidade subsidiária da administração pública, com a
decisão da Adin 16 do STF.
Mas, enquanto a informática aumentou a rapidez de
alguns atos executórios e de informações, vivemos ainda numa relação jurídica
de trabalho em que inexiste, por exemplo, multa em caso de atraso do salário,
mesmo este tendo, reconhecidamente, natureza alimentar. O velho interesse do
capital ainda se sobrepõe ao do trabalho, muito embora isso possa parecer
superado historicamente e despercebido pela população, tanto é que não existe
reivindicação nítida a favor de uma multa para atraso de salário. Muitos
avanços não são, assim, tão significativos quanto possam parecer. Não adianta
avançar na ferramenta e deixar a mente de lado. É nesse sentido que buscamos
aqui relembrar a importância da execução
executiva, hoje denominada execução por título extrajudicial, uma novidade
jurídica criada ainda nas trevas da Idade Média e que não chegou a contento na
Justiça do Trabalho.
Basta ver
que se um trabalhador não recebe seu salário, após ter cumprido sua parte no
contrato, ainda tem que esperar a prolação de um título judicial para dar
início à execução, tendo como compensação apenas os parcos juros de 1% ao mês,
mais correção monetária. Salvo, é claro, a opção de ter que fazer uma
transação, que implica ter que “pagar um preço” ao empregador, mesmo que se
trate de direito adquirido líquido e
certo e com provas cabais. As transações deveriam ser incentivadas apenas
nas causas em que há incerteza do direito, no entanto, infelizmente, também
acabam sendo incentivadas quando há incerteza da execução. Neste último caso é
que o empregado acaba pagando mais uma “taxa” de exploração, evidenciando que
as fraquezas da execução trabalhista geram ganhos de capital para os
empregadores. Não há explicação técnica
para esse atraso histórico nas relações contratuais trabalhistas, a não ser uma
justificativa econômica de exploração e a constatação de existência de uma
política de dominação dos mais fortes, ou seja, tudo aquilo que o direito do
trabalho historicamente procura compensar.
Sem querer exigir muito de nosso sistema jurídico
atual, pretendemos aqui discorrer sobre uma pequena questão, bastante simples
nos demais ramos do direito, mas que no trabalhista parece ser algo gigantesco.
Trataremos, aqui, nada mais nada menos que da possibilidade de existência de
título extrajudicial, o que ocorre no direito comum, como dissemos, há séculos,
tendo o CPC detalhado algumas hipóteses em seu art. 585, entre elas, nota
promissória, cheque, confissão de dívida, crédito de aluguel de imóveis e
despesas de condomínios, desde que seguindo os requisitos do referido artigo.
Por que o direito do trabalho, mais precisamente o
direito processual do trabalho, ainda não atingiu esse ponto? Por questões
técnicas ou por questões culturais? De fato, existem obstáculos técnicos, mas
entendemos que os culturais são os mais difíceis de serem abatidos, pois
aqueles a jurisprudência enfrenta com sucesso, mas com estes últimos não basta
a letra da lei, é preciso um convencimento jurídico e social. Por isso
entendemos ser importante que os principais atores relacionados com o direito
do trabalho atuem conjuntamente, onde se incluem não apenas os advogados e
juízes, mas também o Ministério do Trabalho.
Acreditamos que a reaproximação histórica entre a
Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho pode dar maior eficácia à
garantia do crédito trabalhista, a partir de uma ação não só punitiva como
preventiva e satisfativa. Preventiva porque os auditores
fiscais veem o “ovo da serpente”, ou seja, o estágio que antecede as fraudes e
as falências dos empregadores e, neste momento, podem criar documentos e provas
a serem aproveitadas futuramente. Satisfativa porque já
estando os trabalhadores com documentos hábeis em mãos podem exercer medidas
processuais rápidas que garantam o pagamento do devido. Mas para isso os
advogados e juízes devem ser receptivos a tais inovações.
Num sentido geral, nossa ideia é tornar a ação do
Estado, em seu conjunto, mais incisiva, evitando-se, por exemplo, que empresas
terceirizadas desapareçam sem pagar suas dívidas trabalhistas quando findam
seus respectivos contratos de prestação de serviços. Torna-se muito importante
a possibilidade de se poder penhorar créditos ainda na constância do contrato
de prestação de serviço, principalmente após a Adin 16 do STF, que levou o TST
a alterar a Súmula 331 do TST, enfraquecendo a aplicação da responsabilidade
subsidiária dos entes públicos.
A recente criação da Certidão Negativa de Débitos
Trabalhistas (CNDT) evita que o inadimplente trabalhista vença licitações
públicas, mas não impede que ele venha a contrair dívidas depois da licitação,
o que é mais comum. Por isso as certidões extrajudiciais complementam a política
de discriminar o empregador inadimplente. Achamos que a criação da CNDT é um
avanço, porém, ainda há muito que evoluir. E nesse sentido a Justiça do
Trabalho também tem o que aprender com o Ministério do Trabalho. O antigo
Decreto-lei n. 368 de 19.12.1968 já cuidava das certidões negativas de débitos
salariais. O Ministério do Trabalho tem longa tradição na expedição de
certidões negativas para o credenciamento e a habilitação da empresa junto
aos órgãos e/ou empresas para fins de participação em licitações e
concorrências e/ou para transações comercias e/ou prova documental para
obtenção de crédito e fins judiciais. A regularidade fiscal já era exigida nas
licitações públicas (art. 27 da Lei 8.666/93). Mais recentemente, o Ministério
do Trabalho começou a emitir certidões positivas de débito salarial, muito
embora sua utilidade ainda dependa de uma funcionalidade que a Justiça do
Trabalho pode fornecer.
Observamos, para evitar confusões, que a
certidão extrajudicial de dívida trabalhista tratada aqui não
tem relação direta com a Certidão Positiva de Débitos
Trabalhistas, criada juntamente com a CNDT, como consta no §2º do art.
642-A da CLT: “verificada a existência de débitos garantidos por penhora
suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de
Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da
CNDT”. Neste caso, a certidão é judicial, e aquela da qual estamos
tratando é extrajudicial. No primeiro caso, já houve processo judicial e
condenação paga; no segundo caso, poderá ser iniciado um processo de
cobrança. A certidão do Ministério do Trabalho é um documento
extrajudicial, não sendo confundido com a certidão positiva judicial. A
certidão extrajudicial de que falamos é contra o empregador; a certidão positiva
é a favor do empregador. A certidão positiva da CLT também não tem qualquer
similitude com as certidões positivas de débitos salariais do Ministério do
Trabalho, das quais trataremos a seguir, e que mais se aproximam das certidões
extrajudiciais.
A ideia de uma CERTIDÃO EXTRAJUDICIAL DE
DÍVIDA TRABALHISTA deve ser encarada de forma ampla, com um leque amplo de
possibilidades, podendo ser emitida por diversas autoridades ou entidades, como
o Ministério Público do Trabalho ou o Ministério do Trabalho e Emprego. Nesta
proposta trataremos da certidão positiva de crédito emitida pelo Ministério do
Trabalho e Emprego.
Nesta oportunidade, apresentamos um quadro
sobre a importância e legalidade das certidões positivas de débitos salariais
do Ministério do Trabalho. Até 2004, a Instrução Normativa nº 27 de 27 de fevereiro
de 2002 do Secretário de Inspeção do Trabalho, hoje revogada pela portaria
76 de 16.4.2004, estabelecia, ao lado da certidão de débito salarial,
a certidão positiva de débito salarial, em seu anexo II:
CERTIDÃO POSITIVA DE DÉBITO SALARIAL N.º 000/2002
Certifico,
atendendo a requerimento protocolizado nesta Delegacia Regional do Trabalho,
sob o n.º____________ (nº do protocolo no COMPROT), que existe débito quanto
aos salários devidos aos empregados de _______________________________ (nome do
empregador solicitante), cujo estabelecimento está situado
_____________________________________________________ (endereço, cidade e
estado), inscrito no CNPJ/CPF/CEI, sob o n.º _________________________ (número
de inscrição), referente aos meses de (meses e ano) conforme informações do
relatório de fiscalização efetuada no mês de_______________ (mês), baseado na
documentação solicitada e exibida pelo empregador. Esta certidão tem prazo de
validade de 90 (noventa) dias. E, para constar, eu __________________________ (nome),
matrícula SIAPE n.º _______________ (número da matrícula), lavrei a presente
certidão que vai por mim rubricada e assinada pelo Chefe do Setor de
Fiscalização do Trabalho desta Delegacia Regional do Trabalho
em_______________________________ (local e data).
(nome)
Chefe da Seção de Fiscalização do Trabalho
Chefe da Seção de Fiscalização do Trabalho
Segundo o site do Ministério do
Trabalho, após a extinção da IN n. 27/2002, as certidões passaram a ser
emitidas pela SEMUR (Seção de Multas e Recursos, repartição que pertence à
estrutura das Superintendências Regionais):
Obs: “A Certidão emitida poderá ser dada como:
Negativa (não havendo infrações) ou Positiva (havendo infrações impostas). A
Certidão é para ilícitos cometidos e não para multas existentes.”
Norma
aplicável: “Extinta a Instrução Normativa nº 27, de 27/02/2002,
era o parâmetro legal, no que diz respeito aos procedimentos. Ficou
estabelecido, pela Secretaria da Inspeção do Trabalho, que os critérios ficam a
cargo das chefias das SEMUR. E esta chefia determinou que os procedimentos
serão os mesmos, exceto pelos prazos de validade da certidão que passaram de 90
para 180 dias e pela redução da burocracia documental exigível de empresas que
reiteradamente se utilizam de nossos serviços”.(http://portal.mte.gov.br/delegacias/rj/servicos/)
Como dissemos, o fornecimento de Certidão Negativa de
Débito Salarial é bem antigo, regulado pelo Decreto-lei 368 de
19.12.1968, ainda em vigor.
Por este diploma, considera-se salário “a retribuição de
responsabilidade direta da empresa, inclusive comissões, percentagens,
gratificações, diárias para viagens e abonos, quando a sua liquidez e certeza
não sofram contestação nem estejam pendentes de decisão judicial” (art. 6º). Já
a certidão positiva é uma preocupação mais recente, conforme tratada na IN n.
27, citada por nós, e em outras normas internas.
De modo geral, as certidões emitidas pelo
Ministério do Trabalho e Emprego podem resultar de um processo especificamente
regulado para este fim, tal como o previsto nas normas emanadas pelas SEMUR, no
âmbito das respectivas Superintendências (SRTE). Por outro lado, elas também
podem ser expedidas de forma bem mais descentralizada, em sede das ações
fiscais promovidas pelos Setores de Inspeção do Trabalho, no interior das
Gerências Regionais. Neste caso, as certidões seriam fruto do exercício de um
direito genérico de petição, nomeadamente o de obter certidões a partir de
processos administrativos, no caso, de um processo administrativo fiscal.
2.1.
Das certidões expedidas pelas SEMUR
No nosso entender, com a revogação da IN n. 27,
perdeu-se um bom paradigma administrativo para a expedição de certidões
positivas de débitos salariais. Contudo, o fato de as Seções de Multas e
Recursos poderem regular a expedição dessas certidões permite que as
iniciativas dirigidas para a integração entre Inspeção do Trabalho e Justiça do
Trabalho possam ser promovidas regionalmente, no âmbito dos estados, não
carecendo de qualquer regulação central, seja por parte da Secretaria de
Inspeção do Trabalho, seja por parte do TST.
No Rio de Janeiro, por exemplo, há forte orientação
para que as certidões de débitos salariais só possam ser requeridas por
empresas. O próprio modelo reproduzido acima ilustra bem este fato. Isto
significa que, em princípio, trabalhadores e entidades sindicais não poderiam
requerer estas certidões.
Ultrapassando o debate acerca dessa limitação,
resulta claro que o objetivo das certidões de débitos salariais expedidas no
âmbito das SRTE é o de atender às empresas, nomeadamente quanto às suas
necessidades de comprovação de regularidade trabalhista para fins empresariais.
Quando muito, a expedição dessas certidões poderia ser determinada por decisão
judicial, a fim de instruir pedido de indenização por dano moral ou rescisão
indireta de contrato de trabalho, por exemplo.
Verifica-se, no entanto, que as certidões expedidas
pelas SEMUR reproduzem informações dos bancos de dados do SFIT (Sistema Federal
de Inspeção do Trabalho). O módulo “dossiê de empresas” permite que sejam
selecionados todos os Relatórios de Inspeção (RI) das diligências realizadas em
determinado estabelecimento empregador. Entre outros dados, os RI mencionam os
autos de infração lavrados, identificando-os por meio dos seus respectivos
códigos, conforme o ementário utilizado pelos Auditores-Fiscais do Trabalho. A
despeito de as instruções emanadas pela SEMUR da SRTE/Rio de Janeiro afirmarem
que não se trata de uma certidão de multas existentes, o fato é que os ilícitos
relacionados com débito salarial devem, necessariamente, corresponder à
lavratura de autos de infração (cf. art. 628, CLT). Portanto, são as ementas
das infrações reproduzidas nos autos de infração que irão determinar a
identificação de tipos relacionados ao débito salarial.
O problema dessas certidões é que elas atestam, tão
somente, a existência, ou não, de débitos salariais. Estando vinculadas às
informações oriundas do SFIT, e não aos processos de inspeção deflagrados por
denúncias, ou aos que são abertos a partir do protocolo dos próprios autos de
infração, as certidões de débito salarial, notadamente as positivas, não
conterão informações acerca do quantum salarial
devido, tampouco tais informações estarão individualizadas por empregado. Na
prática, as certidões emanadas pela SEMUR da SRTE/Rio de Janeiro não servirão
ao propósito de se tornarem títulos executivos extrajudiciais nem instrumentos
de propositura de ações monitórias. Neste particular, afirma-se que não se
trata de uma peculiaridade do Rio de Janeiro, mas de todas as Superintendências
Regionais.
2.2.
O problema da quantificação e individualização do débito salarial pela Inspeção
do Trabalho
A questão levantada no tópico anterior, no entanto,
não está situada na regulação das certidões emanadas pelas SEMUR, mas na
própria dinâmica da inspeção do trabalho. Diz-se isto porque, ainda que tais
documentos fossem extraídos diretamente da instrução dos processos de
fiscalização (e não dos relatórios de inspeção constantes do SFIT), raramente
se teriam informações acerca da quantificação do débito salarial ou da
individualização deste débito. Ainda que a valoração da multa aplicada leve em
consideração o número de trabalhadores em situação irregular, o corpo do auto
de infração não precisa mencionar a totalidade dos empregados, bastando
mencionar alguns que ilustrem uma situação geral. No caso específico do débito
salarial, a reprodução histórica do mesmo modus
operandi determinou a lógica de que “empresa que atrasa salário de um,
atrasa de todos”. Desse modo, define-se o valor da multa por atraso de salários
multiplicando-se o valor da infração, isoladamente considerada, pelo número
total de empregados. Quando muito, anexa-se a folha de pagamento ou relação de
empregados ao auto de infração expedido, a fim de comprovar o número de
trabalhadores em situação irregular mencionado no campo específico do auto de
infração.
Esta é a
característica da inspeção do trabalho no Brasil. Em princípio, o valor da
multa não é oriundo de um “lançamento”, como se dá na inspeção fiscal
tributária. Nestes casos, o valor do auto de infração é definido pelo somatório
da multa, do débito fiscal lançado e dos consectários legais (juros e mora). Em
vez disso, o auto de infração da inspeção trabalhista se compõe apenas da multa
pela conduta infratora, que pode ser exasperada nos casos em que a infração for
per capita, nos casos de reincidência
ou de fraude (art. 9º, CLT).
Mesmo na hipótese de denúncia específica de atraso
de salários, com possibilidade de configuração da mora contumaz, não haveria a
necessidade de quantificar o débito salarial, bastando informar o número de
empregados em situação irregular e, se for o caso, o número de meses em que o
salário não foi pago, ou pago intempestivamente.
Em sendo remota a perspectiva de mudança da
dinâmica da inspeção do trabalho, devemos considerar outra frente de ação,
certamente bem mais promissora. Trata-se da expedição de certidões no âmbito
dos próprios processos de inspeção, fundada no direito subjetivo público de
petição, em particular, no direito de obter certidões, positivado na Lei do
processo administrativo federal (9.784/99).
2.3.
Das certidões expedidas no âmbito dos processos administrativos fiscais
Sem prejuízo do aperfeiçoamento dos ritos de
expedição das certidões de débitos salariais pelas SEMUR, a possibilidade legal
de que certidões venham a reproduzir informações produzidas pela inspeção
fiscal trabalhista é inconteste. Tal como rege o art. 46 da Lei 9.784 de
29.0.1999, qualquer “interessado tem direito à vista do processo e a obter
certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram,
ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo
direito à privacidade, à honra e à imagem”. Havendo processo administrativo em que
se tenham verificado dívidas trabalhistas, o trabalhador pode requerer
certidão. Qualquer interessado inclui não só o trabalhador, mas também os
sindicatos de classe, bastando que demonstrem legitimidade para representar
determinada coletividade de trabalhadores, na forma da CF/88, art. 8º, III.
Contudo, o problema persiste. Considerando a atual
regulamentação da inspeção do trabalho no Brasil, quais seriam os processos
administrativos fiscais que poderiam produzir informações de débitos salariais
quantificados e individualizados?
Levando-se em conta apenas o sistema de inspeção do
trabalho, a resposta para a indagação acima poderia estar no processo de
fiscalização do FGTS e, num segundo momento, nos que particularizam o atributo
jornada de trabalho, notadamente quanto às empresas que utilizam o SREP
(Sistema de Registro Eletrônico de Ponto).
Em relação ao FGTS, a atual IN n. 84 de 13.7.2010
do Secretário de Inspeção do Trabalho dispõe sobre a verificação do FGTS. Nos
casos em que se verifique irregularidade, a norma determina ao Auditor Fiscal
do Trabalho que proceda ao levantamento do débito, individualizado por
empregado, e emita a notificação respectiva para que o empregador recolha a
importância devida. Este levantamento fiscal é realizado com base na
documentação fornecida pela empresa, em cruzamento com os dados da RAIS e do
CAGED, sendo certo que os valores relacionados serão necessariamente
individualizados por empregado.
Caso a empresa não forneça a documentação
necessária, embaraçando a inspeção fiscal, na hipótese prevista no art. 630 da
CLT, além da lavratura do Auto de Infração correspondente, o Auditor-Fiscal
poderá dar sequência ao levantamento por arbitramento, cujo critério será o
mais favorável ao empregado, segundo a dicção da norma supramencionada. Tendo
em vista que o débito com o FGTS tem como base de cálculo “salários pagos ou
devidos”, certamente quando da individualização do FGTS calculado sobre
salários impagos tais valores deverão ser individualizados, possibilitando, a
requerimento da parte interessada, a emissão da respectiva certidão positiva de
débito, acompanhada do relatório fiscal, com a individualização dos salários
(devidos) e do FGTS. Como mencionado, no caso de ser negado o fornecimento de
documentos e de quaisquer registros que possibilitem o levantamento, o auditor
poderá arbitrar valores (art. 25 IN n. 84 de
13.7.2010), podendo considerar os mais variados parâmetros (salário mínimo,
piso regional, piso normativo etc.). Também nesses casos a individualização do
débito com o FGTS deverá ser feita associando-se os recolhimentos devidos aos
salários pagos (ou devidos), ainda que arbitrados.
Desse modo, seja no caso de denúncia de falta de
recolhimento do FGTS, seja na hipótese de salários impagos ou em atraso, o FGTS
deverá ser levantado e individualizado. Em quaisquer casos, o processo de
individualização do débito com o fundo envolverá, necessariamente, a
individualização dos salários. No caso específico dos salários, se a empresa
não comprovar o pagamento, o Auditor-Fiscal do Trabalho estará autorizado a
colher outros indícios (entrevista com os trabalhadores, por exemplo) que levem
à comprovação da existência, ou não, do débito salarial, cujo lapso de tempo
coincidirá, ao menos em parte, com o do débito junto ao FGTS.
Outra Instrução Normativa, a de nº 85/2010, que
regula a fiscalização da jornada de trabalho no âmbito das empresas que
utilizam o REP (Registro Eletrônico de Ponto – Portaria nº 1.510/2009), dispõe
sobre a obrigatoriedade de as empresas apresentarem os arquivos tratados
relativos às folhas de pagamento que, sendo cruzados com os registros invioláveis
do REP, possibilitam o levantamento físico das horas extras realizadas, bem
como o cálculo individualizado das diferenças salariais devidas sob esta
rubrica. Nesse sentido, não só é possível o levantamento do débito com o FGTS,
em relação aos valores devidos a título de horas extras e reflexos, como
também, neste âmbito, as certidões poderão ser emitidas, acompanhadas do
relatório fiscal, tal como na hipótese anterior.
2.4. A integração da Inspeção do Trabalho com o
Sistema de Relações do Trabalho do MTE
Um dos fatos que nos
mobiliza na defesa da expedição de certidões administrativas, que sejam
passíveis de execução trabalhista ou apenas instrumentalizem ações monitórias,
é a sanha de terceirizações de toda ordem, que muitas das vezes resultam na
pulverização da responsabilidade pelo cumprimento das obrigações trabalhistas,
dificultando, em muito, a garantia do crédito salarial.
No âmbito das ações do
MTE, as denúncias de salários em atraso, débito com o FGTS, questões
relacionadas a registro de empregados ou segurança e saúde no contexto das
terceirizações são, em geral, tratadas como demandas coletivas, pois quase
sempre são trazidas pelos sindicatos de trabalhadores. Ocorre que nem sempre
tais denúncias vêm na forma de pedidos de fiscalização, mas de mediação
trabalhista.
Nos requerimentos de
Mesa-Redonda (Portaria 3.122/88) se mencionam, normalmente, todas as empresas
que compõem o liame de terceirizações, inclusive a tomadora original dos
serviços, as quais são chamadas para a reunião administrativa.
O processo administrativo
de mediação pública permite uma apuração bastante pormenorizada dos fatos
alegados na denúncia, incluindo a quantificação de débitos salariais, FGTS etc.
Não raro se obtém o reconhecimento do devedor quanto às obrigações
inadimplidas, o que configuraria verdadeira confissão de dívida.
Há previsão normativa
(art. 18, VII, da Portaria 153/2009) determinando que a fiscalização apoie os
serviços de mediação, algo que, eventualmente, nem é necessário, caso o
mediador seja Auditor-Fiscal do Trabalho.
Tem-se, pois, que a
mediação trabalhista, no âmbito do sistema de relações do trabalho do MTE,
mormente se perfeitamente integrada com o sistema de inspeção, pode produzir,
de forma extremamente ágil, dados verossímeis, quantificados e
individualizados, acerca de créditos salariais impagos. O mesmo se pode dizer
dos processos de Mesa de Entendimento (IN n. 23/2001), os quais, ao invés, são
processos fiscais, cujos Termos de Compromisso particularizam o débito
identificado na ação fiscal que deflagrou o procedimento.
Afirma-se pois que, mesmo
sem considerarmos a hipótese de uma refundação da inspeção do trabalho no
Brasil, as ações fiscais voltadas à apuração de débito com o FGTS, bem como as
diligências orientadas para a verificação da jornada de trabalho, nos casos de
usuários do SREP, podem produzir dados suficientemente precisos, os quais,
constando em certidões requeridas com ou sem rito específico, podem lhes conferir
liquidez. Além disso, nos casos em que as mediações públicas sejam o primeiro
instrumento manuseado pelos sindicatos, nas hipóteses em que sejam
identificados débitos salariais entre empresas terceirizadas, mais certo ainda
é que as atas de mesa-redonda, bem como a própria instrução processual, possam
pormenorizar fatos e quantificar obrigações trabalhistas inadimplidas de toda
espécie, muitas vezes acompanhadas da própria confissão do devedor.
3. Projeto de lei do TST/Jucá
Há no Brasil projeto de criação da expansão de
título extrajudicial no processo do trabalho. Todavia, tais propostas ainda são
bem tímidas. O projeto do TST, em parte encampado pelo projeto do Senador
Romero Jucá, propõe diversas alterações na CLT, porém, destacamos a seguinte:
Art.
878-B Os títulos
executivos extrajudiciais serão executados mediante prévia citação
do devedor, prosseguindo-se na forma prevista para o cumprimento de sentença.
Parágrafo
único. São títulos executivos extrajudiciais:
a)
os termos de ajuste de conduta firmados com o Ministério Público do Trabalho;
b)
os termos de compromisso firmados com a fiscalização do trabalho;
c)
os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia;
d)
os acordos realizados perante o sindicato;
e)
o cheque ou outro título que corresponda inequivocamente a verbas trabalhistas;
f) qualquer documento do qual conste o
reconhecimento de dívida trabalhista, inclusive o termo de rescisão do contrato
do trabalho.
Consideramos tímida a proposta do projeto de lei,
pois em todas as hipóteses o documento dependerá da vontade do devedor, seja
por acordo, seja por documento que dependa de sua assinatura.
Entendemos que a jurisprudência pode ir além,
inclusive influenciando o projeto, valorizando as autoridades (procuradores e
auditores-fiscais) que já acompanham e fiscalizam as relações de trabalho, no
sentido de incentivar títulos extrajudiciais, muito embora entendamos que é
direito do réu questionar tais títulos especificamente, como já ocorre com os
termos de acordos homologados nas comissões de conciliação prévia.
4. Adequação da certidão positiva no ordenamento
jurídico
A CLT já estabelece uma regra ampla para
a aceitação do título executivo extrajudicial:
Art. 877-A –
É competente para a execução de título executivo extrajudicial o juiz que teria
competência para o processo de conhecimento relativo à matéria. (Incluído pela Lei nº 9.958, de 25.10.2000)
É bem verdade que nem todos os juízes estão
obrigados a aceitar qualquer documento como título extrajudicial, pois a CLT se
refere especificamente a dois casos: acordo homologado em comissão de
conciliação prévia (parágrafo único do art. 625-E e 876, ambos da CLT)
e termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do
Trabalho (art. 876 da CLT).
Caso o juiz entenda que tal documento não tenha
eficácia de título executivo, poderá aceitá-lo para efeito de ação monitória:
Art. 1.102.a - A ação monitória compete a quem
pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento
de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. (Incluído
pela Lei nº 9.079, de 14.7.1995)
Conforme artigo supra, grifado por nós, basta a
prova escrita para a propositura da ação monitória. Não é necessário que esse
documento seja fornecido pelo devedor, podendo ser fornecido por autoridade,
como aqueles assinados pelos auditores-fiscais, assim também como por membros
do Ministério Público do Trabalho, decorrente de inquéritos civis.
Por fim, ainda que o juiz entenda que não cabe ação
monitória na Justiça do Trabalho, o documento poderá servir como prova ou
forte indício, ou ainda como prova para outras medidas protetoras, como as de
antecipação de tutela, liminares, inversão do ônus da prova etc.
O reconhecimento do uso da ação monitória na
Justiça do Trabalho é o caminho atualmente mais adequado, pois o réu pode
ajuizar embargos à execução para arguir nulidade, quitação, excesso de
execução, ou outro fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito. O
título extrajudicial não se torna totalmente independente por si só no processo
do trabalho. Aliás, este sempre foi um dos problemas para se aceitar tais
títulos no processo do trabalho, pois a independência total do título
transferiria a competência para a justiça comum. E isso é o que
ocorre com um cheque, nota promissória ou confissão de dívida, ou seja, o
titular do direito pode provocar a Justiça comum mesmo que o título seja
oriundo da relação de trabalho. No caso do processo do trabalho, é recomendável
que se discuta de forma mais ampla todos os títulos extrajudiciais, tal a
facilidade de fraude, pelo menos num primeiro momento, até que os títulos
extrajudiciais se aperfeiçoem.
Janeiro de 2012