AUTOR : TERTULIANO SOARES E SILVA ADVOGADO: BRUNO CEZARIO
ALVES REU : UFFUNIVERSIDADE FEDERAL
FLUMINENSE 04ª Vara Federal de Niterói Magistrado(a) WILLIAM DOUGLAS RESINENTE DOS SANTOS Distribuição Sorteio
Automático em 02/03/2017 para 04ª Vara Federal de Niterói Objetos: CONCURSO
PUBLICO
Concluso ao Magistrado(a) WILLIAM DOUGLAS RESINENTE DOS SANTOS em 02/03/2017
para Despacho SEM LIMINAR por JRJWRS
PODER
JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Rio de Janeiro 4a Vara Federal
de Niterói PROCESSO: 002239603.2017.4.02.5102 (2017.51.02.0223960) AUTOR: TERTULIANO SOARES E SILVA REU: UFFUNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE TERTULIANO SOARES E SILVA ajuíza a presente
ação em face da UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE pleiteando a anulação integral
do item 2.3.3 do Edital PPGSDUFF/2017 ("Após
a realização das etapas do concurso serão selecionados os candidatos
classificados conforme a disponibilidade de vagas de cada Linha de Pesquisa,
desde que tenham obtido a nota mínima de 7,0 (sete) como resultado final da
seleção, salvo aqueles que se autodeclararem afrodescendentes, que não terão
nota mínima de corte"). OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: ESTA É UMA DECISÃO
SOBRE COTAS, MAS O OBJETO DA PRESENTE NÃO VERSA SOBRE INTERESSES DE COTISTA X
NÃO COTISTA, MAS SIM UMA DISPUTA ENTRE COTISTAS. Esta é a questão nodal.
Contudo, além desta questão principal, o juízo verificou que existem outros
pontos onde existem indícios de que os princípios da legalidade, publicidade e
moralidade foram violados. Outra observação importante é que o juiz que profere
a presente decisão defende as cotas nas universidades, com vários artigos
publicados nesse sentido, assim como já tendo duas vezes comparecido ao
Congresso Nacional para, em audiências publicas, defender as cotas. A aplicação
abusiva e equivocada das cotas é algo ruim, que prejudica a sociedade como um
todo e em especial aqueles a quem as cotas são direcionadas. Não permitir
abusos na execução das ações afirmativas é um requisito para que alcancem seus
objetivos e para que não promovam injustiças. A lei maior e as leis em geral
continuam sendo os referenciais para a conduta, tanto da Administração Pública
quanto do Poder Judiciário, tanto na questão das cotas como em qualquer outra.
A autonomia das universidades e a discricionariedade administrativa não
permitem a violação da lei. Aparentemente, a UFF está aplicando de forma
bastante equivocada a lei de cotas. E a aplicação equivocada da lei é ilegal.
Há notícia de entrevistas a portas fechadas e isto impede a sindicabilidade da
lisura do certame, violando de forma explícita e grave os princípios do artigo
37, caput da CR/88. É preciso entender também o que ocorreu nas provas de
títulos pois as mesmas não podem ser palco de decisões imotivadas e subjetivas
dos examinadores. Há informação de que uma candidata foi avaliada por seu
orientador, o que embora não seja explicitamente ilegal é indicador de possível
favorecimento. Espera-se da UFF, enquanto autarquia federal, que preserve a
igualdade dos candidatos. Eventuais privilégios, só os legais. Entre cotistas,
qualquer falha na isonomia é ilegal; entre cotistas e não cotistas, qualquer
discriminação que ultrapasse a previsão legal, idem. Importante analisar a
tabela com os resultados das quatro fases do certame que segue. A ordem dos
nomes representa a classificação na 1ª fase, que é a única eliminatória e,
também desidentificada, o que garante melhor a lisura, onde há certeza de
inexistência de favoritismos ou perseguições. As notas elencadas são tão
somente daqueles que concorreram como cotistas na área em que participa o autor
da presente ação: NOME 1ª ETAPA (ELIMINATÓRIA) 2ª ETAPA (IDIOMA) 3ª ETAPA
(TÍTULOS) 4ª ETAPA (ENTREVISTA) MÉDIA SE
8,75 9,0 2,70 4,0 5,22 (5º) TERTULIANO
SOARES 7,25 5,0 3,50 4,0 4,98 (6º) RI
7,0 9,0 5,80 8,5 7,56 (1º) CA 6,25 5,0
5,0 8,0 6,58 (4º) RE 4,75 6,5 7,4 8,0
6,76 (3º) RO 4,75 5,5 10,0 8,5 7,38
(2º) O primeiro problema identificado é
que a UFF, sem base legal, e em decisão que, ao menos prima facie (como é este
juízo de tutela inicial), agiu de modo abusivo ao eliminar totalmente a nota de
corte. Uma coisa é reduzir em 10 ou 20% a nota de corte, outra é não haver nota
de corte. Eliminar a nota de corte é transformar uma prova eliminatória em
classificatória e, mais que isso, abdicar de qualquer critério mínimo de
seleção. A existência das cotas não pode ser um estímulo a que qualquer cotista
possa abdicar de adquirir conhecimentos mínimos para se candidatar a um
programa de pósgraduação. Ao mesmo tempo em que é irrazoável, esta ideia
prejudica os cotistas que possuem maior grau de conhecimento. Essa constatação
teórica é percebida nos resultados práticos da seleção ora em análise. Pois
bem, três dos candidatos não teriam sido aprovados. Isto já garantiria uma vaga
para os três cotistas que foram aprovados (pois havia quatro vagas). O critério
eleito é tão exagerado que gera distorções que evidenciam a ilegalidade por
ferir princípios constitucionais. No final, após exames feitos de modo
subjetivo (pelo menos até que haja alguma explicação razoável por parte da
UFF), os dois primeiros colocados da prova, em tese eliminatória, ficaram sem
as pretendidas vagas. Aqueles que não obtiveram a nota de corte os
ultrapassaram. O limite de tratamento desigual entre cotistas e não cotistas é
a lei, não podendo o administrador ir além, ainda que movido pelos melhores
sentimentos e propósitos. Mas aqui, repito, o caso é mais grave, pois trata
DESIGUALMENTE candidatos cotistas, os quais entre si têm direito ao tratamento
isonômico. O fato é que os dois primeiros colocados na prova eliminatória foram
excluídos das vagas ao longo do certame. O critério de eliminar nota de corte
prejudicou os cotistas que obtiveram as melhores notas no exame que em regra é
eliminatório, sendo que tal caráter eliminatório foi suprimido pela UFF tão
somente para cotistas. Além da violação ao princípio da isonomia entre os
candidatos cotistas, é preciso refletir sobre até que ponto é lícito e
aceitável que tais inovações na prática eliminem um controle mínimo de
qualidade dos candidatos, limitando o acesso tão somente a idioma, títulos e
entrevista, ainda mais quando estas últimas duas modalidades não estão
demonstradas de forma suficientemente objetiva. As notas das entrevistas também
merecem nova análise. O Judiciário não pode interferir na avaliação nem no
mérito administrativo, mas também não pode se omitir ou permanecer omisso
diante de determinadas circunstâncias. A entrevista não pode ser palco de
favoritismo ou perseguição, não pode ser uma fase onde os examinadores possam
alterar o resultado final sem que haja motivos objetivos para isso. Se houver
indício de ilegalidade e/ou favorecimento/perseguição, o juiz tem o dever
(cívico, constitucional, legal, moral e ético) de interferir. A imagem de
Themis representa uma mulher cega para mostrar que não irá favorecer a um ou
outro litigante. Porém, a justiça não pode ficar cega diante de parcialidade do
administrador público. Há uma grande disparidade entre as notas nas
entrevistas, cabendo à UFF esclarecer seus critérios, vez que o resultado foi os
dois primeiros colocados serem preteridos . As entrevistas não podem ser feitas
de forma secreta. Nem mesmo os tribunais têm direito a esse grau de sigilo, e
por boa razão: a publicidade evita abusos. A 03/03/2017 Apolo Resultado da
Consulta Processual http://procweb.jfrj.jus.br/portal/consulta/resconsproc.asp
2/3 luz traz proteção a todos, a começar por proteger o interesse público.
Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. RESIDÊNCIA MÉDICA. O
ordenamento jurídico não tolera a realização de entrevista secreta, de cujo
resultado não se pode recorrer e da qual não se saiba sequer o grau atribuído.
Autorizada a freqüência dos impetrantes nas residências, ainda que
provisoriamente, desde a concessão da liminar, consumou-se a situação de fato e
exauriram se os respectivos efeitos. (TRF4ª Região REO 2000700000400267,
Rel. Valdemar Capeletti, 4ª Turma, julgado em 18/10/2001, publicado no DJ de
14/11/2001, pág. 1209). ¿ (grifei) O resultado final é que um candidato cotista
(SE) obteve 8,75 na prova desidentificada e eliminatória, ficando em 1º lugar
nessa fase e terminou em 5º lugar, não obtendo vaga. Ele também teve melhor
nota em idiomas, anote-se. Observação: A candidata CA, que seria eliminada na
1ª etapa, obteve na prova escrita mais idioma 11,25 e ficou em 4º lugar,
conseguindo a vaga. Já o candidato SE, que cumpriu a nota de corte, obteve
nessas duas primeiras provas 17,75, sendo, ao final, eliminado. As notas na
prova de título e entrevista alteraram substancialmente o resultado final. Se houver
motivo para isso, nenhum problema: faz parte dos concursos em etapas que as
colocações sejam alteradas. No entanto, se não houver justificativa objetiva,
tal alteração pode indicar perseguição ou favoritismo que o Direito não admite.
A candidata que obteve a classificação mesmo após não cumprir a nota de corte,
segundo documento dos autos (fl. 229), ainda não tem mestrado, requisito do
certame, sendo mestranda orientada por Eder Fernandes, que é componente da
Banca e um dos entrevistadores. SE, preterido, já tem mestrado. Cabe, portanto,
suspender o concurso e dar à UFF a oportunidade de defesa e em especial, de
explicar melhor os critérios que geraram tamanha disparidade. Ninguém está
livre, nos termos do artigo 37 da CR/88, de explicar como chegou a um dado
resultado na gestão pública. Vale transcrever a análise de Ivan da Costa Alemão
Ferreira, que renunciou a sua função de examinador da banca do certame em
questão, sobre a aplicação de cotas na UFF: ANÁLISE CRÍTICA DA APLICAÇÃO DE
POLÍTICA DE COTAS DE NEGROS NO PPGSDUFF A partir de dados apresentados (mais
abaixo) chego às seguintes conclusões: Primeiro, que não existe discriminação
no PPGSD já que é alto o índice de negros aprovados sem necessidade de cota. No
mestrado além da cota de 20%. Aproveitou-se mais de 25% de candidatos negros
(45% no total). No doutorado além dos 20% da cota aproveitou-se mais 12% de
candidatos negros (32% no total). Problema do regime adotado é, em primeiro
lugar, a seleção qualitativa entre os próprios negros. O Edital considerou como
critério absoluto a ¿média final¿, desconsiderando a fase eliminatória para os
negros. Isso implicou em o mestrado aproveitar seis candidatos negros que não
obtiveram a nota mínima de sete na fase eliminatória, e aprovar seis candidatos
que tiraram menos de sete na fase eliminatória. No doutorado, foram aprovados
quatro candidatos que seriam reprovados na fase eliminatória (nota abaixo de 7)
e não foram aproveitados três candidatos que na mesma prova eliminatória foram
aprovados (nota 7 ou mais). Observa-se que houve um elevado grau de importância
na nota de projeto/entrevista, que levou até mesmo a não aceitação de negros
aprovados na prova escrita. No mestrado as duas notas têm peso 4, sendo que no
doutorado a prova escrita tem peso 3 e a de projeto/entrevista tem peso 4. Em
relação aos demais candidatos, houve segregação em dois mementos. Primeiro na
prova escrita e depois pela ausência de suplentes. Os defensores do Edital
afirmam que a nota zero na fase eliminatória é o efetivo mecanismo afirmativo.
Os dados demonstram que esse critério efetividade também prejudicou outros
candidatos negros que na fase eliminatória obtiveram nota de aprovação (os que
não precisavam de proteção). Os dados também demonstram que essa ¿efetividade¿
ocorreu de fato na pontuação da fase de entrevista/projeto, e não na prova
escrita que é a que o candidato não é identificado. É na prova não identificada
que efetivamente se avalia a qualidade do candidato sem discriminação, sendo a
entrevista um momento de identificação total. As chances de
preconceito/favorecimento são maiores nesta oportunidade, inclusive entre
negros. Não consegui chegar a uma explicação sobre a ausência de suplentes, o
que faz lembrar um quebra cabeça que não falta peça. Com isso se tirou a
chance de negros e de brancos aproveitarem vagas de eventuais desistentes, além
de ser algo estranho. Entendo que a aplicação da política de cotas como regem
as leis é a melhor: apenas no resultado final é que se aproveita 20% das vagas
para os negros, sem necessidade de se criar mecanismos apressados que tentam
acelerar a política afirmativa, mas que pode chegar a criar injustiça entre os
próprios protegidos. Vejamos a seguir as regras e os dados. COMPOSIÇÃO DE
AFRODESCENTENTES NO PROGRAMA O programa teve, segundo informação do seu
coordenador, a inscrição de 409 candidatos (mestrado e doutorado), tendo a
efetiva participação de 260 candidatos, que é um dado expressivo e positivo. A
quantidade de vagas oferecidas, segundo o Edital, foi de até 39 vagas para
Mestrado e 39 vagas para Doutorado, vagas estas distribuídas por linhas de
pesquisa (seis linhas de pesquisa: AJ, CS, DH, OS, RT, e SP) [1], com previsão
de cota de 20% para afrodescendentes em cada uma delas. Independentemente de política
de cotas o programa teve enorme aderência. Talvez uma propaganda dirigida à
convocação dos negros já seria suficiente para atingir percentuais
significativos, muito embora não há como comparar com os anos anteriores já que
neste não havia declaração pessoal sobre a condição do candidato. Entre os
definitivamente aprovados para o mestrado, 45% se declaram afrodescendentes e
no doutorado 32%. (grifos nossos) O edital apresenta alguns critérios objetivos
para as entrevistas, mas a ausência de público e/ou gravação nas mesmas faz
crer que a UFF fez tabula rasa do edital que, embora já, aparentemente, tenha
nulidades, não foi cumprido. Há uma grande discrepância nas notas de títulos
atribuídas aos candidatos e, numa primeira análise, parece irrazoável o resultado
final, haja vista as próprias disposições do edital quanto à avaliação dos
títulos. Ainda que se trate de mérito administrativo, o administrador não pode
se distanciar das normas do edital, que devem ser obedecidas. Assim, necessário
se faz a justificativa, item a item, das notas atribuídas no que refere a etapa
de avaliação de títulos de cada candidato. O MPF já havia sugerido a suspensão
do concurso (fls 152) e, tivesse a UFF dado um pouco mais de atenção a tal
alerta, pouparia a todos da frustração pela interrupção do processo seletivo.
Além disso, pouparia a UFF das despesas geradas com uma seleção inquinada de
vício e o Judiciário das despesas geradas para corrigir algo que a própria UFF
poderia ter evitado. Igualmente, frustram-se os candidatos e o normal andamento
do Programa de PósGraduação. No entanto, por mais que se lamente tantos
dissabores, o Judiciário (assim como o MPF) não podem ficar inertes diante da
gestão pública quando esta se afasta dos ditames constitucionais e legais. Por
isso, todo o desconforto pela suspensão do concurso determinada nesta decisão
deve ser imputada à própria UFF. Diante do acima exposto, presentes os
requisitos do art. 300 do CPC/2015, probabilidade do direito, no caso a
aparente nulidade da cláusula 2.3.3 do Edital PPGSDUFF/2017 e o perigo de
dano, já que a matrícula ocorrerá no próximo dia 06 de março, concedo a tutela
de urgência para suspender todo o concurso publicado por meio do Edital de
Seleção PPGSD 2017. Intime-se a UFF para imediato cumprimento da presente
decisão e para fornecer a qualificação completa dos demais candidatos,
incluindo endereço, em 5 (cinco) dias. Deverá a UFF, ainda, no mesmo prazo,
fornecer de modo detalhado a pontuação dada (e fundamentação) a cada candidato
na avaliação de títulos, devendo indicar o motivo pelo qual o candidato pontuou
e deixou de pontuar, assim como esclarecer sobre como ocorreram as entrevistas
e sua pontuação. Citese. Intimese o Ministério Público Federal, ressaltando
que o referido órgão já está ciente da questão trazida na presente demanda,
tendo, inclusive, opinado pela suspensão do certame, conforme fl. 152 dos
presentes autos. Emende a parte autora a inicial, em 15 dias úteis, juntando
aos autos cópia atualizada da Declaração Anual de Imposto de Renda a fim de que
este Juízo possa analisar o pedido de gratuidade de justiça. Niterói, 3 de
março de 2017. (assinado eletronicamente) WILLIAM DOUGLAS RESINENTE DOS SANTOS
Juiz Federal
Registro do Sistema em 03/03/2017 por JRJRFO. 03/03/2017 Apolo Resultado da
Consulta Processual http://procweb.jfrj.jus.br/portal/consulta/resconsproc.asp
3/3 ===============================================================