EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ
DA 4ª VARA FEDERAL DE NITERÓI SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
PROCESSO:
0022396-03.2017.4.02.5102 (2017.51.02.022396-0)
AUTOR : TERTULIANO SOARES E SILVA
RÉU: UFF- UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Trata-se de ação com pedido de
tutela de urgência antecipada ajuizada por TERTULIANO SOARES E SILVA em face da
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF), por meio da qual é atacada a legalidade
da seleção destinada à vaga de mestrado e doutorado no Programa de Pós-graduação
de Direito e Sociologia da UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – Edital de Seleção
PPGSD 2017.
Requer o autor a nulidade e
exclusão do trecho “aqueles que se autodeclararem afrodescendentes, que não
terão nota mínima de corte.”, inserido no item 2.3.2.1.2, bem como a anulação
integral do item 2.3.3 do Edital PPGSDUFF/2017, que prevê “Após a realização
das etapas do concurso serão selecionados os candidatos classificados conforme
a disponibilidade de vagas de cada Linha de Pesquisa, desde que tenham obtido a
nota mínima de 7,0 (sete) como resultado final da seleção, salvo aqueles que se
autodeclararem afrodescendentes, que não terão nota mínima de corte”, cominada
com a imediata suspensão do concurso público e de todas as fases subsequentes
de matrícula e início das aulas até o julgamento do mérito e seu trânsito
julgado.
Ainda, como pedido sucessivo,
requerer o autor que seja autorizada a matrícula no Programa de Pós-graduação
Stricto Senso em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense na
modalidade Doutorado na Linha de Pesquisa “Direito Humanos, Governança e
Poder”; que sejam entregues imediatamente ao JLPP demandante suas avaliações
devidamente corrigidas, com fundamentação e motivação por escrito, junto com o
padrão de respostas de cada uma delas, inclusive as Atas de Avaliação da
Entrevista e do Projeto referentes a 3º e 4º fases do processo seletivo, também
com as devidas fundamentações e motivações das notas concedidas; que seja dado
novo prazo dentro das normas vigentes aplicáveis ao processo administrativo
para que apresente novo recurso de revisão das avaliações a uma nova Banca
Examinadora constituída para fins de reavaliação de suas médias; e que seja o
autor declarado aprovado e suplente a vagas que vierem a restar em face de
desistência como seria seu direito líquido e certo na forma do item 2.3.3 do
Edital.
O autor aduz em suas razões que o
Edital do Concurso Público às vagas de Mestrado e Doutorado do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense
incluiu dispositivo de previsão de cotas em desacordo com o Art. 3º da Lei nº
12.990/2014 (Lei Federal da Reserva de Cotas Raciais), quando prevê na fase
eliminatória - 1º fase – prova escrita – nota de corte 7,00 para todos os
candidatos EXCETO OS AFRODESCENDENTES.
Alega o autor que a PPGSD-UFF
violou suas limitações constitucionais de autonomia didático administrativa ao
legislar, produzindo uma nova lei em seu edital, no sentido de negros não terem
nota de corte.
Manifestação apresentada pela
Universidade Federal Fluminense, às fls. 287/296. Em breve síntese, pleiteia a
ré a reconsideração da tutela de urgência, alertando ao Juízo acerca da
existência do risco de irreversibilidade da medida. No mérito pontua que não
trata o certame de concurso público para provimento de cargos na Administração
Pública, nem mesmo há plena simetria com o vestibular, para preenchimento de
vagas na graduação, não buscado recrutar apenas o candidato intelectualmente
mais preparado, mas, sim, busca selecionar o melhor projeto de pesquisa, que se
enquadre no perfil de um grupo de pesquisadores já existentes e com propostas
temáticas bem definidas. Aduz que houve sim nota de corte dos que se declararam
afrodescendentes, apenas sendo deslocada da primeira para a quarta fase do
processo, qual seja, na análise do projeto e da entrevista, o que é possível e
plenamente justificável.
Trata-se de ação com pedido de
tutela de urgência antecipada ajuizada por TERTULIANO SOARES E SILVA em face da
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF), por meio da qual é atacada a legalidade
da seleção destinada à vaga de mestrado e doutorado no Programa de
Pós-graduação de Direito e Sociologia da UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE –
Edital de Seleção PPGSD 2017.
Urge ressaltar, ab initio,
conforme documentação acostada aos autos, que este órgão ministerial ao
verificar a patente ilegalidade das disposições editalícias, no curso das
apurações travadas no procedimento administrativo nº 1.30.005.000036/2017-13,
RECOMENDOU a suspensão da divulgação do resultado do certame público. Todavia,
a comissão entendeu por bem não acatar a recomendação referenciada.
Nos termos do Edital de Seleção
PPGSD 2017, conforme expressa previsão nas cláusulas 2.3.2.1.2; 2.3.2.4;
2.3.2.4.1; 2.3.3., os candidatos que se autodeclararem afrodescendentes não
terão nota mínima de corte durante as etapas do certame, apenas sendo possível
sua eliminação na quarta, e última, etapa, qual seja, exame do projeto de
pesquisa e entrevista.
Não se pode deixar de destacar
que tratam-se de etapas carregadas de subjetividade. Ademais, os elementos
trazidos à análise apontam a ocorrência de entrevistas a portas fechadas, o que
põe em dúvida a lisura do certame, violando de frontalmente os princípios do
artigo 37, caput da CR/88.
Indiscutível que a postura adotada
pela banca organizadora na seleção para mestrado e doutorado no Programa de
Pós-graduação de Direito e Sociologia da Universidade Federal Fluminense trouxe
nefastas consequências aos candidatos que participaram do certame, não apenas
aos não cotistas, mas também aos que participaram na qualidade de cotista, como
o próprio autor da presente demanda. Como esplendorosamente pontuou o i.
magistrado na decisão liminar “O limite de tratamento desigual entre cotistas e
não cotistas é a lei, não podendo o administrador ir além, ainda que movido
pelos melhores sentimentos e propósitos. Mas aqui, repito, o caso é mais grave,
pois trata DESIGUALMENTE candidatos cotistas, os quais entre si têm direito ao
tratamento isonômico”.
A Constituição Federal, em seu
art. 37, caput, estabelece os princípios norteadores da Administração Pública,
dentre os quais encontra-se a legalidade, impessoalidade e moralidade, todos
violados com a conduta praticada pela autarquia federal.
É verdade que à Administração
Pública é dado o poder para estabelecer as regras dos certames públicos.
Contudo, inconteste que o poder discricionário da Administração Pública
encontra limites legais e principiológicos.
Seguindo essa linha de
raciocínio, é de fácil constatação que o ato administrativo praticado pela ré
encontra-se em flagrante descompasso com o princípio da isonomia e moralidade,
porquanto extrapola o âmbito de atuação da Administração Pública e o exercício
do poder discricionário. A determinação constante no edital afastando, pura e
simplesmente, a aplicação de nota de corte, na fase eliminatória, daqueles que
se autodeclararam afrodescendentes não encontra razoabilidade e tem caráter
discriminatório injustificado, adentrando na esfera da arbitrariedade.
Em hipóteses tais, por
menosprezar o dever de observância da juridicidade (legalidade com equidade e
enfoque tipicamente constitucional), a Administração Pública viabiliza a
análise do ato administrativo pelo Poder Judiciário, pois inexistente adequado
e legítimo exercício da discricionariedade. A bem da verdade, o Poder Judiciário
restabelece, nesses casos, a legalidade, exigindo a observância dos princípios
da isonomia e moralidade administrativa.
Ante o exposto, opina o
Ministério Público Federal pela PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, restando prejudicado o
pedido sucessivo requestado pelo autor.
Niterói, 14 de março de 2017
WANDERLEY SANAN DANTAS Procurador
da República