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Artigo: A REFORMA TRABALHISTA DE 2017 E O TST

A REFORMA TRABALHISTA DE 2017 E O TST
IVAN ALEMÃO[1]
1. A questão do aumento das condenações trabalhistas

Este artigo foi escrito antes da vigência da lei que oficializou a Reforma Trabalhista, o que ocorrerá a partir de 120 dias após a sua promulgação, em 13 de julho de 2017. Independentemente do que venha a acontecer em meio a esse clima tão instável politicamente dos dias de hoje, é possível afirmar que essa Reforma reflete o conflito entre duas instituições sobre os rumos a serem dados às relações de trabalho no Brasil. Mesmo com eventuais novas mudanças legais, o rastro deixado por esse embate já marcou um capítulo da história do Direito do Trabalho no país.
A Revolução de 1930 implicou uma reforma da máquina administrativa para que o Estado pudesse intervir nas relações de trabalho urbano. E de forma mais centralizada, com a criação do Ministério do Trabalho e das Juntas de Conciliação e Julgamento, além da reestruturação dos sindicatos. O ano de 1943, marcado pela criação da CLT, tornou-se um símbolo nitidamente ideológico para o Direito do Trabalho, com a disseminação da regulamentação das relações de trabalho para todos os trabalhadores e a expansão de suas instituições afins. O ano de 1966 foi o da criação da Lei do FGTS e da unificação da Previdência Social, extinguindo-se o corporativismo tradicional e dando-se início ao processo de flexibilização contratual. Em 1988, a nova Constituição respondeu aos anseios dos sindicatos, consolidando sua independência em relação ao Estado e aumento seu poder de representação, inclusive quanto à negociação coletiva.
E a Reforma Trabalhista de 2017, o que significa? Trata-se de uma desconstrução de todo esse movimento? Certamente, num pequeno artigo como este e ainda num momento historicamente precoce, quando os fatos novos ainda gritam não deixando os anteriores dormir, é possível tecer uma breve avaliação.
Um dado perceptível na chamada Reforma Trabalhista de 2017, ou seja, a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 (ex-PL nº 6.787/16, da Câmara dos Deputados, ou ex-PLC nº 38/17, do Senado), é a possibilidade de interferência do legislador na atuação da Justiça do Trabalho. Mais precisamente, na atuação de seu órgão máximo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST). O primeiro grande sintoma desse cenário foi a redução do orçamento destinado à Justiça do Trabalho para o ano de 2016[2]. Em lugar de se propor o fim da Justiça do Trabalho ou do TST, como na tentativa de reforma ocorrida na década de 1990, a intenção da Reforma de 2017 foi a de encolher substancialmente a importância da Justiça do Trabalho enquanto instituição, atacando, mais diretamente, a sua produção jurisprudencial.

A Reforma atual mexeu com os julgamentos da Justiça do Trabalho em seu aspecto mais espiritual e, concretamente, com o valor das condenações. Lembro que a Reforma de 2004 (EC nº 45) havia ampliado o campo de julgamentos da Justiça do Trabalho, inclusive consolidando e elevando a arrecadação de valores a favor da Previdência Social e da Receita Federal, o que foi bom para as instituições públicas, mas não para quem sofre a condenação[3].
A Reforma atual visa acabar com uma preocupação não tanto com a quantidade de processos, como muitos argumentam, e sim com o valor das condenações, que, sem dúvida, aumentou. Por outro lado, os trabalhadores não obtiveram ganhos significativos nos últimos dois anos, chegando mesmo a ter seu poder de compra reduzido, em virtude do desemprego dilatado[4].
É bom lembrar que as condenações judiciais possuem “efeito retardatário”. O que se cobrou em 2016 correspondeu às dívidas contraídas em anos anteriores, quando o país estava com índices de crescimento, de aumento de empregos e de salários. A dívida trabalhista surgiu em época de bonança, mas foi cobrada em época de crise. Há, assim, aspectos estruturais que podem vir a justificar o gargalo verificado em 2016 na Justiça do Trabalho, já que os passos dados pelo Poder Judiciário não são iguais aos da política e da economia.
Segundo o Relatório Geral da Justiça do Trabalho[5] de 2016, foram pagos aos reclamantes, em todo o país, R$ 24.358.563.331,43. Decorrentes de acordo foram pagos R$ 9.028.726.058,84 (37%); decorrentes de execução, R$ 12.871.673.916,33 (52,8%); e decorrentes de pagamentos espontâneo, R$ 2.458.163.356,26 (10%).
Já no Relatório de 2008 constava que foram pagos aos reclamantes R$ 10.006.897.356,68. No Relatório de 2010, conforme descrito em sua apresentação, observou-se “o expressivo crescimento de 10,3% nos valores pagos aos reclamantes em cotejo com o ano de 2009. Com efeito, no ano findo, a atuação da Justiça do Trabalho ensejou a quitação de débitos trabalhistas na ordem de R$ 11,2 bilhões”.
Esses são valores que foram efetivamente pagos, sendo que inexistem dados sobre tudo que foi cobrado, que certamente seria maior. A mera publicação da sentença condenatória não impede que o devedor crie mecanismos para não ser executado. A Reforma Trabalhista enfraqueceu a execução da sentença com a supressão da iniciativa própria do juiz (de ofício) em praticar os atos executórios, limitando esta aos casos em que as partes não estiverem representadas por advogados.
O aumento de demissões explica em parte o aumento de reclamações, assim como o aumento da inflação pode justificar em parte o aumento do valor das condenações. Porém, enquanto esses fatores oscilam com o tempo, o crescimento de ações e de condenações seguiu seu curso de maneira linear.
É bem verdade que existe, também, a tendência de os juízes do trabalho protegerem o trabalhador e interpretarem as leis de uma forma mais favorável a ele. Mas a própria instituição também tem incentivado o aumento da quantidade de reclamações e de condenações, como se por meio desses índices altos buscasse reafirmar a importância da Justiça do Trabalho no meio social. A defesa do acesso à justiça acaba se igualando a uma grande quantidade de demandas, muito embora esse índice possa provar o contrário.
É perceptível que as decisões mais divulgadas pelos órgãos de comunicação dos tribunais do trabalho são as que condenam e não as que absolvem. Algumas notícias divulgadas para o público em geral dão destaque a condenações que envolvem valores vultosos, transmitindo por vezes entendimentos minoritários que podem ser interpretados pela população como oficiais. As técnicas de propaganda veiculadas nos sites dos tribunais de alguma forma colaboram para atrair reclamantes com expectativas de angariar valores elevados.
Aqui não se trata apenas de questão doutrinária, de formação do juiz do trabalho. Há ainda outra questão, mais estrutural, decorrente do fato de as reclamações serem postuladas pelos empregados, salvo raríssimas exceções, o que naturalmente leva o empregador a ser condenado. Na realidade, este possui mecanismos de autotutela que o dispensam de ter que recorrer à Justiça do Trabalho, fruto do seu poder punitivo e de seu direito de retenção/compensação de créditos que deve ao empregado.
Nesse contexto relatado até agora, é natural que tenha aumentado a própria jurisprudência a favor ao trabalhador. É o caso, por exemplo, da condenação sobre intervalos, que quase não havia. A interpretação da inversão do ônus da prova a favor do empregado, principalmente no que tange às horas extras, também fez crescer a quantidade de condenações. As indenizações de dano moral, que inexistiam, podem chegar a valores imprevisíveis. Cresceram os pedidos de acúmulo de função, o que também era raro e ocorria apenas em casos de quadro de carreira. Facilitou-se a anulação de cláusulas coletivas, o que antes inexistia, até porque muito raramente elas eram prejudiciais aos trabalhadores, o que foi modificado com o aumento de flexibilização.
Não se pode dizer que em nosso país, nos últimos anos, os empregados passaram a trabalhar mais nos intervalos, a sofrer mais moralmente, a acumular mais funções, e os sindicatos a serem mais pelegos. Trata-se, sim, de um maior esforço da Justiça do Trabalho em condenar os empregadores, e certamente com a forte colaboração dos escritórios de advocacia, que, quando defendem os empregados, recebem um percentual sobre o valor da condenação, normalmente de 30% sobre o valor bruto recebido pelo empregado.
A Justiça do Trabalho, internamente, e os escritórios de advocacia evoluíram técnicas de produção em cadeia, e com pedidos repetidos. Até mesmo o processo de negociação para acordos passou a ser tratado nos tribunais por centros especializados. Tal procedimento produtivista acabou por favorecer parcelas da população geralmente já demitidas, não chegando a elevar o nível salarial ou o poder de barganha dos trabalhadores da ativa frente a seus atuais empregadores, mas movimentando um capital sem direção certa. É provável até que, com o valor recebido nas condenações, grande parte dos reclamantes procure pagar suas dívidas, e os que possuem algum nível de profissionalismo tentem abrir um pequeno negócio.
Embora a lei seja a fonte da jurisprudência, é possível interpretá-la de forma mais favorável ao empregado. Minha impressão é a de que muito do que a Reforma Trabalhista de 2017 alterou na lei vai de encontro ao entendimento do TST, principalmente no que diz respeito às súmulas.
Numa época em que os precedentes vinculantes dos tribunais vinham ganhando importância, no sentido de conter principalmente os juízes de primeira instância em prol de um pacto de segurança jurídica, para pôr fim à era do ativismo judicial e do livre convencimento do juiz, a liberdade do TST para criar precedentes veio a ser questionada pelo legislador.

2. A conjuntura política radicalizada da época da Reforma
A Reforma Trabalhista de 2017 não teve o intuito de atingir diretamente o status das relações de trabalho, nem a relação entre capital e trabalho, nem tampouco quebrar o mito da CLT. A Reforma veio principalmente no sentido de alterar certos artigos da CLT aproveitando o seu respaldo simbólico. Não foi criado um “novo código”, como ocorreu há pouco tempo com o Código do Processo Civil (CPC). Enquanto nesse caso as propostas saíram principalmente do campo acadêmico e conceitual, por meio de uma comissão de juristas, a Reforma Trabalhista possui um texto que é fruto do amálgama de vários projetos. É sintomático que enquanto a Reforma do CPC foi simbolizada por meio do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, a Reforma Trabalhista teve como principal porta-voz um político, o ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira de Oliveira.
Os projetos aglutinados possuem temas bem distintos, que atendiam aos reclamos principalmente de empresários, inclusive de pequenos empresários e até de microempresários. Mas também, pontualmente, de outros setores, como as entidades de advogados, que tinham o projeto de adotar os honorários advocatícios de sucumbência na Justiça do Trabalho, as entidades sindicais, com o maior reconhecimento da negociação coletiva – temas estes que também conflitavam com o entendimento do TST. É bom deixar claro, contudo, que o atendimento desses reclamos não significa que os advogados e os sindicalistas tenham saído vitoriosos quando se avaliam os efeitos da Reforma num contexto maior. Ao contrário: para os sindicalistas pode haver perda de poder devido ao aumento da negociação individual e perda de arrecadação financeira; e para os advogados trabalhistas pode haver redução do valor das condenações judiciais.
Mas a Reforma também “contou”, se não com apoio direto, pelo menos com a indiferença de grande parte da população de média e baixa renda que não é empregada: autônomos em geral, profissionais liberais, estatutários e até parte de setores assalariados desempregados ou informais. Embora não exista uma pesquisa precisa sobre tais dados, não é difícil constatar que não houve resistência significativa dessa camada da população.
A reação popular contra a Reforma Trabalhista foi sendo paulatinamente testada por seus defensores. Cito dois exemplos de teste. Primeiro, a enorme ampliação de temas no PL nº 6.787/16, ainda na Câmara. Segundo, a aprovação pelo Senado de um antigo projeto de lei já aprovado na Câmara e engavetado, dando origem à Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, sobre trabalho temporário e terceirização. Embora, em meu entender, essa lei não tenha alterado muita coisa, recebeu por parte da imprensa grande destaque, configurando o fim do entendimento do TST sobre atividade-meio e atividade-fim no trabalho terceirizado. Ou seja, já estava caracterizada uma derrota do entendimento do TST, pelo menos em relação à sua Súmula nº 331. É certo que esse embate com o TST foi precedido de outro, com o STF[6], o que o tornou mais complexo.
A crise econômica e política conjuntural às vésperas da aprovação da Reforma Trabalhista – marcada por mudanças não ortodoxas de presidente da República e de presidente da Câmara – ajudou na radicalização de ambos os lados. Os opositores da Reforma procuraram obstruir sucessivamente todas as votações sobre temas trabalhistas, não havendo espaço para discussões técnicas nem para acordos, diferentemente do que ocorreu, por exemplo, durante a Assembleia Constituinte de 1988, quando o chamado “Centrão” também era forte.
No caso da Reforma Trabalhista, opiniões independentes às duas correntes que litigavam, ou mesmo opiniões mais flexíveis, praticamente sucumbiram. Sem margem para concessões, o projeto foi aprovado às pressas no Senado da forma como saiu da Câmara, para evitar seu retorno a esta Casa. O campo de negociação residiu muito mais dentro do próprio bloco que apoiou o projeto, chegando a se cogitar a edição de medida provisória com alguns reparos, principalmente para atender os sindicalistas favoráveis à Reforma mas que não concordavam com o fim da contribuição sindical compulsória.
Portanto, prevaleceu uma lei fruto de um projeto com pouco aprofundamento técnico, mais confiante nas regras de mercado do que no intervencionismo estatal. Acredito que desde a Reforma da década de 1960 o setor liberal não conseguia tanta vitória no meio trabalhista, sendo que naquela época havia uma espécie de revolução política. Agora, o que há é radicalização política.
Os opositores da Reforma, embora discursando a favor dos trabalhadores, defendiam o status quo, mas sem apresentar um projeto alternativo. Essa postura já havia sido adotada no projeto da terceirização (nº 4.339/04), aprovado na Câmara em maio de 2015 e que ainda se encontrava no Senado para votação, mas que, com a Reforma Trabalhista, ficou muito prejudicado.
A falta de novas propostas legiferantes por parte dos contrários à Reforma enfraqueceu a possibilidade de negociação. O que foi transmitido para a população é que: de um lado, havia os que estavam apresentando uma solução para o país e o desemprego, mesmo com remédio amargo; e, de outro, os que queriam manter o que existia, ou seja, a crise. Em resumo, não houve espaço político para negociações de ordem técnica, para atenuar as distorções e o impacto das mudanças sobre os trabalhadores.
Já num contexto mais estrutural, é visível a diminuição de empregados com vínculos trabalhistas tradicionais nas grandes empresas, em detrimento de outras opções, o que é fruto de incentivos fiscais ou de financiamento, como a criação do MEI (Micro Empresário Individual), da EIRLI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, sociedade de um só sócio), de franquias e de outras modalidades que incentivam a criação de pequenas empresas. Além, claro, das próprias mudanças estruturais no mundo do trabalho, como a descentralidade do trabalho fabril.
A falta de opção dos trabalhadores demitidos que receberam indenizações trabalhistas e dos aposentados que têm que continuar trabalhando por necessidade incentiva deslocamentos da força de trabalho para o setor de serviços. Também aumenta a incidência de atividades de trabalho a distância, que não ocorrem dentro dos estabelecimentos e que vão além do teletrabalho, abrangendo outros casos, como o do trabalhador que se comunica a distância com o consumidor, como o da Uber. Ou seja, atividades que ficam na fronteira entre o trabalho formal, subordinado, e o trabalho mais flexível e indefinido. É certo que a Reforma tem como um de seus principais pontos o trabalho intermitente, que, se não é suscetível a criar mais empregos, incentiva a formalidade, reduzindo estatisticamente o índice de desemprego brasileiro e aumentando o recolhimento tributário e previdenciário.
O setor do pequeno empreendedor, que ainda é capaz de contratar alguns empregados regidos pela CLT, é tratado pela Justiça do Trabalho com os mesmos entendimentos jurisprudenciais aplicados às grandes empresas, como um banco ou uma estatal. Embora a legislação não seja tão uniforme quanto pareça, é certo que as decisões dos tribunais regionais e, principalmente, do TST acabam por formar sua jurisprudência a partir de ações em que os réus são grandes empresas. Isso porque os recursos dependem de depósitos, pagamento de custas e atuação de advogados em graus superiores da Justiça do Trabalho, tendo o TST sede em Brasília. São as grandes empresas que normalmente conseguem ter estrutura financeira para recorrer às diversas instâncias, sem falar no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), neste quando se trata de conflitos de competência.
Segundo dados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho, os seguintes quantitativos de processos foram recebidos na Justiça do Trabalho, respectivamente:
2011-2015

1ª instância... 11.966.662

2ª instância..... 3.995.173

TST...................1.350.831 

2016

1ª instância..... 2.756.214

2ª instância........ 957.518

TST.................... 243.447

Grosso modo, pode-se dizer que os tribunais regionais recebem a terça parte dos processos da primeira instância, e o TST recebe apenas em torno de 10%. Mas, se formos analisar os recursos mais importantes, como o recurso ordinário da Vara para o Tribunal Regional do Trabalho (TRT), o montante em 2016 foi de 621.096, e o recurso de revista para o TST foi de 24.658. Nesses casos, o percentual de acesso à instância superior reduz bastante, principalmente para o TST. Ou seja, o recurso de revista se resume a quase 1% da totalidade dos processos recebidos pela Justiça do Trabalho.
Os percentuais divulgados no Relatório Geral da Justiça do Trabalho englobam outros recursos. É o caso do agravo de instrumento, dentro do mesmo processo, que não aprecia o mérito da reclamação, gerando um percentual bem maior. Por exemplo, no Relatório de 2016, o chamado índice de recorribilidade aparece como sendo de 60% da Vara para os TRTs na fase de conhecimento, e de 38% dos TRTs para o TST na mesma fase. Por esse critério, pode parecer que a quantidade de processos aumenta nos graus superiores como uma árvore com galhos. Esses dados não estão errados, mas não respondem exatamente ao trajeto da apreciação do mérito do pedido da ação a partir do ajuizamento da ação. Ou seja, em quantos degraus o mérito do pedido foi apreciado, se ficou no primeiro (vara), no segundo (TRT) ou no terceiro (TST). Isso sem considerar os inúmeros agravos de instrumentos sem sucesso.
O Relatório Geral, ao dividir setores econômicos em “indústria”, “serviços diversos” e “comércio”, dá pouca margem para a definição dos setores que mais recorrem. No entanto, o Relatório de 2016 apresenta um ranking dos 20 maiores litigantes do TST, na seguinte ordem: Petrobras (11.297 processos); União (10.478); Banco do Brasil (10.433); CEF (10.198); Correios (6.087); banco Santander (3.706); Funcef (3.537); Petros (3.191); Previ (2.887); Fazenda Pública de São Paulo (2.861); Brasil Foods BRF (2.345); Vale (2.118); Telemar (1.938); Oi (1.852); JBS (1.695); HSBC (1.531); Telefônica (1.531).
Esse quadro deixa claro que os setores estatais e bancários são os mais atendidos pelo TST. As fundações deixaram de ser da competência da Justiça do Trabalho desde 2013 (RE nº 586.456), por decisão do STF.
Dessa forma, é notório que a jurisprudência do TST é construída a partir do paradigma das grandes empresas e basicamente sobre matéria de direito, fruto da via estreita do recurso de revista. As Orientações Jurisprudenciais Transitórias demonstram isso com clareza, pois muitas delas são dirigidas exclusivamente a determinadas empresas. Sem falar as diversas súmulas e outros precedentes especificamente dirigidos a certas categorias, como a dos bancários. Não vemos, por exemplo, súmulas diretas sobre categorias que absorvem a maior parte dos trabalhadores, como a da construção civil. É provável que a súmula do TST que mais favoreceu os mais necessitados é a que trata da terceirização, já que engloba quase todos os setores da economia. Por isso tem grande significado o enfraquecimento dessa súmula, de número 331.
Nas lides das grandes empresas julgam-se, além das disposições legais, aquelas com base em normas de natureza exclusivamente contratual, geralmente com base em princípios isonômicos ou com base em incorporação definitiva de vantagens (Súmula nº 51). Os reclamantes contra empresas sólidas não estão muito preocupados com o tempo do processo, pois sabem que vão receber, podendo dedicar mais tempo para levar a matéria de direito ao TST. Um exemplo foi a enorme discussão em torno da definição do divisor do bancário para cálculo de horas extras: se 150 ou 180, para os que trabalham em regime de seis horas; se 200 ou 220 para os de oito horas. Os processos ficaram suspensos por quase um ano em função da decisão liminar do TST (IRR 849-83.2013.5.03.0138), e até onde tenho conhecimento nenhum reclamante solicitou desistência do referido pedido para dar celeridade aos demais pleitos.
Já aqueles que litigam contra empresas menores, que não sobrevivem à tramitação normal do processo, normalmente preferem deixar de tentar ganhar algum direito via recurso ao TST para acelerar a execução do que já ganhou na primeira ou segunda instância.
As grandes empresas, como os bancos, estatais e  as concessionárias quando condenadas em valores altos, podem acabar repassando parte desses valores para os consumidores ou contribuintes. Algumas se relacionam com o consumidor por meio de monopólio e contrato de adesão. Já o pequeno empresário, ao sofrer uma condenação nos moldes da jurisprudência utilizada para as grandes empresas, corre o sério risco de quebrar, o que também incentiva a informalidade e a fraude.
Outro elemento adicional nesse quadro é que nas condenações contra as grandes empresas, principalmente as estatais, o reclamante ainda se encontra trabalhando, mas no caso das empresas de menor porte as conquistas judiciais são para os já afastados. Para esses reclamantes a jurisprudência acaba sendo muito mais em volume de dinheiro global do que de aumento salarial ou benefício para quem está trabalhando, e que poderia corresponder a uma melhoria de condições de trabalho com reflexos positivos para a coletividade.
Por sua vez, os escritórios de advocacia naturalmente postulam o máximo de possibilidades de aumento de condenação, usando jurisprudências favoráveis, muitas delas criadas para grandes empresas. Na Justiça do Trabalho a tentativa de acordos é voltada para um valor global em dinheiro. Mesmo as sentenças acabam se transformando em liquidação financeira voltada para um valor econômico global, que não se estende aos demais empregados da ativa. Para estes, a expectativa é a de que quando for demitido também possa buscar o máximo possível de condenação, o que cria um círculo vicioso que não fortalece a coletividade.
Com o enfraquecimento dos dissídios coletivos (Emenda nº 45/04), os sindicatos atuam na Justiça do Trabalho basicamente com reclamações individuais e nos moldes dos escritórios de advocacia, inclusive estes são contratados por aqueles para dar assistência aos trabalhadores.
Se o dissídio coletivo era a marca singular da Justiça do Trabalho desde a sua criação, com a excepcional possibilidade de o Poder Judiciário criar direitos para quem estava trabalhando, a elaboração de precedentes jurisprudenciais nos moldes civilistas são voltados para ações individuais. A negociação coletiva cede lugar aos acordos individuais em massa, como vêm sendo incentivados, com destaque para valores econômicos e não para a criação de normas. Também a tendência do Ministério Público do Trabalho tem sido a de pedir altas condenações de indenização de dano moral coletivo a favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), não gerando com essa verba um benefício direto aos trabalhadores da ativa do réu, que podem até ser indiretamente prejudicados com a quebra da empresa.
3. As novas regras contrárias às súmulas do TST
O processo de valorização de súmulas e de outros precedentes se intensificou com a alteração da CLT pela Lei nº 13.015, de 21 de junho de 2014. Essa lei é oriunda de um projeto enviado pelo Órgão Especial do TST ao Congresso, conforme Resolução Administrativa nº 1.454, de 24 de maio de 2011, durante a gestão do ministro João Oreste Dalazen, quando a relação entre Congresso e aquele Tribunal era mais amistosa. O ponto central dessa alteração foi valorizar e regulamentar o procedimento de uniformização de jurisprudência com o objetivo de criar súmulas e teses prevalecentes, o que foi complementado com atos administrativos do TST que obrigavam os órgãos colegiados a seguirem-nas, sob o risco de os autos retornarem ao órgão que prolatou o acórdão para serem rejulgados. Esse mecanismo, considerado inovador, correspondeu aos novos §§ 3º, 4º, 5º e 6º do art. 896 da CLT, agora revogados integralmente pela Reforma Trabalhista.
Essa Reforma da CLT de 2014 havia levado os Tribunais Regionais a alterar seus respectivos regimentos internos sobre uniformização de jurisprudência, o que antes era um dispositivo pouco usado. Essa adequação de regulamentação já sofrera certo impasse com o Novo CPC (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), editado logo depois, que revogou seus próprios artigos sobre uniformização de jurisprudência, remetendo o tema para ser tratado por meio de regimentos internos. O NCPC veio com outros mecanismos de controle jurisprudencial mais sofisticados (como o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR), que levaram os Tribunais a mudar novamente seus regimentos internos, inclusive por orientação do TST.
Mas, como dito, esse procedimento de uniformização criado pelo TST agora, com a Reforma, sai de cenário. É interessante observar que essa linha adotada pelo TST, que antecedeu o NCPC, recebeu elogios e críticas de engessamento da jurisprudência. Eu mesmo escrevi dois artigos críticos[7], destacando a novidade do rejulgamento, que forçava um novo julgamento, sem que tivesse havido nulidade recursal da primeira decisão, por confrontar um precedente. Isso, certamente, torna o processo mais complicado e moroso, além de ter conotação punitiva para o julgador (disciplina judiciária).
A Reforma Trabalhista de 2017, além de quebrar esse procedimento de uniformização criado pelo TST, também criou regras específicas para a dificultar a criação e alteração de súmulas na Justiça do Trabalho, conforme nova regra inserta no art. 702, letra “f”, §§ 3º e 4º. Inclusive, este artigo cria a possibilidade de seus efeitos serem apenas futuros, evitando-se surpresas condenatórias com retroatividade. Estabelece “que sessões de julgamento sobre estabelecimento ou alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência deverão ser públicas, divulgadas com, no mínimo, trinta dias de antecedência, e deverão possibilitar a sustentação oral pelo Procurador-Geral do Trabalho, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo Advogado-Geral da União e por confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional”. A regra é estendida aos tribunais regionais (§ 4º)
Quanto ao conteúdo das súmulas, a Reforma Trabalhista o limitou. O novo § 2º do art. 8º da CLT estabelece:

Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei”. (gn)


Trata-se de um preceito a respeito do qual, a princípio, ninguém é contra. Pois os precedentes num sistema positivista de origem lusitana como o nosso, em que a produção de normas é centralizada no Poder Legislativo, visam apenas interpretar as leis. A propósito, nesse sistema a segurança jurídica é justamente aquela baseada na lei, e sua legitimidade depende de o sistema político ser democrático. A exceção ocorre quando a própria lei permite a aplicação da equidade, quando de sua omissão. Outra exceção marcante de criatividade judicial prevista em lei foi a estabelecida no poder normativo da Justiça do Trabalho, já neutralizado desde a publicação da EC nº 45/04.
No âmbito do direito individual, até a década de 1980 a Justiça do Trabalho contou com os prejulgados, que tinham força vinculante. Na década de 1990 houve a tendência a reduzir a capacidade criativa da Justiça do Trabalho, até mesmo no âmbito do poder normativo, para não se deferir nada muito além do reajuste salarial e do que se fixou nos seus precedentes normativos. A EC nº 45/04 reduziu o acesso ao poder normativo, mas no âmbito geral do Poder Judiciário criou as súmulas vinculantes, inicialmente para o STF. Mas logo foram surgindo outras modalidades de decisões vinculantes no próprio STF e depois nos demais tribunais superiores, até se chegar às instâncias intermediárias.
Se, inicialmente, o objetivo das decisões vinculantes era reduzir a quantidade de recursos, com o tempo elas foram sendo direcionadas para a uniformização jurisprudencial sobre órgãos subordinados hierarquicamente e até mesmo sobre a máquina administrativa pública, no sentido de incentivar a segurança jurídica para o mercado e os cidadãos. Especificamente na Justiça do Trabalho essa tendência foi além, a fim de incentivar também a disciplina judiciária.
Na década de 1980, os antigos prejulgados da CLT foram transformados em súmulas do TST (também chamadas de enunciados); na década de 1990, foram criadas as orientações jurisprudenciais; já na década de 2010, começaram a ser criadas as súmulas dos tribunais regionais[8]. Um corpo paralelo de precedentes foi se sedimentando ao lado da legislação do trabalho. Mas foi a partir da Lei nº 13.015, de 21 de junho de 2014, que se delineou uma política mais clara de uniformização jurisprudencial na Justiça do Trabalho. Com ela surgiram as teses prevalecentes.
Até o advento dessa lei, esse corpo jurisprudencial vinculava apenas o próprio tribunal que o criou, com escopo de rejeitar de plano os recursos com teses contrárias. Serviam de orientação jurídica não vinculante, ajudando a complementar, sobretudo, temas pouco regulamentados por lei. Mas era comum um magistrado do órgão em questão não seguir uma súmula de cujo processo de criação ele participara, mesmo que tivesse votado contra. Com a nova regra passou a existir uma espécie de centralismo democrático, não exatamente contra a pessoa do magistrado, mas contra o acórdão rebelde.
Devo lembrar que a mera edição dos precedentes em geral, mesmo que não criem expressamente “um direito” em seu sentido material, podem provocar uma série de novas ações ou, da mesma forma, desincentivar outras ações. Também regras processuais ou burocráticas podem facilitar o resultado de uma ação.
Os precedentes podem ser positivos, quando deferem postulações, e negativos, quando os negam. Por uma simples leitura dos precedentes do TST é possível perceber que há maior tendência de as súmulas serem positivas, embora nem sempre exista uma criação clara de normas. A título de exemplo: nº 6, I (exige homologação de plano de cargos); nº 90, II (hora extra quando há desencontro do horário do transporte com o horário de trabalho); nº 291 (indenização em caso de supressão de horas extras); nº 372 (incorporação de gratificação de função concedida por mais de dez anos); nº 377 (obrigatoriedade de o preposto ser empregado); nº 440 (presunção de despedida discriminatória para casos de doenças graves que suscitam estigma ou preconceito); nº 450 (férias em dobro em caso de pagamento fora do prazo).
A liberdade de o Poder Judiciário criar normas é um tema polêmico, provavelmente desde que ele foi criado, devendo continuar assim. Todavia, a Reforma Trabalhista de 2017 é clara em sua pretensão de tentar limitar de forma geral essa liberdade do TST. Prova disso é que diversos dispositivos de lei procuraram confrontar as súmulas. Em alguns casos esse confronto foi direto, pelo que passo a citá-los.
Prescrição.
Adianto logo que uma súmula foi adotada pelo neolegislador, a de nº 294, que trata da prescrição de ações com pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração contratual. Foi criado o § 2º do art. 11 da CLT com essa regra. O fato de esta súmula ser contra o reclamante é significativo.
Ainda tratando-se de prescrição, a Reforma por meio do noviço art. 11-A da CLT e seus §§ 1º e 2º, acaba com o entendimento da Súmula nº 114 do TST, segundo a qual “é inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”. Pela Reforma a prescrição intercorrente é contada a partir do momento em que o exequente deixar de cumprir determinação judicial, podendo ser declarada de ofício. De quebra, indiretamente, firma-se que a prescrição no processo de trabalho pode ser declarada de ofício aos moldes do CPC, ou seja, também na fase de conhecimento, tema polêmico na Justiça do Trabalho[9].
Ainda no campo da prescrição, temos a quebra da Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 392 da Subseção Especializada em Dissídios Individuais – SDI-1 do TST, que considerava que protesto judicial era medida aplicável no processo do trabalho para interromper a contagem da prescrição. O novato § 3º do art. 11 da CLT estabelece que “somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista”.
Jornada
O entendimento do TST sobre jornada, a começar pela in tinere, foi atingida significativamente. Resta lembrar que ela é criação desse Tribunal, por meio da Súmula nº 90. Mais tarde, em 2001, ela passou a fazer parte da CLT (§ 2º do art. 58). Essa súmula, no entanto, foi se expandindo, chegando mesmo a ter cinco incisos e a criar a regra do inciso II, que trata da jornada in itinere mesmo quando o empregador não fornece transporte, mas com fulcro em horários de transportes. O novo § 2º do art. 58 da CLT acabou com essa regra.
A Súmula nº 366 do TST vinha considerando como horas extras a totalidade do tempo que o trabalhador excede dentro da empresa, “não importando as atividades desenvolvidas pelo empregado ao longo do tempo residual (troca de uniforme, lanche, higiene pessoal etc.)”. O novo § 2º do art. 4º da CLT não chega a conflitar completamente com essa súmula, mas muda de direção a interpretação da regra de extensão da permanência do empregado na empresa fora do período de trabalho registrado. Não é hora extra quando, por “conta própria”, o empregado permanece no recinto por motivo de alimentação, higiene pessoal, troca de uniforme ou roupa, quando não houve obrigatoriedade, entre outras situações. O critério de “por conta própria” do empregado não é muito definido quando se presume que há “necessidade” de se praticar determinada ação.
Ainda sobre jornada de trabalho, outro tema importante de alteração envolveu o banco de horas. O TST vinha disciplinando a questão por meio da Súmula nº 85, que acabou tendo cinco incisos, sendo que o último provocou uma virada geral de entendimento. Afirma-se nesse inciso V que as disposições até então previstas na referida súmula não se aplicam à modalidade de “banco de horas”, que somente pode ser instituída por meio de negociação coletiva. Aqui o TST definiu duas regras: dividiu o sistema de mera compensação do banco de horas, o que a lei não distinguia. Assim, definiu que a compensação seria feita individualmente dentro da semana, e o banco de horas por meio de negociação coletiva, pois a expressão “acordo” do § 2º do art. 59 dava margem à discussão sobre se tratava de acordo individual ou coletivo.
A nova redação do art. 59 da CLT, por meio dos §§ 5º e 6º, define que o banco de horas pode ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses”. Ou seja, não se exige mais negociação coletiva para a sua implantação. E define que é lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês”. Nesse caso, a lei muda a própria lei, que exigia acordo escrito para qualquer prorrogação de jornada (antigo caput do art. 59).

                       Também o inciso IV da Súmula nº 85 é abalado com o novo parágrafo único do art. 59-B da CLT. Ou seja, pode haver horas extras habituais em regime de compensação.

O intervalo é outro tema de grande conflito. Já existiam os precedentes das leis de 2012 e 2015 que criaram a regra do § 5º do art. 71, contra o entendimento da antiga OJ nº 342 da SDI-1 do TST, que não admitia supressão de intervalos por meio de negociação coletiva. Agora a possibilidade de flexibilizar os intervalos foi mais ampla.

A tônica da discussão é sobre o fato de o intervalo ser direito indisponível em face de sua necessidade física, ou meramente econômica. Esse tema também é complexo em decorrência do tipo de atividade exercida pelo trabalhador, se braçal ou intelectual, as condições de trabalho e a tecnologia que avança para a comunicação a distância. Mas não resta dúvida de que pelo menos os trabalhadores em geral dependem do intervalo para manter as condições mínimas de saúde. Nesse ponto a Reforma afeta em muito os trabalhadores.

A Súmula nº 437 do TST, no momento da Reforma, possuía três incisos, sendo que o inciso II, redigido com base na antiga OJ nº 342, estabelecia que “é inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva”.

Contrário a esse entendimento o novo parágrafo único do art. 611-A da CLT estabelece que as “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo”. É bem verdade que esse artigo trata especificamente de negociação coletiva, mas tal preceito é, por natureza, indivisível e universal.

Outra questão polêmica sobre intervalos é seu pagamento quando suprimido parcialmente. O inciso I da Súmula nº 437 estabelece que “a não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração”.

O novo § 4º art. 71 do CLT, contrariamente, estabelece que “a não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho”.

Foram quebrados dois importantes entendimentos do TST, que deram margem a infindáveis reclamações trabalhistas: o de que a concessão parcial do intervalo equivale a um pagamento integral; e o de que a natureza jurídica do pagamento da parcela de 50% para o caso da irregularidade do intervalo é salarial. O inciso III da Súmula nº 437 estabelecia que “possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT”. A Reforma passou a dar natureza indenizatória a esta parcela.

Concordo com a nova regra, e acho que o TST deu uma interpretação sobre os intervalos que gerou uma grande confusão. Uma coisa é a hora extra trabalhada no período despendido do intervalo, que sempre foi considerada hora extra, já que o empregado trabalha além das oito horas. Outra coisa é a mera irregularidade, quando, por exemplo, o empregado trabalhava oito horas ininterruptas e não havia horas extras. A Lei nº 8.923/94, de que trata a Súmula nº 437 do TST e que criou o § 4º do art. 71 da CLT, veio no sentido de revogar a antiga Súmula nº 88 do TST, que entendia que “o desrespeito ao intervalo mínimo entre dois turnos de trabalho, sem importar em excesso na jornada efetivamente trabalhada, não dá direito a qualquer ressarcimento ao obreiro, por tratar-se apenas de infração sujeita a penalidade administrativa”.

O resultado da interpretação do TST é que tanto faz o empregado ter intervalo de 50 minutos ou nenhum que ganha uma “hora extra”, quando na verdade ele teria direito a dois institutos: 50 minutos de hora extra e mais a parcela do § 4º do art. 71, esta sim com natureza indenizatória por se tratar de compensação pela irregularidade.

A jornada de 12 x 36 poderá ser feita individualmente na forma do novo art. 59-A na CLT, quebrando o entendimento da Súmula nº 444 do TST, que só considerava válida essa jornada quando “prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho”.

Equiparação salarial

A equiparação salarial é outro tema que o TST vinha interpretando paulatinamente. A Súmula nº 6 do TST tinha nada menos que dez incisos. A nova lei alterou a lei anterior (art. 461), restringindo as condições para seu deferimento. Quanto ao ataque ao entendimento do TST, foi abalada a sistemática do que foi chamado de “cadeia de equiparações”, principalmente oriundas de equiparação com o empregado que ganhou a equiparação judicialmente. Esse passibilidade era aplicada amplamente com a antiga Súmula nº 120, até mesmo quando a ação do paradigma havia sido conquistada por meio de revelia. O próprio TST já vinha restringindo a possibilidade de equiparação por cadeia. O tema na época da Reforma era tratado no inciso VI da Súmula nº 6, sendo criadas as figuras de paradigma imediato e paradigma remoto.

O novo § 5º do art. 461 da CLT veda a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria.

Gratificação de função

A história da incorporação definitiva da gratificação de função à remuneração do empregado que a recebeu por mais de dez anos sempre foi um tema turbulento. É um direito tipicamente criado pelo TST.

A antiga Súmula nº 209 do TST, criada em 12 de setembro de 1985 e logo cancelada logo depois, em 3 de dezembro de 1985 (o que já demonstra sua natureza polêmica), tratava dessa regra com o nome de “cargo em comissão”. Essa regra foi ressuscitada com a OJ nº 45, de 1996, transformada depois no atual inciso I da Súmula nº 372 do TST. Um pouco diferente da antiga Súmula nº 209, a nova redação permite a supressão por justo motivo.

O novato § 2º do art. 468 da CLT estabelece que a alteração de que trata o § 1º do art. 468, “com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função”.

Ultratividade

A ultratividade da vigência das normas coletivas é outro tema polêmico que teve reviravoltas jurisprudenciais, bastando estudar o histórico da Súmula nº 277 do TST. Criada inicialmente para limitar as sentenças normativas, foi depois expandida para limitar as convenções e os acordos coletivos.

Numa guinada de 360 graus, em parte justificada pela impossibilidade de se garantir a manutenção da data-base das convenções coletivas desde o advento da EC nº 45/04, em 2012 o TST estabeleceu que: “As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.” É bem verdade que havia uma liminar deferida pelo STF em 2016, suspendendo os processos que versam sobre a ultratividade (Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 33).

O novo § 3º do art. 614 da CLT contrariamente à atual redação da Súmula 277 do TST, determina que “não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.”

Honorários advocatícios

A Constituição de 1988 elevou à norma maior o princípio de que “o advogado é indispensável à administração da justiça” (art. 133). Passou-se, então, a adotar de forma ampla a aplicação dos honorários advocatícios da Justiça do Trabalho, sendo desconsiderada por muitos juízes a Súmula nº 219 do TST, que limitava o pagamento quando o empregado assistido “por sindicato da categoria profissional comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem pré-juízo do próprio sustento ou da respectiva família”.

 Mas logo o TST reafirmou a manutenção da Súmula nº 219, sendo inclusive criada outra, de nº 329, para dizer que “mesmo após a promulgação da CF/1988, permanece válido o entendimento consubstanciado na Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho”.

O novo art. 791-A fixa os honorários advocatícios de sucumbência no percentual de 5% a 15% sobre o valor da condenação ou o valor da causa. Porém, diferentemente das decisões que até então deferiam honorários advocatícios nas reclamações trabalhistas, ainda que não seguindo o entendimento da Súmula nº 219, não eram contra o reclamante. Na forma do § 3º do art. 791-A da CLT, na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários”.

Os honorários de sucumbência contra o trabalhador sempre representaram um impasse nas discussões, inclusive entre seus próprios defensores. Trata-se de uma desvantagem para o reclamante sucumbente, além de que o beneficiário, nesse caso, não será seu próprio advogado, mas o da empresa.

Certamente isso é um grande problema, ainda mais quando a Justiça do Trabalho pretende proteger o trabalhador em relação às despesas processuais. A grande maioria das decisões judiciais é de parcial procedência, fruto da enorme quantidade de pedidos que hoje em dia constam das petições iniciais. O § 4º do art. 791-A cria um atenuante, quando o reclamante é beneficiário de gratuidade de justiça, permitindo a execução apenas após dois anos do trânsito em julgado, salvo se “obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”.

É provável que essa regra venha a incentivar a redução de pedidos sem muita chance de vitória, reduzindo também o valor da causa.

Contestação na ausência do preposto

A Súmula nº 122 do TST estabelece que “a reclamada, ausente à audiência em que deveria apresentar defesa, é revel, ainda que presente seu advogado munido de procuração”, salvo por problema de saúde comprovado.

Esse entendimento decorria de uma interpretação feita pelo TST do caput do art. 844 da CLT que fixava que o “não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato”. Tratava-se de uma redação bem antiga e de quando o advogado era dispensável de fato na Justiça do Trabalho.

Principalmente após a Carta de 1988, que reafirmou em plano maior que o advogado é indispensável à administração da Justiça, sempre achei exagerada essa interpretação do TST. Ainda mais que a defesa do advogado, ou a “contestação”, nem sempre trata só de matéria fática, mas também de preliminares e prescrição, entre outros temas prejudiciais em que o advogado tem o dever profissional de alegar.

O caput do art. 844 continua com a redação antiga, porém foi introduzido o § 5º, que estabelece “ainda que ausente o reclamado, presente o advogado na audiência, serão aceitos a contestação e os documentos eventualmente apresentados”. (NR)

Não só permitiu-se a peça contestação quando da ausência do preposto, mas também os documentos. Em tais casos serão avaliadas as provas, como já ocorre nas chamadas audiências fracionadas, já tratadas pela Súmula nº 74 do TST. Agora, sim, revelia ocorre quando inexiste contestação, e confissão ficta quando a parte não comparece para prestar depoimento.

Outra súmula atingida foi a que exigia que o preposto fosse empregado (Súmula nº 377). O novo § 3º do art. 841 foi expresso em afirmar que o preposto não precisa ser empregado. Sem dúvida, era uma regra que não tinha respaldo legal, pois causava condenações injustas.

4. A técnica da negociação individual e o enfraquecimento da negociação coletiva
É perceptível que a forma técnica encontrada pela Reforma Trabalhista de 2017 para atenuar a atuação da Justiça do Trabalho foi a da negociação direta entre empregados e empregadores. Ou seja, prevalece a lei de mercado sobre a lei, reduzindo o peso de imperatividade desta e, em muitos casos, até sobre a negociação coletiva. O negociado sobre o legislado dessa Reforma não é exatamente o defendido na década de 1990, quando os sindicatos saíam com maior poder. Até mesmo essas entidades, tão fortalecidas na época da Constituinte de 1988, agora vêm sendo atingidas de forma inédita.
Vivemos, portanto, uma tendência civilista no Direito do Trabalho. A Reforma chegou mesmo a introduzir na CLT (§ 3º do art. 8º) a citação explícita do art. 104 do Código Civil, que trata da validade do negócio jurídico. A convenção coletiva é entendida como um negócio jurídico sob a ótica civilista, para não deixar nenhuma dúvida de que há certo retorno histórico. Lembro que as relações individuais de trabalho antigamente eram regidas pelo Código Civil, mas as convenções coletivas nunca foram regidas por tal diploma, já que as normas civilistas eram totalmente contrárias a qualquer negócio coletivo em que um ente pudesse ser representado por outro sem sua autorização, e ainda sem direito de renúncia por parte do representado na negociação. O instituto da manifestação de vontade coletiva de natureza privada nunca foi admitido pelas regras civilistas. Tanto é que a regra da representação coletiva começou quando os sindicatos eram considerados portadores de função pública. Só com a Constituição de 1988 é que eles realmente conseguiram autonomia do Estado e ganharam definitivamente natureza jurídica de direito privado.
No novo modelo, o sindicato ganhou força com suas normas negociadas, mas, por outro lado, seu campo foi minado com as possibilidades de negociação individuais. Inclusive não está muito clara a possibilidade de a negociação coletiva proibir as negociações individuais; já que estas estão garantidas por lei enquanto norma de direito individual. O direito à negociação individual passou a ser uma norma de ordem pública? A preponderância do direito coletivo sobre o individual provavelmente será rediscutida no âmbito jurídico. Esses são temas ainda a serem desenvolvidos pela jurisprudência.
Entendo, portanto, que os sindicatos obtiveram ganhos e perdas com a Reforma Trabalhista, além da perda econômica, que tornou a contribuição sindical optativa, o que vale dizer que o “imposto” sindical acabou. As vantagens dos sindicatos referem-se às novas regras contrárias à liberdade da Justiça do Trabalho para anular ou interpretar suas cláusulas normativas. Parto aqui de um critério objetivo de que age contra o sindicato tudo aquilo que lhe tira poder, reduz sua arrecadação financeira e diminui seu campo de exclusividade de negociação. O negociado sobre o legislado sempre foi o símbolo maior do poder sindical. Algumas condições de trabalho que dependiam de negociação com sindicato foram revogadas. É significativa a exclusão da negociação coletiva sobre temas tão importantes como jornada de trabalho, embora, como dito, muita coisa era fruto do entendimento do TST. No âmbito meramente legal, por exemplo, a revogação da exclusividade de negociação coletiva sobre a jornada in itinere, que existia no § 3º do art. 58 incluído na CLT em 2006, para as microempresas e empresas de pequeno porte.
A negociação individual prevalece sobre a coletiva no ato da contratação de “empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, conforme novo parágrafo único do art. 444 da CLT. O que equivale, na época da Reforma, a R$ 11.062,62. Trata-se de uma inovação bem significativa e que certamente atingirá trabalhadores de grandes empresas, onde predominam os sindicatos mais poderosos.
Tais fatos, até aqui relatados, demonstram que a técnica de negociação individual foi bem utilizada para reduzir a quantidade de condenações, e até de negociações coletivas. Acredito que, entre todas as regras de negociação individual, as duas mais importantes são a que permite a extinção do contrato de trabalho por acordo e a que permite sucessivos acordos extrajudiciais nos sindicatos.

Concluindo, podemos dizer que os acordos individuais e os coletivos criaram a possibilidade de reduzir o potencial da Justiça do Trabalho em volume de condenações. A estrutura institucional desse Poder Judiciário foi mantida, mas sua jurisprudência perdeu frente ao mercado e aos sindicatos, embora estes também tenham sofrido com a Reforma. Também os advogados trabalhistas ganharam com os honorários de sucumbência, mas perderam com o volume de condenações. Urge um novo recorte de defesa dos trabalhadores a ser construído por esses atores.




[1] O autor é professor doutor da Universidade Federal Fluminense e desembargador do trabalho do TRT/RJ. Artigo escrito em agosto de 2017.
[2] Trecho da Nota Pública de 02.02.2016 do COLEPRECOR – COLÉGIO DE PRESIDENTES E CORREGEDORES DOS TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO: “Não obstante a Justiça do Trabalho reconheça as atuais crises econômica, política e social pelas quais a Nação hoje atravessa e, ao final, concorde que todos os órgãos da União devam contribuir para que tal estágio seja superado o mais breve possível, este ramo Especializado da Justiça não pode suportar indicados cortes que superam R$ 880 milhões, sendo, para os Regionais Trabalhistas, 29% de todo o montante solicitado para apreciação de causas, além do cancelamento de 90% dos recursos para investimento, sob pena de precarização dos seus serviços prestados a toda a população jurisdicional, além de evidente sucateamento das instalações.
[3] Em 2016 a Justiça do Trabalho arrecadou para a Previdência Social R$ 2.496.108.993,10; de Imposto de Renda, o valor foi de R$ 403.951.434,68; e de custas, foi de R$ 292.275.960,64, além de emolumentos e multas, segundo dados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho.

[4] Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), do IBGE, divulgados no dia 29 de julho de 2016, o rendimento médio real habitual do trabalhador brasileiro caiu 4,2% no segundo trimestre de 2016, na comparação com o mesmo período de 2016. O desemprego subiu para 11,3% no trimestre encerrado em junho de 2016, em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior.
[5] Utilizamos neste texto os relatórios gerais da Justiça do Trabalho elaborados pela Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, que são facilmente encontrados no site do TST.
[6] Sobre este conflito do TST com o STF, ver artigo escrito por este autor em parceria com Diogo Menchise: TERCEIRIZAÇÃO – ATUALIZAÇÃO DO TEMA E INDEFINIÇÕES, Revista do TRT 1ª Região – ISSN 2178-5651, RJ, v. 25, nº 56, jul/dez 2014, pp. 79-91.

[7] UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA E CONSEQUÊNCIAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A LEI Nº 13.015/14 E O ATO Nº 491/14 DO TST, Revista LTr, março 2015, ano 79, pp.79-03/316 a 79-03-323, ISSN 1516-9154;Revista Justiça do Trabalho, ISSN 0103-5487, ano 32, nº 376, abril 2015; pp. 32-4746. O NOVO CPCP, A JUSTIÇA DO TRABALHO E A SEGURANÇA JURÍDICA Suplemento Trabalhista da LTr 101/16, ano 52, pp. 577-584, SP, Revista MATRA1 – novembro 2016, ano XXI, nº 54.

[8] Não incluí nesse rol os precedentes normativos, que, efetivamente, tinham a intenção de criar normas pelo poder normativo.
[9] A Súmula 50 do TST-RJ tem entendimento contrário: “A pronúncia de ofício da prescrição, prevista no artigo 219, § 5º, do CPC, é incompatível com os princípios que norteiam o Processo do Trabalho.