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Artigo: Certidão Extrajudicial de Dívida Trabalhista: proposta e perspectiva de garantia do crédito trabalhista


Autores: IVAN ALEMÃO (juiz do trabalho do TRT/RJ, doutor professor da UFF)  e LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO (auditor-fiscal do trabalho e mestrando do PPGSD-UFF)
Resumo
Neste artigo, nossa intenção é levantar uma discussão sobre a necessidade de avançarmos a possibilidade de criação de títulos extrajudiciais de créditos trabalhistas, buscando a interação da Justiça do Trabalho com o Ministério do Trabalho. Dentro desse objetivo, tratamos da criação da atual Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), introduzida na CLT pela Lei 12.440 de 7 de julho de 2011, dos projetos que tramitam no sentido de ampliar as possibilidades de títulos extrajudiciais trabalhistas, de normas internas do Ministério do Trabalho e da hipótese da ação monitória na Justiça do Trabalho.
1. Importância do tema
A garantia do crédito trabalhista vem evoluindo muito lentamente, sendo que as principais medidas implementadas nos últimos anos se concentram em mecanismos processuais, e mesmo assim no âmbito da execução, após longo trajeto da fase cognitiva. Neste rol, provavelmente os mais importantes procedimentos criados a favor da execução foram os decorrentes da implementação da ferramenta da informática e da internet, como o BACEN JUD e outros sistemas de penhora. Mas, por outro lado, não podemos deixar de destacar que outras medidas judiciais vêm dificultando a eficácia da execução, independentemente de sua justeza meritória, como a impossibilidade de prisão do depositário infiel (HC 87.585 do STF e Súmula 419 do STJ), a exigência de demonstração da má-fé do terceiro adquirente, no caso da fraude de execução (ou fraude à execução), conforme Súmula 375 do STJ, e, mais recentemente, o enfraquecimento da aplicação da responsabilidade subsidiária da administração pública, com a decisão da Adin 16 do STF.
Mas, enquanto a informática aumentou a rapidez de alguns atos executórios e de informações, vivemos ainda numa relação jurídica de trabalho em que inexiste, por exemplo, multa em caso de atraso do salário, mesmo este tendo, reconhecidamente, natureza alimentar. O velho interesse do capital ainda se sobrepõe ao do trabalho, muito embora isso possa parecer superado historicamente e despercebido pela população, tanto é que não existe reivindicação nítida a favor de uma multa para atraso de salário. Muitos avanços não são, assim, tão significativos quanto possam parecer. Não adianta avançar na ferramenta e deixar a mente de lado. É nesse sentido que buscamos aqui relembrar a importância da execução executiva, hoje denominada execução por título extrajudicial, uma novidade jurídica criada ainda nas trevas da Idade Média e que não chegou a contento na Justiça do Trabalho.
 Basta ver que se um trabalhador não recebe seu salário, após ter cumprido sua parte no contrato, ainda tem que esperar a prolação de um título judicial para dar início à execução, tendo como compensação apenas os parcos juros de 1% ao mês, mais correção monetária. Salvo, é claro, a opção de ter que fazer uma transação, que implica ter que “pagar um preço” ao empregador, mesmo que se trate de direito adquirido líquido e certo e com provas cabais. As transações deveriam ser incentivadas apenas nas causas em que há incerteza do direito, no entanto, infelizmente, também acabam sendo incentivadas quando há incerteza da execução. Neste último caso é que o empregado acaba pagando mais uma “taxa” de exploração, evidenciando que as fraquezas da execução trabalhista geram ganhos de capital para os empregadores. Não há explicação técnica para esse atraso histórico nas relações contratuais trabalhistas, a não ser uma justificativa econômica de exploração e a constatação de existência de uma política de dominação dos mais fortes, ou seja, tudo aquilo que o direito do trabalho historicamente procura compensar.
Sem querer exigir muito de nosso sistema jurídico atual, pretendemos aqui discorrer sobre uma pequena questão, bastante simples nos demais ramos do direito, mas que no trabalhista parece ser algo gigantesco. Trataremos, aqui, nada mais nada menos que da possibilidade de existência de título extrajudicial, o que ocorre no direito comum, como dissemos, há séculos, tendo o CPC detalhado algumas hipóteses em seu art. 585, entre elas, nota promissória, cheque, confissão de dívida, crédito de aluguel de imóveis e despesas de condomínios, desde que seguindo os requisitos do referido artigo.
Por que o direito do trabalho, mais precisamente o direito processual do trabalho, ainda não atingiu esse ponto? Por questões técnicas ou por questões culturais? De fato, existem obstáculos técnicos, mas entendemos que os culturais são os mais difíceis de serem abatidos, pois aqueles a jurisprudência enfrenta com sucesso, mas com estes últimos não basta a letra da lei, é preciso um convencimento jurídico e social. Por isso entendemos ser importante que os principais atores relacionados com o direito do trabalho atuem conjuntamente, onde se incluem não apenas os advogados e juízes, mas também o Ministério do Trabalho.
Acreditamos que a reaproximação histórica entre a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho pode dar maior eficácia à garantia do crédito trabalhista, a partir de uma ação não só punitiva como preventiva e satisfativa. Preventiva porque os auditores fiscais veem o “ovo da serpente”, ou seja, o estágio que antecede as fraudes e as falências dos empregadores e, neste momento, podem criar documentos e provas a serem aproveitadas futuramente. Satisfativa porque já estando os trabalhadores com documentos hábeis em mãos podem exercer medidas processuais rápidas que garantam o pagamento do devido. Mas para isso os advogados e juízes devem ser receptivos a tais inovações.
Num sentido geral, nossa ideia é tornar a ação do Estado, em seu conjunto, mais incisiva, evitando-se, por exemplo, que empresas terceirizadas desapareçam sem pagar suas dívidas trabalhistas quando findam seus respectivos contratos de prestação de serviços. Torna-se muito importante a possibilidade de se poder penhorar créditos ainda na constância do contrato de prestação de serviço, principalmente após a Adin 16 do STF, que levou o TST a alterar a Súmula 331 do TST, enfraquecendo a aplicação da responsabilidade subsidiária dos entes públicos.
A recente criação da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) evita que o inadimplente trabalhista vença licitações públicas, mas não impede que ele venha a contrair dívidas depois da licitação, o que é mais comum. Por isso as certidões extrajudiciais complementam a política de discriminar o empregador inadimplente. Achamos que a criação da CNDT é um avanço, porém, ainda há muito que evoluir. E nesse sentido a Justiça do Trabalho também tem o que aprender com o Ministério do Trabalho. O antigo Decreto-lei n. 368 de 19.12.1968 já cuidava das certidões negativas de débitos salariais. O Ministério do Trabalho tem longa tradição na expedição de certidões negativas para o credenciamento e a habilitação da empresa junto aos órgãos e/ou empresas para fins de participação em licitações e concorrências e/ou para transações comercias e/ou prova documental para obtenção de crédito e fins judiciais. A regularidade fiscal já era exigida nas licitações públicas (art. 27 da Lei 8.666/93). Mais recentemente, o Ministério do Trabalho começou a emitir certidões positivas de débito salarial, muito embora sua utilidade ainda dependa de uma funcionalidade que a Justiça do Trabalho pode fornecer.
Observamos, para evitar confusões, que a certidão extrajudicial de dívida trabalhista tratada aqui não tem relação direta com a Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas, criada juntamente com a CNDT, como consta no §2º do art. 642-A da CLT: “verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da CNDT”. Neste caso, a certidão é judicial, e aquela da qual estamos tratando é extrajudicial. No primeiro caso, já houve processo judicial e condenação paga; no segundo caso, poderá ser iniciado um processo de cobrança. A certidão do Ministério do Trabalho é um documento extrajudicial, não sendo confundido com a certidão positiva judicial. A certidão extrajudicial de que falamos é contra o empregador; a certidão positiva é a favor do empregador. A certidão positiva da CLT também não tem qualquer similitude com as certidões positivas de débitos salariais do Ministério do Trabalho, das quais trataremos a seguir, e que mais se aproximam das certidões extrajudiciais.
 2. A certidão de crédito emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego: particularidades, limitações e perspectivas
 A ideia de uma CERTIDÃO EXTRAJUDICIAL DE DÍVIDA TRABALHISTA deve ser encarada de forma ampla, com um leque amplo de possibilidades, podendo ser emitida por diversas autoridades ou entidades, como o Ministério Público do Trabalho ou o Ministério do Trabalho e Emprego. Nesta proposta trataremos da certidão positiva de crédito emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
 Nesta oportunidade, apresentamos um quadro sobre a importância e legalidade das certidões positivas de débitos salariais do Ministério do Trabalho. Até 2004, a Instrução Normativa nº 27 de 27 de fevereiro de 2002 do Secretário de Inspeção do Trabalho, hoje revogada pela portaria 76 de 16.4.2004, estabelecia, ao lado da certidão de débito salarial, a certidão positiva de débito salarial, em seu anexo II:


CERTIDÃO POSITIVA DE DÉBITO SALARIAL N.º 000/2002

Certifico, atendendo a requerimento protocolizado nesta Delegacia Regional do Trabalho, sob o n.º____________ (nº do protocolo no COMPROT), que existe débito quanto aos salários devidos aos empregados de _______________________________ (nome do empregador solicitante), cujo estabelecimento está situado _____________________________________________________ (endereço, cidade e estado), inscrito no CNPJ/CPF/CEI, sob o n.º _________________________ (número de inscrição), referente aos meses de (meses e ano) conforme informações do relatório de fiscalização efetuada no mês de_______________ (mês), baseado na documentação solicitada e exibida pelo empregador. Esta certidão tem prazo de validade de 90 (noventa) dias. E, para constar, eu __________________________ (nome), matrícula SIAPE n.º _______________ (número da matrícula), lavrei a presente certidão que vai por mim rubricada e assinada pelo Chefe do Setor de Fiscalização do Trabalho desta Delegacia Regional do Trabalho em_______________________________ (local e data).
(nome)
Chefe da Seção de Fiscalização do Trabalho

Segundo o site do Ministério do Trabalho, após a extinção da IN n. 27/2002, as certidões passaram a ser emitidas pela SEMUR (Seção de Multas e Recursos, repartição que pertence à estrutura das Superintendências Regionais):

Obs: “A Certidão emitida poderá ser dada como: Negativa (não havendo infrações) ou Positiva (havendo infrações impostas). A Certidão é para ilícitos cometidos e não para multas existentes.”
Norma aplicável: Extinta a Instrução Normativa nº 27, de 27/02/2002, era o parâmetro legal, no que diz respeito aos procedimentos.  Ficou estabelecido, pela Secretaria da Inspeção do Trabalho, que os critérios ficam a cargo das chefias das SEMUR. E esta chefia determinou que os procedimentos serão os mesmos, exceto pelos prazos de validade da certidão que passaram de 90 para 180 dias e pela redução da burocracia documental exigível de empresas que reiteradamente se utilizam de nossos serviços”.(http://portal.mte.gov.br/delegacias/rj/servicos/)

Como dissemos, o fornecimento de Certidão Negativa de Débito Salarial é bem antigo, regulado pelo Decreto-lei 368 de 19.12.1968, ainda em vigor. Por este diploma, considera-se salário “a retribuição de responsabilidade direta da empresa, inclusive comissões, percentagens, gratificações, diárias para viagens e abonos, quando a sua liquidez e certeza não sofram contestação nem estejam pendentes de decisão judicial” (art. 6º). Já a certidão positiva é uma preocupação mais recente, conforme tratada na IN n. 27, citada por nós, e em outras normas internas.
De modo geral, as certidões emitidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego podem resultar de um processo especificamente regulado para este fim, tal como o previsto nas normas emanadas pelas SEMUR, no âmbito das respectivas Superintendências (SRTE). Por outro lado, elas também podem ser expedidas de forma bem mais descentralizada, em sede das ações fiscais promovidas pelos Setores de Inspeção do Trabalho, no interior das Gerências Regionais. Neste caso, as certidões seriam fruto do exercício de um direito genérico de petição, nomeadamente o de obter certidões a partir de processos administrativos, no caso, de um processo administrativo fiscal.
2.1. Das certidões expedidas pelas SEMUR
No nosso entender, com a revogação da IN n. 27, perdeu-se um bom paradigma administrativo para a expedição de certidões positivas de débitos salariais. Contudo, o fato de as Seções de Multas e Recursos poderem regular a expedição dessas certidões permite que as iniciativas dirigidas para a integração entre Inspeção do Trabalho e Justiça do Trabalho possam ser promovidas regionalmente, no âmbito dos estados, não carecendo de qualquer regulação central, seja por parte da Secretaria de Inspeção do Trabalho, seja por parte do TST.
No Rio de Janeiro, por exemplo, há forte orientação para que as certidões de débitos salariais só possam ser requeridas por empresas. O próprio modelo reproduzido acima ilustra bem este fato. Isto significa que, em princípio, trabalhadores e entidades sindicais não poderiam requerer estas certidões.
Ultrapassando o debate acerca dessa limitação, resulta claro que o objetivo das certidões de débitos salariais expedidas no âmbito das SRTE é o de atender às empresas, nomeadamente quanto às suas necessidades de comprovação de regularidade trabalhista para fins empresariais. Quando muito, a expedição dessas certidões poderia ser determinada por decisão judicial, a fim de instruir pedido de indenização por dano moral ou rescisão indireta de contrato de trabalho, por exemplo.
Verifica-se, no entanto, que as certidões expedidas pelas SEMUR reproduzem informações dos bancos de dados do SFIT (Sistema Federal de Inspeção do Trabalho). O módulo “dossiê de empresas” permite que sejam selecionados todos os Relatórios de Inspeção (RI) das diligências realizadas em determinado estabelecimento empregador. Entre outros dados, os RI mencionam os autos de infração lavrados, identificando-os por meio dos seus respectivos códigos, conforme o ementário utilizado pelos Auditores-Fiscais do Trabalho. A despeito de as instruções emanadas pela SEMUR da SRTE/Rio de Janeiro afirmarem que não se trata de uma certidão de multas existentes, o fato é que os ilícitos relacionados com débito salarial devem, necessariamente, corresponder à lavratura de autos de infração (cf. art. 628, CLT). Portanto, são as ementas das infrações reproduzidas nos autos de infração que irão determinar a identificação de tipos relacionados ao débito salarial.
O problema dessas certidões é que elas atestam, tão somente, a existência, ou não, de débitos salariais. Estando vinculadas às informações oriundas do SFIT, e não aos processos de inspeção deflagrados por denúncias, ou aos que são abertos a partir do protocolo dos próprios autos de infração, as certidões de débito salarial, notadamente as positivas, não conterão informações acerca do quantum salarial devido, tampouco tais informações estarão individualizadas por empregado. Na prática, as certidões emanadas pela SEMUR da SRTE/Rio de Janeiro não servirão ao propósito de se tornarem títulos executivos extrajudiciais nem instrumentos de propositura de ações monitórias. Neste particular, afirma-se que não se trata de uma peculiaridade do Rio de Janeiro, mas de todas as Superintendências Regionais.
2.2. O problema da quantificação e individualização do débito salarial pela Inspeção do Trabalho
A questão levantada no tópico anterior, no entanto, não está situada na regulação das certidões emanadas pelas SEMUR, mas na própria dinâmica da inspeção do trabalho. Diz-se isto porque, ainda que tais documentos fossem extraídos diretamente da instrução dos processos de fiscalização (e não dos relatórios de inspeção constantes do SFIT), raramente se teriam informações acerca da quantificação do débito salarial ou da individualização deste débito. Ainda que a valoração da multa aplicada leve em consideração o número de trabalhadores em situação irregular, o corpo do auto de infração não precisa mencionar a totalidade dos empregados, bastando mencionar alguns que ilustrem uma situação geral. No caso específico do débito salarial, a reprodução histórica do mesmo modus operandi determinou a lógica de que “empresa que atrasa salário de um, atrasa de todos”. Desse modo, define-se o valor da multa por atraso de salários multiplicando-se o valor da infração, isoladamente considerada, pelo número total de empregados. Quando muito, anexa-se a folha de pagamento ou relação de empregados ao auto de infração expedido, a fim de comprovar o número de trabalhadores em situação irregular mencionado no campo específico do auto de infração.
  Esta é a característica da inspeção do trabalho no Brasil. Em princípio, o valor da multa não é oriundo de um “lançamento”, como se dá na inspeção fiscal tributária. Nestes casos, o valor do auto de infração é definido pelo somatório da multa, do débito fiscal lançado e dos consectários legais (juros e mora). Em vez disso, o auto de infração da inspeção trabalhista se compõe apenas da multa pela conduta infratora, que pode ser exasperada nos casos em que a infração for per capita, nos casos de reincidência ou de fraude (art. 9º, CLT).
Mesmo na hipótese de denúncia específica de atraso de salários, com possibilidade de configuração da mora contumaz, não haveria a necessidade de quantificar o débito salarial, bastando informar o número de empregados em situação irregular e, se for o caso, o número de meses em que o salário não foi pago, ou pago intempestivamente.
Em sendo remota a perspectiva de mudança da dinâmica da inspeção do trabalho, devemos considerar outra frente de ação, certamente bem mais promissora. Trata-se da expedição de certidões no âmbito dos próprios processos de inspeção, fundada no direito subjetivo público de petição, em particular, no direito de obter certidões, positivado na Lei do processo administrativo federal (9.784/99).
2.3. Das certidões expedidas no âmbito dos processos administrativos fiscais
Sem prejuízo do aperfeiçoamento dos ritos de expedição das certidões de débitos salariais pelas SEMUR, a possibilidade legal de que certidões venham a reproduzir informações produzidas pela inspeção fiscal trabalhista é inconteste. Tal como rege o art. 46 da Lei 9.784 de 29.0.1999, qualquer “interessado tem direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem”. Havendo processo administrativo em que se tenham verificado dívidas trabalhistas, o trabalhador pode requerer certidão. Qualquer interessado inclui não só o trabalhador, mas também os sindicatos de classe, bastando que demonstrem legitimidade para representar determinada coletividade de trabalhadores, na forma da CF/88, art. 8º, III.
Contudo, o problema persiste. Considerando a atual regulamentação da inspeção do trabalho no Brasil, quais seriam os processos administrativos fiscais que poderiam produzir informações de débitos salariais quantificados e individualizados?
Levando-se em conta apenas o sistema de inspeção do trabalho, a resposta para a indagação acima poderia estar no processo de fiscalização do FGTS e, num segundo momento, nos que particularizam o atributo jornada de trabalho, notadamente quanto às empresas que utilizam o SREP (Sistema de Registro Eletrônico de Ponto).
Em relação ao FGTS, a atual IN n. 84 de 13.7.2010 do Secretário de Inspeção do Trabalho dispõe sobre a verificação do FGTS. Nos casos em que se verifique irregularidade, a norma determina ao Auditor Fiscal do Trabalho que proceda ao levantamento do débito, individualizado por empregado, e emita a notificação respectiva para que o empregador recolha a importância devida.  Este levantamento fiscal é realizado com base na documentação fornecida pela empresa, em cruzamento com os dados da RAIS e do CAGED, sendo certo que os valores relacionados serão necessariamente individualizados por empregado.
Caso a empresa não forneça a documentação necessária, embaraçando a inspeção fiscal, na hipótese prevista no art. 630 da CLT, além da lavratura do Auto de Infração correspondente, o Auditor-Fiscal poderá dar sequência ao levantamento por arbitramento, cujo critério será o mais favorável ao empregado, segundo a dicção da norma supramencionada. Tendo em vista que o débito com o FGTS tem como base de cálculo “salários pagos ou devidos”, certamente quando da individualização do FGTS calculado sobre salários impagos tais valores deverão ser individualizados, possibilitando, a requerimento da parte interessada, a emissão da respectiva certidão positiva de débito, acompanhada do relatório fiscal, com a individualização dos salários (devidos) e do FGTS. Como mencionado, no caso de ser negado o fornecimento de documentos e de quaisquer registros que possibilitem o levantamento, o auditor poderá arbitrar valores  (art. 25 IN n. 84 de 13.7.2010), podendo considerar os mais variados parâmetros (salário mínimo, piso regional, piso normativo etc.). Também nesses casos a individualização do débito com o FGTS deverá ser feita associando-se os recolhimentos devidos aos salários pagos (ou devidos), ainda que arbitrados.
Desse modo, seja no caso de denúncia de falta de recolhimento do FGTS, seja na hipótese de salários impagos ou em atraso, o FGTS deverá ser levantado e individualizado. Em quaisquer casos, o processo de individualização do débito com o fundo envolverá, necessariamente, a individualização dos salários. No caso específico dos salários, se a empresa não comprovar o pagamento, o Auditor-Fiscal do Trabalho estará autorizado a colher outros indícios (entrevista com os trabalhadores, por exemplo) que levem à comprovação da existência, ou não, do débito salarial, cujo lapso de tempo coincidirá, ao menos em parte, com o do débito junto ao FGTS.
Outra Instrução Normativa, a de nº 85/2010, que regula a fiscalização da jornada de trabalho no âmbito das empresas que utilizam o REP (Registro Eletrônico de Ponto – Portaria nº 1.510/2009), dispõe sobre a obrigatoriedade de as empresas apresentarem os arquivos tratados relativos às folhas de pagamento que, sendo cruzados com os registros invioláveis do REP, possibilitam o levantamento físico das horas extras realizadas, bem como o cálculo individualizado das diferenças salariais devidas sob esta rubrica. Nesse sentido, não só é possível o levantamento do débito com o FGTS, em relação aos valores devidos a título de horas extras e reflexos, como também, neste âmbito, as certidões poderão ser emitidas, acompanhadas do relatório fiscal, tal como na hipótese anterior.
2.4. A integração da Inspeção do Trabalho com o Sistema de Relações do Trabalho do MTE
Um dos fatos que nos mobiliza na defesa da expedição de certidões administrativas, que sejam passíveis de execução trabalhista ou apenas instrumentalizem ações monitórias, é a sanha de terceirizações de toda ordem, que muitas das vezes resultam na pulverização da responsabilidade pelo cumprimento das obrigações trabalhistas, dificultando, em muito, a garantia do crédito salarial.
No âmbito das ações do MTE, as denúncias de salários em atraso, débito com o FGTS, questões relacionadas a registro de empregados ou segurança e saúde no contexto das terceirizações são, em geral, tratadas como demandas coletivas, pois quase sempre são trazidas pelos sindicatos de trabalhadores. Ocorre que nem sempre tais denúncias vêm na forma de pedidos de fiscalização, mas de mediação trabalhista.
Nos requerimentos de Mesa-Redonda (Portaria 3.122/88) se mencionam, normalmente, todas as empresas que compõem o liame de terceirizações, inclusive a tomadora original dos serviços, as quais são chamadas para a reunião administrativa.
O processo administrativo de mediação pública permite uma apuração bastante pormenorizada dos fatos alegados na denúncia, incluindo a quantificação de débitos salariais, FGTS etc. Não raro se obtém o reconhecimento do devedor quanto às obrigações inadimplidas, o que configuraria verdadeira confissão de dívida.
Há previsão normativa (art. 18, VII, da Portaria 153/2009) determinando que a fiscalização apoie os serviços de mediação, algo que, eventualmente, nem é necessário, caso o mediador seja Auditor-Fiscal do Trabalho.
Tem-se, pois, que a mediação trabalhista, no âmbito do sistema de relações do trabalho do MTE, mormente se perfeitamente integrada com o sistema de inspeção, pode produzir, de forma extremamente ágil, dados verossímeis, quantificados e individualizados, acerca de créditos salariais impagos. O mesmo se pode dizer dos processos de Mesa de Entendimento (IN n. 23/2001), os quais, ao invés, são processos fiscais, cujos Termos de Compromisso particularizam o débito identificado na ação fiscal que deflagrou o procedimento.
Afirma-se pois que, mesmo sem considerarmos a hipótese de uma refundação da inspeção do trabalho no Brasil, as ações fiscais voltadas à apuração de débito com o FGTS, bem como as diligências orientadas para a verificação da jornada de trabalho, nos casos de usuários do SREP, podem produzir dados suficientemente precisos, os quais, constando em certidões requeridas com ou sem rito específico, podem lhes conferir liquidez. Além disso, nos casos em que as mediações públicas sejam o primeiro instrumento manuseado pelos sindicatos, nas hipóteses em que sejam identificados débitos salariais entre empresas terceirizadas, mais certo ainda é que as atas de mesa-redonda, bem como a própria instrução processual, possam pormenorizar fatos e quantificar obrigações trabalhistas inadimplidas de toda espécie, muitas vezes acompanhadas da própria confissão do devedor.
3. Projeto de lei do TST/Jucá
Há no Brasil projeto de criação da expansão de título extrajudicial no processo do trabalho. Todavia, tais propostas ainda são bem tímidas. O projeto do TST, em parte encampado pelo projeto do Senador Romero Jucá, propõe diversas alterações na CLT, porém, destacamos a seguinte:
Art. 878-B Os títulos executivos extrajudiciais serão executados mediante prévia citação do devedor, prosseguindo-se na forma prevista para o cumprimento de sentença.

Parágrafo único. São títulos executivos extrajudiciais:
a) os termos de ajuste de conduta firmados com o Ministério Público do Trabalho;
b) os termos de compromisso firmados com a fiscalização do trabalho;
c) os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia;
d) os acordos realizados perante o sindicato;
e) o cheque ou outro título que corresponda inequivocamente a verbas trabalhistas;
f) qualquer documento do qual conste o reconhecimento de dívida trabalhista, inclusive o termo de rescisão do contrato do trabalho.
Consideramos tímida a proposta do projeto de lei, pois em todas as hipóteses o documento dependerá da vontade do devedor, seja por acordo, seja por documento que dependa de sua assinatura.
Entendemos que a jurisprudência pode ir além, inclusive influenciando o projeto, valorizando as autoridades (procuradores e auditores-fiscais) que já acompanham e fiscalizam as relações de trabalho, no sentido de incentivar títulos extrajudiciais, muito embora entendamos que é direito do réu questionar tais títulos especificamente, como já ocorre com os termos de acordos homologados nas comissões de conciliação prévia.

4. Adequação da certidão positiva no ordenamento jurídico
A CLT já estabelece uma regra ampla para a aceitação do título executivo extrajudicial:
Art. 877-A – É competente para a execução de título executivo extrajudicial o juiz que teria competência para o processo de conhecimento relativo à matéria. (Incluído pela Lei nº 9.958, de 25.10.2000)
É bem verdade que nem todos os juízes estão obrigados a aceitar qualquer documento como título extrajudicial, pois a CLT se refere especificamente a dois casos: acordo homologado em comissão de conciliação prévia (parágrafo único do art. 625-E e 876, ambos da CLT) e termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho (art. 876 da CLT).
Caso o juiz entenda que tal documento não tenha eficácia de título executivo, poderá aceitá-lo para efeito de ação monitória:
Art. 1.102.a - A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel. (Incluído pela Lei nº 9.079, de 14.7.1995)
Conforme artigo supra, grifado por nós, basta a prova escrita para a propositura da ação monitória. Não é necessário que esse documento seja fornecido pelo devedor, podendo ser fornecido por autoridade, como aqueles assinados pelos auditores-fiscais, assim também como por membros do Ministério Público do Trabalho, decorrente de inquéritos civis.
Por fim, ainda que o juiz entenda que não cabe ação monitória na Justiça do Trabalho, o documento poderá servir como prova ou forte indício, ou ainda como prova para outras medidas protetoras, como as de antecipação de tutela, liminares, inversão do ônus da prova etc.
O reconhecimento do uso da ação monitória na Justiça do Trabalho é o caminho atualmente mais adequado, pois o réu pode ajuizar embargos à execução para arguir nulidade, quitação, excesso de execução, ou outro fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito. O título extrajudicial não se torna totalmente independente por si só no processo do trabalho. Aliás, este sempre foi um dos problemas para se aceitar tais títulos no processo do trabalho, pois a independência total do título transferiria a competência para a justiça comum.  E isso é o que ocorre com um cheque, nota promissória ou confissão de dívida, ou seja, o titular do direito pode provocar a Justiça comum mesmo que o título seja oriundo da relação de trabalho. No caso do processo do trabalho, é recomendável que se discuta de forma mais ampla todos os títulos extrajudiciais, tal a facilidade de fraude, pelo menos num primeiro momento, até que os títulos extrajudiciais se aperfeiçoem.

Janeiro de 2012