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Artigo: "Prescrição - Cobrança de multas da competência da Justiça do Trabalho"

IVAN ALEMÃO, Desembargador do TRT/RJ e Professor da UFF-PPGSD;
LUIZ FELIPE MONSORES DE ASSUMPÇÃO, Auditor Fiscal do MTE e doutorando UFF-PPGSD
GERSON LESTER – Assessor jurídico do TRT/RJ

INTRODUÇÃO
A Justiça do Trabalho desde a EC 45/2004 passou a ser competente para processar “as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho” (inciso VII do art. 114 da CF).
As lides relacionadas com a autuação do Ministério do Trabalho e Emprego chegam à Justiça do Trabalho por meio de diversos ritos processuais, sendo o mais conhecido o executivo fiscal, mas também por meio da ação anulatória de ato declarativo da dívida ajuizada pelo autuado insatisfeito, mandado de segurança ajuizado perante Vara do Trabalho, repetição de indébito, ação de consignação em pagamento, etc. O executivo fiscal é a ação judicial de cobrança, regulada pela Lei 6.830/80. A defesa do autuado normalmente ocorre nesta própria ação, quando do ajuizamento dos embargos à execução, após a garantia do juízo, conforme rege a própria Lei 6.830/80. Porém, o autuado pode se antecipar ajuizando ação anulatória de ato declarativo da dívida, conforme art. 38 da Lei 6.830/80, caso em que, segundo a Súmula 247 do TRF, não precisa garantir o juízo.
Não se aplica, evidentemente, o rito de reclamação trabalhista, mas sim o das leis específicas, muito embora em todos os casos os recursos na Justiça do Trabalho sejam os previstos na CLT, conforme entendimento da Instrução Normativa 27 de 16.2.2005 do TST, especialmente o seu art. 2º.
Enquanto a multa é aplicada pelo Auditor-fiscal representando o Ministério do Trabalho, nos executivos fiscais e nas demais ações quem atua é a Fazenda Pública, salvo o caso do mandado de segurança quando então o impetrado é a própria autoridade coatora.
Percebemos que um dos principais temas que são tratados nas lides desta natureza é a prescrição. São muitas as dúvidas sobre o tema, ainda não havendo entendimento bem definido tanto no âmbito do Ministério do Trabalho como no da Justiça do Trabalho. Por parte desta, certamente há a própria novidade de a ação tramitar em águas novas. A influência do Direito do Trabalho certamente ocorrerá em detrimento do Direito Administrativo ou Direito Tributário, pela própria formação dos juízes trabalhistas.
A intenção dos autores foi apenas a de sistematizar algumas regras legais sobre a prescrição nestas ações, porém logo viram que para isso seria necessário expor quase que todo procedimento de fiscalização e autuação do Ministério do Trabalho, o que tornou o texto mais extenso. Assim, os autores passaram a dividir o texto em duas grades partes. A do procedimento da autuação e o da prescrição, esta fase subdividida entre a “prescrição” que ocorre na fase administrativa e a prescrição propriamente dita que ocorre em face do ajuizamento da ação.
Esse texto foi escrito em março de 2014.

PROCEDIMENTO DE APLICAÇÃO DA MULTA
Atribuições do auditor fiscal
As multas são aplicadas pelo Auditor-Fiscal do Trabalho que, na forma do art. 11 da Lei 10.593 de 6.12.2002, possuem as seguintes atribuições, entre outras:
I - o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de trabalho e de emprego;
II - a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, visando à redução dos índices de informalidade;
III - a verificação do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, objetivando maximizar os índices de arrecadação;
IV - o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho celebrados entre empregados e empregadores;
V - o respeito aos acordos, tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário;
VI - a lavratura de auto de apreensão e guarda de documentos, materiais, livros e assemelhados, para verificação da existência de fraude e irregularidades, bem como o exame da contabilidade das empresas, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 17 e 18 do Código Comercial.
Parágrafo único. O Poder Executivo regulamentará as atribuições privativas previstas neste artigo, podendo cometer aos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho outras atribuições, desde que compatíveis com atividades de auditoria e fiscalização.
É bom observar que essa lei se refere especificamente ao auditor-fiscal, não ao Ministério do Trabalho e Emprego em geral. Não é o auditor, portanto, um mero subordinado que cumpre ordens. Ele próprio possui o poder de polícia e responsabilidade própria. As autuações possuem significativa autonomia, sendo suscetível a reforma por meio de recursos administrativos. Trata-se, assim, de uma atividade funcional própria e com autonomia. As atribuições são do cargo e quem o exerce recebe todas as atribuições e responsabilidades inerentes a ele.
Há tempos atrás essa independência era típica apenas de um juiz. Embora não se pretenda aqui igualar funções ou cargos, o fato é que com a valorização da democracia, da cidadania e da moralidade pública, outros cargos vêm ganhando essa autonomia, como os membros do Ministério Público, e também os auditores. Há tendência histórica em evoluir esse tipo de autonomia nos cargos que possuem poder de agir ou punir, o que demonstra maior profissionalismo e responsabilidade dos agentes que os ocupam, e menor interferência externa pessoal ou política; salvos aquelas “interferências” que seguem um rito próprio, como o recursal, com direito de defesa do cidadão e de eventuais prejudicados com o ato administrativo. Na verdade, não se trata de interferência, mas do exercício de outro cargo. O importante é existir limites bem claros entre os cargos, evitando a figura do preposto como ocorre no setor privado. O aumento da autonomia aumenta a responsabilidade, e também melhor define o indivíduo que exerce o cargo, evitando a fragmentação da responsabilidade que tanto gera impunidade em órgãos públicos (o “empurra-empurra” de culpabilidade), visto em ações civis públicas ou afins.
Em outros termos, embora continue presente a valorização da instituição, que no caso é o Ministério do Trabalho, ou mesmo o poder executivo no sentido mais amplo, paralelamente se faz presente o agente público, no caso o auditor-fiscal. Ele é que faz o elo prático de fiscalização/autuação entre a instituição e fiscalizado.
O Ministério do Trabalho e Emprego por meio de seus auditores-fiscais aplicam multas com base na CLT e legislação do trabalho em geral, mas também com base em outras leis que eventualmente tratam de obrigações trabalhistas. Exemplo é a autuação feita pelo MTE em função da Lei Previdenciária, quando trata de cota para deficientes físicos e reabilitados ou de estabilidade do acidentado.
Passo a passo do processo de autuação trabalhista

O primeiro momento importante do processo administrativo de autuação trabalhista é a lavratura do auto de infração, que no processo judicial equivaleria por analogia à petição inicial.
Verificando o auditor fiscal do trabalho em ação fiscalizadora a violação de preceitos de proteção ao trabalho, deve, por dever funcional, proceder à lavratura do auto de infração, sob pena de responsabilidade administrativa (art. 628, CLT).
Art. 629 da CLT - O auto de infração será lavrado em duplicata, nos termos dos modelos e instruções expedidos, sendo uma via entregue ao infrator, contra recibo, ou ao mesmo enviada, dentro de 10 (dez) dias da lavratura, sob pena de responsabilidade, em registro postal, com franquia e recibo de volta.
§ 1º O auto não terá o seu valor probante condicionado à assinatura do infrator ou de testemunhas, e será lavrado no local da inspeção, salvo havendo motivo justificado que será declarado no próprio auto, quando então deverá ser lavrado no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de responsabilidade.
§ 2º Lavrado o auto de infração, não poderá ele ser inutilizado, nem sustado o curso do respectivo processo, devendo o agente da inspeção apresentá-lo à autoridade competente, mesmo se incidir em erro.
§ 3º O infrator terá, para apresentar defesa, o prazo de 10 (dez) dias contados do recebimento do auto.
§ 4º O auto de infração será registrado com a indicação sumária de seus elementos característicos, em livro próprio que deverá existir em cada órgão fiscalizador, de modo a assegurar o controle do seu processamento.
O referido artigo da CLT trata especificamente da autuação. Vamos agora cotejar os principais atos de todo o processo administrativo:
1 - A Notificação para Apresentação de Documentos (NAD) marca o início do procedimento fiscalizatório. Para o fim de se apurar o cumprimento da legislação trabalhista, a Secretaria de Inspeção do Trabalho orienta os Auditores Fiscais do Trabalho (AFT) a retroagirem a apuração até a última inspeção realizada, ou aos últimos cinco anos;
2 - Em caso de punição administrativa haverá a lavratura do Auto de Infração (AI). Por representar a conclusão/materialização da ação punitiva, a AI é a peça inicial da abertura do processo administrativo de imposição de multa.
3 – O Auto de Infração não faz referência a valor de multa. Isto ficará por conta da notificação para imposição da multa, que é enviada depois pelo correio para o autuado. No entanto, o MTE adota o entendimento que a punição já se completa com a lavratura do AI. Isto é tão verdadeiro que deste ato já é possível o autuado apresentar uma defesa. Porém, após a notificação da imposição da multa, abre-se prazo para pagamento e para (“novo”) recurso. Neste, inclusive, podem ser reprisados os argumentos da primeira defesa, além de outros, relacionados, por exemplo, ao valor atribuído à multa. Nesse sentido, para o MTE, a imposição da multa, embora não esteja situada no mesmo momento lógico da lavratura do AI, é vista como mero desdobramento da punição administrativa, notadamente a medida pecuniária da infração cometida.
4 - Dependendo da situação, o cálculo da multa pode ser trabalhoso. Algumas multas são dimensionadas por “número de trabalhadores em situação irregular”, que há de ser sempre contemporâneo à data da infração. Este acento é importante para excepcionar a punição da inadimplência com o recolhimento do FGTS, infração esta que, com frequência, se protrai no tempo. É que nesta seara a Inspeção do Trabalho se reveste de características semelhantes à fiscalização de tributos. Logo, a punição administrativa, neste contexto, consiste em dois momentos lógicos: a autuação e o levantamento do débito do FGTS. No primeiro momento, há de se levar em conta todos os trabalhadores afetados nos últimos cinco anos (sim, a multa é per capita). No segundo, o do levantamento do débito, levar-se-á em conta a prescrição trintenária, conforme Súmulas 210 e 353 do STJ, referendando posição adotada originariamente pelo Pleno do STF em 1987, no âmbito do RE 100.249, a teor da EC 08/77.
 5 - Imposta a multa, dá-se prazo ao autuado para recorrer ou pagar, como dito anteriormente. Caso recorra, tem-se iniciado a primeira instância recursal, que ocorre no âmbito das Superintendências Regionais. Caso a decisão seja pela manutenção da multa administrativa, o autuado ainda poderá recorrer em segunda instância, que proferirá a decisão final e, mantendo a punição, dar-se-á a constituição da dívida. O processo pode ser encaminhado de ofício à segunda instância recursal (Secretaria de Inspeção do Trabalho) caso a primeira instância decida pela anulação da multa, independentemente do recurso do autuado.
6 - Após a constituição da dívida decorrente da multa administrativa, a autuação ou a decisão final do recurso administrativo, se for o caso, o processo (na verdade a documentação relativa à constituição da dívida e o demonstrativo de débito) deverá ser encaminhado à Procuradoria da Fazenda Nacional, caso o valor constituído supere o limite mínimo de mil reais para inscrição em DAU. Caso não alcance esse limite, o feito será mantido sob a guarda do MTE, até que outras dívidas constituídas em face do mesmo autuado possam ser reunidas para remessa à PFN, conforme trataremos no tópico sobre pequenos valores.

Critérios de aplicação das multas dos auditores
O Ministério do Trabalho e Emprego possui critérios de proporcionalidade na aplicação de multa que buscam a natureza da infração, a intenção do infrator, os meios ao alcance do infrator para cumprir a lei, a extensão da infração e a situação econômico-financeira do infrator.   É o que rege a Portaria 290 de 11.04.1997, do Ministro do Trabalho e Emprego Paulo Paiva:
Art. 2º As multas administrativas variáveis, quando a lei não determinar sua imposição pelo valor máximo, serão graduadas observando-se os seguintes critérios:
I- natureza da infração (arts. 75 e 351 da CLT);
II- intenção do infrator (arts. 75 e 351 da CLT);
III- meios ao alcance do infrator para cumprir a lei (art. 5º da Lei nº 7.855/89);
IV- extensão da infração (arts. 75 e 351 da CLT);
V- situação econômico-financeiro do infrator (art. 5º da lei nº 7.855/89).
O interessado que quiser exigir o cumprimento desta Portaria ou questionar ato que envolva a oportunidade, conveniência ou proporcionalidade da pena, deve recorrer administrativamente. O Judiciário só poderá declarar a prescrição ou declarar a nulidade do ato. Trata-se da regra geral de separação de poderes, entre o executivo e o judiciário, de que o judiciário não aprecia o mérito administrativo.
Não raramente a nulidade de um ato administrativo vicia todo o processo, pois o juiz não pode modificar ou corrigir qualquer ato administrativo que dependa do ato discricionário próprio do auditor ou do órgão recursal. Se um agente ou um órgão competente aplica uma pena exagerada ou abusiva, ela também pode ser anulada por ter desviado a finalidade da lei.
Em outros termos, não cabe ao Judiciário discutir o valor da multa. Temos visto casos em que a Fazenda executa diversas multas de um mesmo infrator, sendo que algumas estão prescritas ou nulas, caso em que a o valor da execução pode ser alterado. Mas, neste caso, se trata de um feixe de ações. Isso é, inclusive, regulado pelo caso de pequenos valores, que trataremos num tópico próprio.
Embora a economia processual seja bem vinda, as dificuldades processuais são enormes já que uma ação pode ser prejudicada em face de outra. A Justiça do Trabalho conhece bem esse problema por possuir as chamadas ações plúrimas, e a substituição processual dos sindicatos de trabalhadores.
Como visto, existe todo um procedimento de autuação da empresa infratora com vistas a materializar a ação fiscal e proporcionar a ampla defesa.
Analogia com o Direito Tributário
Certamente as multas correspondem a créditos não-tributários. Porém, a própria necessidade de distinção já demonstra a influência. Foi o Direito Tributário que forneceu os principais conceitos e lógica do processo de autuação.
Muitas expressões utilizadas no processo de autuação têm origem no processo tributário. Não há como fugir a esse paralelo.
Cumpre destacar que, embora de natureza não-tributária, as dívidas oriundas de violação a preceitos de proteção ao trabalho também devem estar constituídas (lançadas, caso se utilize expressão importada do direito tributário) para que possam ser inscritas na forma do art. 641, CLT e, então servirem de título líquido e certo (certidão de dívida ativa).
A obrigação tributária é um primeiro momento, em que não há ainda determinação de seu objeto e nem identificação formal do sujeito passivo responsável. Ela é um momento que antecede a constituição do chamado crédito tributário, que vai se constituir com o lançamento que é o ato que confere liquidez e certeza à relação tributária. Assim, o fato gerador, pelo regramento do CTN, dá ensejo ao nascimento da obrigação tributária, enquanto o crédito tributário somente nasce com um específico ato jurídico, formal e específico denominado lançamento.
Enquanto as multas pressupõem, sempre, a violação de uma norma, sendo expediente através do qual, em verdade, procura o poder público restabelecer a ordem jurídica supostamente violada, os tributos são uma prestação pecuniária sem caráter sancionatório de ato ilícito. Ao contrário, os tributos sempre têm, como hipótese de incidência, uma situação de fato lícita, suficiente e necessária para configurar a obrigação de pagamento do tributo. Em comum, as multas e os tributos têm, de acordo com consagrada classificação doutrinária, o fato de serem ambas espécies de receitas derivadas, ou de Direito Público por serem rendas colhidas no setor privado por ato de autoridade. 
Nos dois casos há necessidade de fiscalização, e seus respectivos processos administrativos possuem uma fase acusatória de cunho constitutivo, em que o ato sancionatório de polícia propicia ao infrator a oportunidade de impugnar a acusação produzindo as provas necessárias às suas alegações; e uma fase executória que se inicia após a conclusão do procedimento administrativo fiscal. 
Os tributos são obrigações que podem e devem ser recolhidos espontaneamente, diferentemente da multa que embora também seja prevista em lei, depende, no mínimo, de intimação e de expedição de uma guia especial. O crédito advindo da multa é constituído de forma totalmente extraordinária, e a tendência à resistência ou insatisfação é bem maior. Mas, mesmo que imaginemos um cidadão que cometa um ato ilícito suscetível à multa, queira logo quitar seu débito, certamente terá dificuldade burocrática e terá que aguardar ritos pré-estabelecidos pelas normas afins.
No caso, inexiste aquela figura civilista de duas partes (cidadãos) negociando ou litigando. A obrigação tributária se confunde com a própria cidadania, não havendo aquela “outra parte” tão interessada e vigilante, pois depende do poder geral da Administração Pública de fiscalizar, autuar e cobrar. Porém, qualquer cidadão pode denunciar, e todas as autoridades têm o dever de oficiar quando tomam conhecimento de atos ilícitos que lesam o erário público. A propósito, se a Justiça do Trabalho até o início da década de 1990 era uma “ilha Caimã” (“isenta” de impostos), a partir de então passou a colaborar com o recolhimento da Previdência Social e da Receita Federal, a ponto de hoje ter, ela própria, competência para cobrar tais obrigações não-trabalhistas. A responsabilidade por tais encargos dependiam apenas do juiz que, não sendo provocado pelas partes para recolher impostos, nada ocorria. Com a responsabilização do juiz pelo recolhimento previdenciário, iniciou-se uma fase nova.
Diversamente do que ocorre no Direito Privado, há aqui nítida dissociação no tempo entre o momento em que é presenciada a pratica do ato ilícito pelos órgãos da administração com a apuração da infração e o momento em que se torna exigível o crédito não-tributário. Equivale dizer que a execução das multas por infração à legislação do trabalho não dispensa o chamado procedimento administrativo, que se inicia com a lavratura do Auto de Infração, pelo Auditor Fiscal, ou mesmo com a notificação para apresentação de documentos, e pode terminar, entre outras formas, com o pagamento voluntário, o pagamento coercitivo por meio do executivo fiscal. Pode também simplesmente ficar constando o débito no cadastro de devedor em caso de insolvência ou fracasso na execução. Ou, por força externa, o procedimento administrativo pode terminar com uma decisão judicial de anulação/nulidade ou de prescrição/decadência.
PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA
Os dois prazos de prescrição
A prescrição da exigência das multas trabalhista é hoje regulada pela Lei 9.873 de 23.11.1999, alterada pela Lei nº 11.941, de 2009, que “estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras providências”.
As outras leis tornam-se fontes supletivas sobre a prescrição, embora o contrário não ocorra. Isso porque a referida Lei 9873/99 se autolimita, vedando expressamente (art. 5º) sua aplicação às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.
A prescrição das multas já foi tratada por leis afins, entre elas o Código Civil, o antigo Decreto 20.910 de 1932, o CTN de 1966, e a Lei 6.830/80 que trata do processo do executivo fiscal.
Devemos fazer dois alertas. O primeiro é que regra geral há dois tipos de prazos, um contra e outro a favor da Fazenda. O prazo que aqui nos interessa, substancialmente, é o contra a Fazenda, ou seja, o que se aplica à sua inércia. O outro tipo de prescrição ocorre quando alguém cobra algum direito da Administração Pública. Não ocorre nos casos do executivo fiscal.
O segundo alerta é o de que temos dois tipos de “prescrição”: um no âmbito dos procedimentos administrativo de aplicação e cobrança da multa, e outro no âmbito do processo judicial. Isso ficou bem nítido legalmente com a alteração da Lei 9.873 de 23.11.1999 pela Lei nº 11.941, de 2009:
1º caso (“prescrição” ou decadência)
Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
2º caso (prescrição)
Art. 1o-A. Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
O primeiro caso se refere ao prazo para a própria aplicação da multa. A empresa cometeu o ilícito em determinado dia, e a partir daí conta o prazo de cinco anos para o a autoridade administrativa multar, sob risco da decadência ou “prescrição”[1].
O segundo caso se refere ao real prazo de prescrição, que a Fazenda Pública tem para cobrar judicialmente a partir da constituição do crédito.
Essa “primeira prescrição”, que ocorre no processo administrativo, também pode ser chamada de decadência se por analogia recorrermos ao Direito Tributário. Os dois tipos de prazos equivalem, pelo CTN respectivamente ao art. 173, que trata do prazo de cinco anos para a Fazenda constituir o crédito, e ao art. 174 que trata do prazo de cinco anos da prescrição.
Essa distinção não existia no antigo Decreto 20.910 de 1932, que, diga-se, ainda não foi revogado expressamente, podendo vir a ser utilizado de forma residual à diversas leis atuais. Assim o tratava:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. (grifo meu).
Neste caso, o prazo de cinco anos iniciava na data do ato ilícito para a propositura de ação ou da própria constituição do direito. Não podemos esquecer que este prazo era contra o cidadão, pois o artigo se refere a cobrança contra a Fazenda. Não havia clareza legal do prazo da própria Fazenda para cobrar ou propor ação. Alguns defendiam a aplicação do prazo de prescrição do Código Civil, sendo que o entendimento do STJ foi no sentido aplicar o mesmo prazo de cinco anos também contra a Fazenda, pelo princípio isonômico. Por este entendimento, se a pretensão do particular contra a Fazenda Pública prescrevia em cinco anos na forma do Decreto 22.626/1933, as pretensões desta contra o administrado também se sujeitariam a este prazo. Esse entendimento foi reafirmado no julgamento do Recurso Especial 1.251.993/PR, submetido ao rito dos Recursos Especiais Repetitivos (art. 543-C do CPC), e citado em vários acórdãos do STJ.
Entendo que essa jurisprudência não será mais de grande valia para os processos da Justiça do Trabalho, em função da Lei de 1999, ressalvando-se as raras situações de atos ocorridos antes da lei, inclusive da alteração de 2009.
Os autores deste texto são simpáticos ao uso da expressão decadência para caracterizar o prazo da fase administrativa, por ser mais didático, já que evita confusão, aliás, bem comum, entre as duas prescrições. Mas também reconhecem que há inconvenientes, o primeiro porque a própria lei é que “deu o nome”, o que torna a expressão decadência um tanto “ilegal”. Mas ainda há outro motivo que dificulta o uso da expressão decadência. É que o prazo da fase administrativa sofre interrupções (art. 2º da Lei de 1999). Isso contraria a doutrina de que uma das características da decadência é que ela não sofre interrupção. Seria talvez uma decadência heterodoxa, algo assim.
O termo prescrição para fase administrativa, contudo, para alguns doutrinadores, encontra-se mais correto, pois importaria o decurso do prazo, em extinção da pretensão punitiva de polícia. Também haveria prescrição para os prazos dos recursos administrativos. Segundo os mesmo doutrinadores, a decadência administrativa dar-se-ia em outros casos, como a extinção do direito de a Administração anular seus próprios atos, conforme art. 54 da Lei 9.784/99.
Como para esse texto não haverá muita diferença entre uma ou outra expressão, deixamos apenas o alerta.  Utilizaremos, portanto, neste texto a expressão “decadência” ou “prescrição administrativa”, como equivalentes.
Prescrição de 3 anos (paralisação do processo)
A Lei 9.873 (§1º do art. 1º) estabelece que dentro do prazo de cinco anos o processo administrativo não pode ficar parado por três anos. Ocorre quando o processo administrativo fica aguardando alguma autoridade decidir ou despachar.  Observe-se que a norma claramente faz referência um ato decisório, como aquele que resolve qualquer questão incidente. Nesse passo, a mora que decorre de mero impulso processual (como aposição de carimbos, numeração de páginas ou cumprimento de expedientes ou ordens sobre matéria já apreciada) não tem o condão de fazer incidir a mencionada prescrição intercorrente. Esta morosidade burocrática depende do impulso da parte interessada junto ao cartório. Citamos o §1º em questão:
“Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso”.
Não é o prazo de duração de todo o processo, mas de uma determinada paralisação que pode “antecipar” a prescrição total.
Essa regra é um tanto heterodoxa, para não dizer ilógica.  É uma espécie de estranha prescrição intercorrente. Esta reinicia a contagem do prazo inicial da prescrição. No caso em questão, dá-se início a um novo prazo de prescrição de três anos. Ou seja, é um prazo menor que o prazo inicial de cinco anos. Seria normal a paralisação do processo reiniciasse a prescrição inicial, de cinco anos, e não iniciar uma de três anos.
É que a inércia do autor deve causar o reinício da contagem da prescrição, mas não encurtá-la. Isso cria um fenômeno de haver uma prescrição antecipada. O prazo é de cinco anos, mas pode acabar antes.  Suponhamos que uma empresa cometeu uma infração e foi autuada no dia seguinte. Porém, o procedimento ficou desde logo parado por três anos por falta de despacho. Ora, se o auditor poderia autuar no quarto ano, e no caso ele autuou no dia seguinte, a sua celeridade pode se tornar “pressa”, pois pode ocorrer a prescrição antes daquele quarto ano.
Parece-nos que a regra §1º do art. 1º teve a intenção de incentivar a celeridade administrativa, quase que punindo a administração/administrador e não exatamente valorizando corretamente o instituto da prescrição. Percebemos isso quando o referido parágrafo determina que “autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada”.
O parágrafo ainda continua, preocupado em punir o responsável pela mora, quando termina sugerindo uma responsabilidade funcional.
O que seria mais lógico e jurídico é que os três anos de paralisação implicassem em mero arquivamento, mas não prescrição. Isso não impediria uma nova autuação dentro do prazo de cinco anos da infração.
Da forma que se encontra a redação do §1º do art. 1º, independentemente de qualquer responsabilidade funcional, ou de alguma autoridade ter determinado o seu arquivamento, tal prazo de prescrição de três anos não se restringe ao efeito administrativo, pois pode ser arguído judicialmente. Pode, sim, ser arguído na própria administração, mas também judicialmente por se tratar da legalidade do próprio processo administrativo. É mais um prazo de prescrição (ou decadência) para ser questionado judicialmente.
Aqui cabe uma observação. Os autos dos executivos fiscais nem sempre são instruídos a ponto de ser verificar peças do processo administrativo. Não raramente em tais discussões surge também a do ônus da prova, pois o executado alega que quem possui o documento é a Administração embora seja ele que tenha trazido o tema à tona. Não é próprio das ações de executivo fiscal instrução dessa natureza, porque eventualmente propicia morosidade ou decisões pouco instruídas. Dar prazos para o exequente juntar documentos não é algo que se espera em uma execução com título exequível, pois se presume a certeza do título.
Início e fim da prescrição administrativa
Muito se discute sobre a interrupção ou suspensão dos prazos, mas o que temos observado é que para além desta questão, neste caso de aplicação de multas, há muito mais dúvida sobre o início e o fim da contagem do prazo (dies a quo e o dies ad quem). O processo de aplicação de multa sofre diversas oportunidades, como demonstramos no nossa passo a passo.
Lembramos que o tema envolve dois inícios de prazo fatais, um ainda administrativo para a Fazenda constituir o crédito e cobrar extrajudicialmente, que conta da autuação administrativa, e a outra para a cobrança judicial.
O ato ilícito em si inicia a contagem do prazo. Não é do “conhecimento do fato” por parte da Administração, regra que utiliza em processos judiciais, para as lides do servidor público (parágrafo único do art. 110 da Lei 8.112/90), para punições trabalhistas quando se considera para efeito da imediaticidade da punição o conhecimento da falta do empregado e não a própria falta. No caso da multa, o início do prazo ocorre na data da própria infração, pois se trata do próprio dever de fiscalizar da Administração. Embora esta possa receber denúncias, ela não pode depender delas. Se ato ilícito for permanente ou continuado, o início do prazo é o da sua cessação (parte final do art. 1º da Lei de 1999).
Mas esse prazo é para quê? Para a aplicação do ato punitivo. Não há muita clareza se se trata de autuação ou da cobrança extrajudicial da multa (ver passo a passo). O caput do art. 1º da Lei de 1999 afirma que prescreve em cinco anos a ação punitiva, objetivando apurar infração à legislação. O que é “ação punitiva”? Pela lei é o ato que objetiva “apurar” a infração.  Essa redação não é muito clara e usa expressões pouco técnicas. Se usarmos uma interpretação literal, diríamos que a lei considera que a ação punitiva tem a finalidade de “apurar” a infração. Ora, a ação punitiva ocorre quando a infração já foi apurada, e não o contrário.
Nossa interpretação teleológica e sistemática nos leva à conclusão de que o dies ad quem é a da lavratura da autuação feita pelo auditor fiscal. Essa é a finalidade de se ter um prazo entre a infração cometida e a formalização de permite à Administração concluir a fiscalização. Essa é a ação punitiva em nosso entender, de que trata o caput do art. 1º citado.
Podemos, ainda, aceitar que o dies ad quem é um pouco depois da autuação; quando o auditor não entregou a AI em mãos e envia pelo correio. O ainda um pouco mais além, quando há a notificação de cobrança extrajudicial. Embora na autuação o infrator deva receber cópia e, portanto, toma ciência, só com a sua notificação para pagar, quando existir o valor líquido, prazo e local certo para pagar e como pagar, é que a iniciativa administrativa se esgota.
Esta última interpretação é mais coerente com o CTN; quando trata do prazo (de decadência) de cinco anos a contar partir do fato gerador (art. 142) até a constituição do crédito tributário (art. 173). É preciso interpretar estes dois artigos para verificarmos o início e o fim do prazo. O crédito é constituído pelo lançamento, “assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
Portanto, o órgão público teria o prazo de cinco anos para cobrar extrajudicialmente o infrator, a contar do ato ilícito, sendo a autuação um procedimento secundário para a contagem do prazo, pois não gera o início e nem o fim do prazo.
Didaticamente pode ser mais correto indicar o termo ad quem como o da cobrança extrajudicial, por analogia ao CTN. Todavia, na prática da fiscalização do Ministério do Trabalho o que acaba se firmando é a autuação, por ter uma formalidade mais clara quando à data e a comunicação ao autuado. A cobrança extrajudicial não é tão visível no caso das multas, como ocorre com os tributos. Pode até o autuado vir a tomar ciência do valor a pagar quando já existe ação judicial.
Há assim, alguns momentos que podem dar margem a questionamentos, tal a imprecisão da lei sobre o dies ad quem, se da autuação ou da cobrança extrajudicial, mas na prática acaba não tendo tanta consequência, por dois motivos. Primeiro, porque normalmente são momentos curtos entre si que não causam maior transtorno. Segundo porque, se consideramos a cobrança extrajudicial como o termo ad quem mais correto, certamente a autuação interromperia a contagem do prazo (inciso II do art. 2º da Lei de 1999).
Vamos, porém, usar a expressão autuação como a do dies ad quem por ser mais usual no meio administrativo e judicial.
Interrupção do prazo da prescrição administrativa
 A Lei 9.873 de 23.11.1999 estabelece:
Art. 2o Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III - pela decisão condenatória recorrível.
A Notificação para Apresentação de Documentos (NAD), de que tratamos no passo a passo, já teria interrompido o prazo, o mesmo ocorrendo com qualquer outro ato inequívoco que importe em apuração do fato (inciso II do art. 2º). Como visto no tópico anterior, a autuação é o dies ad quem do prazo, portanto não está inserido expressamente no art. 2º, mas se considerarmos a cobrança o dies ad quem, a autuação terá interrompido o prazo por se tratar de um ato inequívoco que importa em apuração do fato (inciso II).
Se a prescrição que ora estudamos é contra a Fazenda, a interrupção é a seu favor, pois ela dá mais tempo para efetivar a sua punição.
O art. 2º da Lei de 1999 é que trata da interrupção do prazo da prescrição administrativa. O inciso III determina que a “decisão condenatória recorrível” também interrompe o prazo. Não confundir aqui com o próprio “caso do recurso administrativo”, que está relacionado com a discussão da suspensão/interrupção da ação judicial, e veremos mais adiante quando tratarmos da prescrição judicial.

A “interrupção” vista de forma equivocada
A falta de clareza sobre a distinção dos dois prazos de prescrição, administrativo e judicial, pode invocar um equívoco comum, de se afirmar que a intimação extrajudicial da Fazenda interrompe o prazo da prescrição para ação judicial. No máximo, ela interrompe o prazo da prescrição administrativa.
Não se pode confundir a interrupção do prazo da ação judicial com a interrupção da fase administrativa.
Na verdade, o que ocorre com essa cobrança extrajudicial é que provavelmente acaba a própria contagem do primeiro prazo, o de decadência (ou “prescrição”). Ou seja, não correrá mais o prazo contra a Fazenda de constituição do crédito (Lei 9.873 de 23.11.1999, equivalente ao art. 173 do CTN). E é a partir de então que se inicia o verdadeiro prazo da prescrição (art. 1º-A da Lei 9.873, equivalente ao art. 174 do CTN). Por coincidência ambos os prazos são de cinco anos, mas cada um tem um início próprio e fim próprio.
Numa ação de cobrança (executivo fiscal) o executado pode arguir tanto um prazo como o outro. No primeiro, ele ataca a própria constituição do crédito, e no outro caso a mora da Fazenda em cobrar judicialmente o crédito (dúvida ativa).
O antigo Decreto 20.910 de 1932 também prevê casos de inércia em seus arts. 4º e 5º. São preocupações de evitar benefícios àquele que se mantém inerte.
Concluindo, afirmamos que tanto o prazo da decadência como o da prescrição possui interrupção para a lei que ora estudamos. O que não deve haver é a confusão entre interrupção do prazo administrativo (art.2º) com os dos prazos judiciais (art. 1º-A e outras leis).

PRESCRIÇÃO DA AÇÃO JUDICIAL E SUAS INTERRUPÇÕES
Se a autuação/constituição do crédito é o dies ad quem do prazo da prescrição administrativa, o é também o dies a quo do prazo da prescrição judicial. É o fim de uma etapa e início de outra.
O art. 174 do CTN considera o início do prazo a constituição do crédito. O art. 1º-A da Lei 9.873 de 1999 segue o seu entendimento, “constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em cinco anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor”.
O que constitui o crédito não tributário? Nada melhor do que analisar por analogia o crédito tributário. Como dissemos antes, o crédito tributário se constitui com o lançamento que é o ato que confere liquidez e certeza à relação tributária. No caso das multas, pelo nosso passo a passo, é a lavratura do auto de infração com sua liquidez. A autuação é, assim, por excelência, o equivalente ao lançamento, o que significa dizer que é quando se dá o início do prazo para a cobrança judicial. Mas como necessariamente ele não é líquido, há que se considerar este fato, como constou em nosso passo a passo.
A legislação estabelece uma série de interrupções, não bastando verificar se houve a prescrição por meio apenas da autuação/constituição do crédito e a data do ajuizamento do executivo fiscal.
Como veremos, o próprio recurso administrativo interrompe o prazo para o ajuizamento da ação de cobrança judicial. Antes, porém, vamos verificar os outros casos em que ocorrem a interrupção e a suspensão dos prazos. Na forma da Lei 9.873/99, interrompe-se a prescrição da ação executória na forma do art.2º-A:
Ipelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal (repete-se aqui o disposto do §2º do art. 8º da Lei 6.830/80: “o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição”). A regra nas ações trabalhistas sempre será a data do ajuizamento, pois nestas o juiz não profere despacho ordenador da citação do réu, sendo a notificação enviada automaticamente pela secretaria da vara (art. 841, CLT). Mas certamente, prevalece a regra especial da Lei ora comentada e, na falta de despacho, considera-se a iniciativa administrativa nesse sentido. II – pelo protesto judicial; III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor (ressalto que o ato aqui é judicial, não servindo notificações extrajudiciais de cobrança); IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor; V – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.
A Lei 6.830/80 ainda possui outra regra supletiva de interrupção da prescrição. Na forma de seu art. 40, não correrá o prazo de prescrição, quando o juiz suspender o curso da execução, por não localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora. A regra obsta uma possível aplicação de prescrição intercorrente. Na verdade, não se trata exatamente de inércia do credor, mas sim de falta de bens ou de esquiva do devedor, sendo, na verdade, este o real causador da paralisação do processo. Essa regra vem sendo aplicada por muitos juízes nas reclamações trabalhistas.
Suspende-se a prescrição, na forma do art. 3º da Lei 9.873/99: I - dos compromissos de cessação ou de desempenho, respectivamente, previstos nos arts. 53 e 58 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994  (tais artigos já foram revogados pela Lei 12.529 de 30.11.2011)[2]; II - do termo de compromisso de que trata o § 5o do art. 11 da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, com a redação dada pela  (o caput do referido §5º já foi estranhamente  alterado por um Decreto, de n.3.995 de 31.10.200)[3]
A Lei 6.830/80 ainda possui outra regra supletiva de suspensão da prescrição, em seu § 3º do art. 2º:
“A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”. (gn)
Esse artigo pode deixar certa margem de dúvida: se ele está tratando do prazo para a constituição do crédito (decadência) ou para a propositura da ação judicial de cobrança. Vimos anteriormente que o início da contagem da prescrição ocorre com a autuação/constituição do crédito. Com a constituição desse crédito ocorre o processo de sua liquidez, mas pode haver alguma defasagem de tempo em função do levantamento contábil, quando então se abre o prazo suspensivo da prescrição de 180 dias. A inscrição é feita pela Procuradoria da Fazenda Nacional, conforme §4º do art. 2º da Lei 6.830/80.
Por esse último aspecto, a regra parece mais adequada para considerar a suspensão para a propositura da ação judicial. Também o próprio §3º do art. 2º da Lei 6.830/80 se refere “até a distribuição da execução fiscal”.
Em todo caso o § 3º do art. 2º da Lei 6.830/80 trata de uma “suspensão” de prazo que ocorre antes do ajuizamento da ação em função do processo de liquidez.
O caso do recurso administrativo
Mas e quando há o efetivo recurso administrativo? Observe-se que o inciso não diz que o “recurso” interrompe o prazo, mas sim a decisão suscetível ao recurso. Como fica então o caso do recurso administrativo?
A Lei 9.784 de 29.1.1999 que trata dos recursos administrativos estabelece em seu art. 61 que “salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo”, e no seu parágrafo único, afirma que “havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso”.
Neste caso, o efeito suspensivo do recuso administrativo é a favor do autuado, pois ele poderá “ganhar tempo”, e impedir que a Administração o execute judicialmente de imediato. Isso porque o recurso pressupõe que a decisão atacada foi a favor da Fazenda. Só recorre quem foi sucumbente.
Essa questão é bem interessante. Enquanto a interrupção da prescrição é a favor da Fazenda já que ela ganha mais tempo para cobrar, o efeito suspensivo do recurso administrativo favorece o devedor, pois a Fazenda estará impedida de dar continuidade à execução. Mas se esse recurso também pode interromper a contagem da prescrição, a Fazenda acaba não sendo tão prejudicada.
O efeito suspensivo do recurso não é o mesmo que a interrupção, pois no caso desta a Fazenda não está impedida de prosseguir a execução. Já o efeito suspensivo do recurso impede a Fazenda de prosseguir a execução.
O STJ vem entendendo que o recurso administrativo interrompe do prazo da prescrição. Ver acórdão do Resp 1.107.339, de relatoria do ministro Luiz Fux: “Somente a partir da data em que o contribuinte é notificado do resultado do recurso é que tem início a contagem do prazo de prescrição previsto no artigo 174 do Código Tributário Nacional”.
A decisão do STJ é a favor da Administração, já que dilata o prazo de prescrição contra ela.
É bem verdade que o art. 1ª-A da Lei de 1999, que trata da prescrição da ação judicial, já considera que o prazo inicia após o “término regular do processo administrativo”. Se considerarmos que os recursos estendem o término do processo administrativo, certamente o que o STJ decidiu já está previsto no caso das multas, que não são créditos tributários.
A desvantagem à Fazenda do efeito suspensivo dos recursos é que ele pode frustar uma futura execução, por isso que a Lei 9.784 de 29.1.1999 só o aceita de forma excepcional. A desvantagem do executado que recorre sem efeito suspensivo é que ele poderá sofrer esbulho em seus bens, por meio da ação do executivo fiscal, e depois ser vitorioso no âmbito administrativo. É possível, então, nestes casos, que juiz suspenda o executivo fiscal ou, o mais recomendável, que execute até a garantia do juízo aos moldes da execução provisória das reclamações trabalhistas (caput do art. 899 da CLT). Isso porque quem pode dar o efeito suspensivo ao recurso administrativo não é o juiz e sim a autoridade recorrida ou a imediatamente superior.
O caso da cobrança de pequenos valores
Por fim, após a constituição da dívida, o próximo passo seria o encaminhamento à Procuradoria da Fazenda Nacional para a inscrição em Dívida Ativa da União (DAU). Contudo, essa remessa não é automática, pois tem que atender à condição imposta pela Portaria MF 75 de 22.3.2012, que impôs o limite mínimo de R$ 1.000,00 para inscrição em DAU, e de R$ 20.000,00 para execução fiscal. Caso a constituição da dívida decorrente da aplicação de multas administrativas pelo MTE não alcance aquele patamar (R$ 1.000,00), a citada portaria dispõe que a dívida deverá ficar sob a administração do órgão de origem. Neste caso, o MTE terá que reunir um conjunto de dívidas constituídas para que, somadas, superem o patamar mínimo para que haja inscrição em DAU. O mesmo procedimento ocorre no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional, para o fim de execução fiscal.

Em tais casos há interrupção/suspensão do prazo da prescrição?

A Portaria estabelece em seu art. 3º que tais medidas “suspende a prescrição dos créditos de natureza não tributária, de acordo com o disposto no art. 5º do Decreto-lei n. 1.569 de 8.8.1977”.
Ocorre que norma a que a Portaria faz referência é inconstitucional, conforme Súmula Vinculante n. 8 do STF: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do decreto-lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”. A inconstitucionalidade deveu-se ao fato de o STF entender que a matéria só poderia ser regulada por lei complementar.
Ou seja, a Portaria continua válida, pois o caput do art. 5º do Decreto-lei de 1977 continua em vigor, mas não a suspensão da prescrição  (parágrafo único do art. 5º). Ou seja, se a Fazenda não cobrar logo o seu crédito haverá prescrição. 
  

[1]  A Lei de 1999 criou uma regra de transição:  Art. 4o Ressalvadas as hipóteses de interrupção previstas no art. 2o, para as infrações ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1o de julho de 1998, a prescrição operará em dois anos, a partir dessa data”.
[2]A atual lei que trata da Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; Lei 12.529 de 30.11.2011, tem as seguintes regras sobre prescrição: Art. 46. Prescrevem em 5 (cinco) anos as ações punitivas da administração pública federal, direta e indireta, objetivando apurar infrações da ordem econômica, contados da data da prática do ilícito ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessada a prática do ilícito.  § 1o Interrompe a prescrição qualquer ato administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração da infração contra a ordem econômica mencionada no caput deste artigo, bem como a notificação ou a intimação da investigada. § 2o Suspende-se a prescrição durante a vigência do compromisso de cessação ou do acordo em controle de concentrações. § 3o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de 3 (três) anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. § 4o Quando o fato objeto da ação punitiva da administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
[3] § 5o A Comissão de Valores Mobiliários poderá, a seu exclusivo critério, se o interesse público permitir, suspender, em qualquer fase, o procedimento administrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso, obrigando-se a: (Redação pelo Decreto nº 3.995, de 31.10.2001): I - cessar a prática de atividades ou atos considerados ilícitos pela Comissão de Valores Mobiliários; e II - corrigir as irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuízos”.