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Artigo: "Repensando os Sindicatos e a Justiça do Trabalho"


REPENSANDO OS SINDICATOS E A JUSTIÇA DO TRABALHO

Texto para o VIII Fórum de Gestão Judiciária do Tribunal Regional da 1ª Região, a ser realizado de 17 a 19 de janeiro de 2018.

O presente texto foi escrito em outubro de 2017 pelo Desembargador Ivan da Costa Alemão



Introdução

É difícil para nós, brasileiros contemporâneos, imaginarmos uma estrutura sindical sem liberdade de filiação, sem unicidade sindical, sem representação sindical de uma categoria inteira e sem imposto sindical. Mas nem sempre tivemos esse sistema sindical e nem todos os países têm um sistema como o nosso.

No Brasil, sempre tivemos liberdade de filiação, desde as primeiras leis sindicais, criadas no início do século XIX, e mesmo durante os regimes autoritários. Nunca tivemos sindicalização obrigatória, o que, historicamente, fortaleceu os sindicatos da Europa e dos Estados Unidos.

A unicidade sindical existe no Brasil, de fato, desde a década de 1930, embora na breve Constituição de 1934 o pluralismo sindical tenha constado por pressão dos católicos, que defendiam a criação de sindicatos confessionais. O sistema sindical brasileiro, formulado pelo jurista Oliveira Vianna no final daquela década, impediu que os sindicatos tivessem vinculações partidárias ou religiosas, diferentemente do pluralismo sindical europeu (com sindicatos anarquistas, fascistas, cristãos, comunistas, social-democratas).

Na década de 1980 surgiram as centrais sindicais, como uma válvula de escape ao rígido sistema confederativo proposto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Tais centrais eram constituídas como associações civis, com programas ideológicos e políticos. Se vivesse no Brasil de hoje, imagino que o eminente jurista italiano Francesco Carnelutti definiria as centrais sindicais como organizações com corpo de sindicato e alma de partido.

A representação sindical da época da criação da CLT só vinculava os sócios (art. 612 original). Depois, paulatinamente, essa representação foi ampliada para toda a categoria, sendo, agora, um preceito constitucional. Também hoje só os sindicatos têm a prerrogativa de negociar coletivamente, o que é vetado a agrupamentos de trabalhadores, ainda que isso já tenha sido permitido nas primeiras leis sindicais dos anos 1930 e combatido pelo jurista Orlando Gomes.

O imposto sindical existe entre nós desde a década de 1940. Muitos governos, como o dos militares e o do presidente Fernando Collor, prometeram acabar com ele, o que só ocorreu agora, com a Reforma Trabalhista de 2017. No governo militar, o então ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, dizia que o imposto sindical era um “mal necessário”. Essa qualificação veio servindo como justificativa para a sua existência.

De que forma nós, magistrados do trabalho, podemos contribuir para o Direito do Trabalho nestes tempos de Reforma? Apresento a este Fórum algumas perguntas e uma proposta:

Pontos provocativos para discussão:



1. As novas formas de negociação e a criação da comissão de empregados por empresa enfraquecem os sindicatos?

2. Há conflito entre o sindicato e a Justiça do Trabalho?

3. As declarações judiciais de nulidade de cláusulas contribuem para o fortalecimento da negociação coletiva?

4. As decisões da Justiça do Trabalho têm servido de referência para quem se encontra trabalhando?

Proposta:

Criação de um órgão ou comissão permanente em nosso Tribunal para auxiliar magistrados e representantes de trabalhadores.



1.    IMPOSTO SINDICAL E REPRESENTAÇÃO AMPLA

Vivíamos até a Reforma de 2017 sob o regime de obrigatoriedade de pagamento aos sindicatos, mas sem a obrigatoriedade de sindicalização. Nos países em que há a obrigatoriedade de sindicalização, a contribuição é uma consequência. O princípio da liberdade de filiação sempre foi muito forte no Brasil, não sendo permitidos nem a unions shops nem os closed shops. No Brasil as ordens profissionais (conselhos profissionais) monopolizam o credenciamento para o exercício da profissão, atingindo uma ínfima parcela de trabalhadores, geralmente de nível universitário.

 Esse sistema de contribuição compulsória, combinado com o sistema de o sindicato representar toda a categoria, e não apenas os sócios, fez com que essas entidades vivessem basicamente da negociação coletiva. Enquanto esta enfrentava as dificuldades naturais de “arrancar direitos” dos empregados, que, por vezes, precisam lançar mão do recurso da greve, a representação parecia tranquila, a ponto de os sindicatos não se preocuparem efetivamente com a sindicalização. No máximo, disputavam entre si as representações de bases territoriais e de ocupações profissionais. O resultado é que o sindicato sem norma coletiva ainda é visto como algo inútil.

Paralelamente, muitas iniciativas associativistas também podem desaguar no “assistencialismo” (referido aqui de forma pejorativa), podendo ser acusadas de suprirem obrigações do Estado (quando, por exemplo, fornecem tratamento médico) ou de se transformarem em clubes sociais (ao promoverem, por exemplo, eventos festivos). Falta, sem dúvida, um denominador comum que equilibre as obrigações com direitos estatutários e trate efetivamente de temas próprios de sua ocupação profissional, e não apenas de salários.

O fim da obrigatoriedade do pagamento do imposto sindical (que passou a ser voluntário) é a marca mais forte da Reforma de 2017 sobre a representação dos trabalhadores. Já há uma tendência declarada de muitos sindicatos retomarem as contribuições confederativas, chamadas também de assistenciais, tão combatidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na década de 1990. O entendimento jurídico é o de que elas dependeriam de reforma constitucional. A Constituição até permite a contribuição confederativa (inciso IV do art. 8º), porém o entendimento prevalecente é o de que esta não pode ferir a liberdade de filiação, outro preceito constitucional (Súmula nº 666 do STF, Súmula Vinculante nº 40 do STF, Precedente nº 119 do TST).

Mas nem sempre houve esse entendimento, mesmo sob a égide da Carta de 1988, quando também já havia a possibilidade de se criar contribuição para toda a categoria por meio de dissídio coletivo (antigo Precedente nº 74 do TST) ou por mera negociação coletiva (art. 462 da CLT). Na década de 1990, verificou-se o uso abusivo desses descontos por parte de diversos sindicatos, o que deu origem à reação judicial.

Esforçando-me para ser otimista, acredito que o fim do imposto sindical pode vir a fortalecer a sindicalização, e o seu atrativo poderá ser a norma coletiva. Não necessariamente com a mudança da lei sobre a representação, mas sim com a conscientização de parte dos trabalhadores da necessidade de se manter a negociação coletiva, desde, naturalmente, que ela seja compensatória.

Essa parte de trabalhadores provavelmente será composta por grupos que exercem profissões mais duradouras, que possuem empregos mais estáveis ou que sejam portadores de algum grau de solidariedade local ou profissional. E que tenham algo a oferecer em uma negociação, sendo ela indispensável a seus empregadores. Trabalhadores mais precarizados e com nível profissional mais baixo tendem a ter pouco a oferecer numa negociação em que os empregadores já cumprem a lei. Portanto, suas reivindicações são mais difíceis de serem negociadas, podendo gerar maior radicalização e greve, ainda que com menor grau de organização duradoura. Para existir associativismo é preciso haver relação duradoura, por isso os setores ocupacionais que sofrem maior quantidade de mudanças de empregos são os mais difíceis de serem organizados.

As negociações coletivas com demasiadas cláusulas prejudiciais aos trabalhadores também poderão ser mais facilmente rejeitadas por eles. E nessa situação eles poderão isolar líderes e sindicatos que não respondam aos verdadeiros anseios profissionais e econômicos da categoria. A hipótese de boicote ao sindicato é uma possibilidade que depende do grau de importância do fator sindicalização. Também a remota possibilidade de o trabalhador optar por dar sua contribuição sindical anual dependerá do grau de convencimento do sindicato, não bastando discursos genéricos feitos em porta de fábrica.

Seria muito bom que o associativismo renascesse como uma forma viável de solidariedade. É provável que o fim do imposto sindical venha até a levar os trabalhadores a questionar a imposição do sindicato como representante de toda a categoria. Talvez retomar a ideia de que as negociações coletivas representam apenas os associados seja uma forma de incentivar a sindicalização. Essa opção não deixa de representar um passo para o pluralismo sindical. Mas acho difícil de ser efetivada no momento, tal a cultura disseminada de representação legal ampla.

O nosso problema é justamente que não sofremos uma Reforma Sindical completa. O Fórum Nacional do Trabalho, criado e discutido durante o primeiro mandato do então presidente Lula, promoveu intensos debates, mas não conseguiu modificar efetivamente nada a respeito da estrutura sindical, independentemente de suas propostas serem boas ou ruins. Suas principais proposições caminhavam no sentido de fortalecer as centrais sindicais e de criar um grande Conselho Nacional de Relações de Trabalho dirigido pelo Ministério do Trabalho, com a participação de representantes de empregados e de empregadores, o que, no meu entender, retomaria a antiga tradição intervencionista do Estado na estrutura sindical. Nada muito criativo.

A forma disforme da Reforma de 2017 poderá, no curto prazo, paralisar atividades burocráticas de inúmeros sindicatos, principalmente aqueles que não são identificados com uma grande empresa ou que não possuem ocupações profissionais mais duradouras. Refiro-me aos sindicatos que representam trabalhadores de empresas menores e com mão de obra mais desqualificada e suscetível a contratos de curta duração. As grandes empresas até possuem interesse em manter o sindicato funcionando para poderem negociar. Mas a maioria das empresas de médio e pequeno porte vê o sindicato como um entrave burocrático. Essas empresas menores serão mais beneficiadas com o fim da homologação do termo de rescisão de contrato e procurarão mais o sindicato para fazer acordos extrajudiciais, liberados pela Reforma (art. 507-B). Acordos feitos anualmente com quitação liberatória.



2.    NOVAS REPRESENTAÇÕES DE TRABALHADORES

Se no campo dos direitos trabalhistas há forte tendência no sentido de considerar que as novas regras da Reforma de 2017 são prejudiciais aos trabalhadores, no campo da representação dos trabalhadores as alterações não encontram consenso com facilidade. O fim do imposto sindical sempre foi tema polêmico. Já as novas formas de representação podem ser vistas como maior poder dos trabalhadores ou como fragmentação da representação sindical existente. A Constituição Federal garante a participação dos sindicatos na negociação coletiva, o que lhes dá certo conforto frente às novidades.

É pequena a experiência de comissões de empresa no Brasil. A CIPA, provavelmente, é o único exemplo bem-sucedido de comissão por empresa. Já as comissões de conciliação prévia (art. 625 da CLT, criado em 2000) nas empresas não sairam do papel, sendo criadas apenas as intersindicais. O representante de empresa isolado (art. 11 da CF/88) nunca foi efetivado por falta de regulamentação de sua estabilidade, embora a Convenção 135 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, o protegesse. Talvez seu insucesso tenha ocorrido porque “uma andorinha só não faz verão”.

A Reforma de 2017 trouxe outras novidades acerca das representações que não se limitam aos sindicatos. Ela aponta para a ampliação de entes que venham a representar os trabalhadores, especialmente dentro do âmbito das empresas, espaço em que os sindicatos têm dificuldade de penetrar. Se não há pluralismo sindical, pode haver plurirrepresentação de trabalhadores. Para empresas com mais de 5 mil empregados a comissão será de sete membros, a mesma quantidade de diretores sindicais exigida pela CLT. Para empresas de 200 até 3 mil empregados, três representantes; e para empresas de 3 mil até 5 mil empregados, cinco membros. Num momento de enfraquecimento financeiro dos sindicatos, é possível que uma comissão de uma grande empresa possa vir a ter mais legitimidade para “encaminhar reivindicações específicas dos empregados de seu âmbito de representação” (inciso VI do art. 510-B).

O texto se refere à expressão “representar” de forma generalizada, o que ainda poderá suscitar alguma discussão acerca de sua amplitude. Agora o sindicato não tem a exclusividade de representar os trabalhadores, tem a exclusividade de representar a categoria, por força de preceito constitucional (inciso III do art. 8º), principalmente nas negociações de empresa (acordos coletivos). Também por força constitucional “é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho” (inciso VI do art. 8º), muito embora outros atores também possam participar.

Não foi aprovada a proposta original do PL nº 6.787/2011, que regulamentaria o representante único dos trabalhadores, aquele previsto no art. 11 da CF/88. Pelo projeto, ele teria “a garantia de participação na mesa de negociação do acordo coletivo de trabalho” (inciso I do §1º do art. 523-A, não aprovado). Prevaleceu a proposta de comissão que não fazia parte do projeto original, mas foi citada na mensagem do PL nº 6.787/2011, item 6, d alavra do Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira de Oliveira.

No entanto, esse representante constitucional único para empresas com mais de 200 empregados continua disponível para ser praticado, se entendermos que não se exige sua regulamentação, ou se entendermos, de forma contrária, que podemos ainda utilizar a Convenção 135 da OIT.

Não é possível concluir se haverá conflitos entre sindicatos e comissões de empresa. O movimento sindical chegou a reivindicar tais comissões durante anos. O funcionamento, a eleição, o mandato e a vedação à dispensa arbitrária são muito parecidos com as regras da CIPA, salvo o fato de esta ser composta somente de representantes de trabalhadores, não sendo paritária. Parece-me consensual que a experiência da CIPA é positiva e que seu relacionamento com os sindicatos em geral sempre foi bom, chegando mesmo a gerar novos líderes sindicais.

Num cenário de plurirrepresentação, não podemos esquecer a existência dos representantes da classe dos trabalhadores em órgãos de decisões de cunho governamental, direito garantido pela Constituição de 1988 em seu art. 10, que assegura a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação”. São órgãos de destaque o Fundo Curador do FGTS e o CODEFAT, entre muitas outras comissões. Os representantes desses órgãos são pouco conhecidos da população. Infelizmente, eles ainda não são escolhidos democraticamente, embora a Convenção da OIT n. 144, ratificada pelo Brasil, determine que sejam eleitos. Trata-se de uma “caixa-preta” de uso das centrais sindicais.

Por fim, ainda há a representação eventual do Ministério Público do Trabalho, quando este atua processualmente em ações coletivas a favor de trabalhadores. Certamente aqui a representação é eventual, pois o MPT pode atuar até contra a coletividade de trabalhadores, conforme muitas vezes ocorre. Também há várias ações do MPT contra sindicatos de trabalhadores. No âmbito da Justiça do Trabalho sua atuação é significativa, não podendo ser desconsiderada, principalmente quando atua em nome de interesses individuais homogêneos.



3.    JUSTIÇA DO TRABALHO E SINDICATOS

A Justiça do Trabalho viveu um longo período de relacionamento institucional com os sindicatos por meio do instituto dos juízes classistas. Tal instituto, embora tenha tido origem no sistema francês napoleônico de representação paritária, acabou sendo influenciado pelo regime corporativista em que os sindicatos, de certa forma, faziam parte do Estado, ou pelo menos tinham função pública delegada. O juiz presidente ou togado, que mediava as representações das duas classes, acabou se tornando, de fato, o principal julgador. Esse sistema foi extinto, inclusive com o apoio maciço dos magistrados togados nos anos 2000.

Ao lado dessa relação institucional, a Justiça do Trabalho, que recebia constantes demandas reivindicativas, mantinha um vigoroso Poder Normativo como forma de responder aos conflitos coletivos e sindicais, sendo que suas decisões eram uma referência para as categorias de trabalhadores que se encontravam trabalhando. Esse elo entre as duas instituições era forte e contava com a importante participação do Ministério Público do Trabalho. Independentemente de ser uma experiência boa ou ruim, pois não cabe aqui entrar na antiga polêmica doutrinária, o fato é que esse elo foi substancialmente minguado com a EC nº 45/2004, restando efetivamente os dissídios de greve, antipáticos aos sindicatos e aos movimentos de trabalhadores. A partir de então a Justiça do Trabalho passou basicamente a julgar processos individuais ou coletivos/individuais (substituição processual, ações civis públicas etc.) com base em cumprimento da lei, sem maior esforço em promover negociações coletivas. A atuação do Ministério Público do Trabalho em defesa de trabalhadores superou a atuação dos sindicatos no âmbito da Justiça do Trabalho, considerando que ele tem a prerrogativa de promover investigação.

Acredito que hoje haja um distanciamento forte entre a Justiça do Trabalho e as representações de trabalhadores, sendo estes mais representados processualmente pelo MPT e pelos escritórios de advocacia, com ênfase em condenações indenizatórias, muitas delas com reflexos praticamente nulos em relação àqueles que estão trabalhando. Exceções são as ações que atingem as empresas estatais e algumas poucas privadas, como os bancos. Algumas condenações chegam até a alcançar, indiretamente, os que estão trabalhando, como as que buscam melhorias de condições de trabalho e que não se limitam a um caso isolado. Mesmo nesses casos, a possibilidade de se receber uma indenização depende efetivamente da ação judicial individual. Também as ações coletivizadas estão se transformando em múltiplas ações individuais de execução. A preocupação do advogado na ação individual é angariar o máximo possível de condenação de forma globalizada, não coibindo diretamente o empregador a mudar sua relação com os empregados que se encontram trabalhando.

Os sindicatos, por sua vez, representam os trabalhadores que se encontram trabalhando, embora processualmente ainda possam, eventualmente, representar ex-empregados. Mas, para os líderes sindicais que dependem de eleição, a prioridade, decerto, refere-se àqueles que votam nas assembleias. Também as comissões de empregados terão maior preocupação em responder aos empregados que estão trabalhando.

A possibilidade de a Justiça do Trabalho vir a se aproximar dos representantes dos trabalhadores não se dá mais por meio de um elo institucional, e sim por meio de uma relação de prestação jurisdicional. Não há proposta de alteração institucional, e acredito que esta não seja a questão a ser colocada. Já a prestação jurisdicional é algo que deve ser aperfeiçoado, se considerarmos que a Justiça do Trabalho difere da Justiça Comum. A primeira tem sua tradição histórica centrada nas ações coletivas e na proteção de classe, já a segunda é voltada para ações individuais e não para um único ente protegido.

Acredito que a Reforma de 2004 encolheu o espaço das reclamações trabalhistas para compartilhamento com outras cobranças pecuniárias, como as que executam valores a favor da Previdência Social e da Receita Federal (multas e tributos), o que fortaleceu ainda mais o aspecto da cobrança econômica da Justiça do Trabalho. As infindáveis cobranças previdenciárias em nada alteram o tempo de serviço do reclamante, sendo cobradas como um tributo qualquer, sem destinação individualizada.

Por sua vez, a Reforma do CPC de 2015 aproximou ainda mais os processos trabalhistas dos civis, a ponto de hoje quase não existir mais diferença de rito entre eles. Os pedidos iniciais também aumentaram em quantidade e em complexidade, sendo muitas vezes julgados basicamente por técnica de ônus da prova. A técnica processual acaba por prevalecer sobre o aperfeiçoamento das relações de trabalho. Os incentivos às conciliações se limitam ao âmbito individual e se voltam para montante de valores, sem nenhuma preocupação com resultados diretos nas relações de trabalho.

Se a Reforma de 2004 interferiu nos dissídios coletivos, a Reforma de 2017 agora interfere nos julgamentos individuais sobre as normas coletivas, restringindo o poder de interpretação dos juízes sobre elas. O §3º do art. 8º da CLT limita a fundamentação judicial da nulidade da negociação à regra geral do Código Civil (pessoa capaz, forma prescrita em lei e objeto lícito). A Reforma de 2017 também aumentou o âmbito da negociação individual direta entre empregados e empregador, transformando algumas leis de ordem pública em leis dispositivas. Pode-se dizer que a Reforma, nesse ponto, enfraqueceu tanto o sindicato quanto a Justiça do Trabalho.

Os dissídios individuais postulam não só o cumprimento de normas coletivas, mas também a declaração de nulidades de cláusulas coletivas, as denominadas in pejus. Embora exista o dissídio coletivo de natureza jurídica, que pode anular uma cláusula coletiva com o efeito orga omnes, é certo que a via individual responde de forma mais imediata e eficaz aos interesses individuais, por já estar acompanhada de condenação econômica. O dissídio coletivo de natureza jurídica visa pôr ordem na empresa, gerando uma interpretação normativa. Hoje buscamos muito mais uma súmula vinculante para gerar condenações individuais, e raras são as iniciativas do uso do dissídio coletivo para dirimir conflitos entre aqueles que estão trabalhando ou mesmo para anular cláusulas coletivas, o que, de certa forma, não gera indenização. O próprio MPT prefere ajuizar uma ação civil pública com pedido de elevada indenização de dano moral coletivo a ter de ajuizar um dissídio coletivo.

Acredito que seja unânime a opinião de que anulamos muitas cláusulas coletivas a partir de uma fria e isolada análise técnica, sem conhecimento do conjunto do que foi negociado, do que cada uma das partes cedeu e ganhou. A quebra de uma cláusula pode significar o fracasso de toda uma negociação que levara à pacificação de um conflito coletivo, resolvido pelas próprias partes. Defendemos tanto a negociação extrajudicial coletiva mas a anulamos com facilidade, muitas vezes apenas para gerar uma indenização para aqueles que já não se encontram trabalhando. É raro anularmos e pagarmos aqueles que estão trabalhando, corrigindo o erro diretamente nas relações de trabalho.

Outra modalidade de julgamento que a Justiça do Trabalho tem enfrentado em âmbito individual é o posicionamento sobre conflitos entre sindicatos que disputam a representação de uma mesma categoria. Tais questões surgem como questões prejudiciais em muitas reclamações trabalhistas, ou a própria ação tem como pedido principal o enquadramento sindical. Nesse último caso, o conflito é entre os próprios sindicatos da classe, sobre os quais julgamos sem muito conhecimento dos fatos. Saber qual sindicato tem mais legitimidade é algo que depende de uma análise mais profunda. E ainda há os conflitos em torno de eleições sindicais, quando os fatos são consumados já em liminares.

Se me permitem propor algo, sou favorável à criação de um órgão ou uma comissão dentro da estrutura do nosso Tribunal Regional que tenha o objetivo de auxiliar os magistrados e os representantes de trabalhadores com informações sobre o quadro geral dos principais litígios que envolvam convenções coletivas e conflitos entre sindicatos, selecionando decisões judiciais e, se possível, incentivando pesquisas sobre casos importantes.

É bom lembrar, para aqueles que não dão muita importância a essa relação entre a Justiça do Trabalho e os sindicatos, que a Reforma de 2017, de modo mais radical ainda que as antigas comissões de conciliação prévia, que eram paritárias, permite o acordo extrajudicial anual nos sindicatos (art. 507-B). Certamente, critérios para esse tipo de negociação são importantes, a fim de se evitarem fraudes ou negociações que prejudiquem os trabalhadores. Com isso quero dizer que devemos ter alguma iniciativa nesse sentido, antes que nós mesmos venhamos a julgar de forma extremamente individualizada, com resultados muito diversos entre si.