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sexta-feira, 3 de março de 2017

DECISÃO JUDICIAL QUE SUSPENDE O CONCURSO DE MESTRADO E DOUTORADO DO PPGSD-UFF


AUTOR : TERTULIANO SOARES E SILVA ADVOGADO: BRUNO CEZARIO ALVES REU : UFF­UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 04ª Vara Federal de Niterói Magistrado(a) WILLIAM DOUGLAS RESINENTE DOS SANTOS Distribuição ­Sorteio Automático em 02/03/2017 para 04ª Vara Federal de Niterói Objetos: CONCURSO PUBLICO ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ Concluso ao Magistrado(a) WILLIAM DOUGLAS RESINENTE DOS SANTOS em 02/03/2017 para Despacho SEM LIMINAR por JRJWRS ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ 


PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Rio de Janeiro 4a Vara Federal de Niterói PROCESSO: 0022396­03.2017.4.02.5102 (2017.51.02.022396­0)  AUTOR: TERTULIANO SOARES E SILVA  REU: UFFUNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE  TERTULIANO SOARES E SILVA ajuíza a presente ação em face da UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE pleiteando a anulação integral do item 2.3.3 do Edital PPGSD­UFF/2017 ("Após a realização das etapas do concurso serão selecionados os candidatos classificados conforme a disponibilidade de vagas de cada Linha de Pesquisa, desde que tenham obtido a nota mínima de 7,0 (sete) como resultado final da seleção, salvo aqueles que se autodeclararem afrodescendentes, que não terão nota mínima de corte"). OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: ESTA É UMA DECISÃO SOBRE COTAS, MAS O OBJETO DA PRESENTE NÃO VERSA SOBRE INTERESSES DE COTISTA X NÃO COTISTA, MAS SIM UMA DISPUTA ENTRE COTISTAS. Esta é a questão nodal. Contudo, além desta questão principal, o juízo verificou que existem outros pontos onde existem indícios de que os princípios da legalidade, publicidade e moralidade foram violados. Outra observação importante é que o juiz que profere a presente decisão defende as cotas nas universidades, com vários artigos publicados nesse sentido, assim como já tendo duas vezes comparecido ao Congresso Nacional para, em audiências publicas, defender as cotas. A aplicação abusiva e equivocada das cotas é algo ruim, que prejudica a sociedade como um todo e em especial aqueles a quem as cotas são direcionadas. Não permitir abusos na execução das ações afirmativas é um requisito para que alcancem seus objetivos e para que não promovam injustiças. A lei maior e as leis em geral continuam sendo os referenciais para a conduta, tanto da Administração Pública quanto do Poder Judiciário, tanto na questão das cotas como em qualquer outra. A autonomia das universidades e a discricionariedade administrativa não permitem a violação da lei. Aparentemente, a UFF está aplicando de forma bastante equivocada a lei de cotas. E a aplicação equivocada da lei é ilegal. Há notícia de entrevistas a portas fechadas e isto impede a sindicabilidade da lisura do certame, violando de forma explícita e grave os princípios do artigo 37, caput da CR/88. É preciso entender também o que ocorreu nas provas de títulos pois as mesmas não podem ser palco de decisões imotivadas e subjetivas dos examinadores. Há informação de que uma candidata foi avaliada por seu orientador, o que embora não seja explicitamente ilegal é indicador de possível favorecimento. Espera-se da UFF, enquanto autarquia federal, que preserve a igualdade dos candidatos. Eventuais privilégios, só os legais. Entre cotistas, qualquer falha na isonomia é ilegal; entre cotistas e não cotistas, qualquer discriminação que ultrapasse a previsão legal, idem. Importante analisar a tabela com os resultados das quatro fases do certame que segue. A ordem dos nomes representa a classificação na 1ª fase, que é a única eliminatória e, também desidentificada, o que garante melhor a lisura, onde há certeza de inexistência de favoritismos ou perseguições. As notas elencadas são tão somente daqueles que concorreram como cotistas na área em que participa o autor da presente ação: NOME 1ª ETAPA (ELIMINATÓRIA) 2ª ETAPA (IDIOMA) 3ª ETAPA (TÍTULOS) 4ª ETAPA (ENTREVISTA) MÉDIA  SE 8,75 9,0 2,70 4,0 5,22 (5º)  TERTULIANO SOARES 7,25 5,0 3,50 4,0 4,98 (6º)  RI 7,0 9,0 5,80 8,5 7,56 (1º)  CA 6,25 5,0 5,0 8,0 6,58 (4º)  RE 4,75 6,5 7,4 8,0 6,76 (3º)  RO 4,75 5,5 10,0 8,5 7,38 (2º)   O primeiro problema identificado é que a UFF, sem base legal, e em decisão que, ao menos prima facie (como é este juízo de tutela inicial), agiu de modo abusivo ao eliminar totalmente a nota de corte. Uma coisa é reduzir em 10 ou 20% a nota de corte, outra é não haver nota de corte. Eliminar a nota de corte é transformar uma prova eliminatória em classificatória e, mais que isso, abdicar de qualquer critério mínimo de seleção. A existência das cotas não pode ser um estímulo a que qualquer cotista possa abdicar de adquirir conhecimentos mínimos para se candidatar a um programa de pós­graduação. Ao mesmo tempo em que é irrazoável, esta ideia prejudica os cotistas que possuem maior grau de conhecimento. Essa constatação teórica é percebida nos resultados práticos da seleção ora em análise. Pois bem, três dos candidatos não teriam sido aprovados. Isto já garantiria uma vaga para os três cotistas que foram aprovados (pois havia quatro vagas). O critério eleito é tão exagerado que gera distorções que evidenciam a ilegalidade por ferir princípios constitucionais. No final, após exames feitos de modo subjetivo (pelo menos até que haja alguma explicação razoável por parte da UFF), os dois primeiros colocados da prova, em tese eliminatória, ficaram sem as pretendidas vagas. Aqueles que não obtiveram a nota de corte os ultrapassaram. O limite de tratamento desigual entre cotistas e não cotistas é a lei, não podendo o administrador ir além, ainda que movido pelos melhores sentimentos e propósitos. Mas aqui, repito, o caso é mais grave, pois trata DESIGUALMENTE candidatos cotistas, os quais entre si têm direito ao tratamento isonômico. O fato é que os dois primeiros colocados na prova eliminatória foram excluídos das vagas ao longo do certame. O critério de eliminar nota de corte prejudicou os cotistas que obtiveram as melhores notas no exame que em regra é eliminatório, sendo que tal caráter eliminatório foi suprimido pela UFF tão somente para cotistas. Além da violação ao princípio da isonomia entre os candidatos cotistas, é preciso refletir sobre até que ponto é lícito e aceitável que tais inovações na prática eliminem um controle mínimo de qualidade dos candidatos, limitando o acesso tão somente a idioma, títulos e entrevista, ainda mais quando estas últimas duas modalidades não estão demonstradas de forma suficientemente objetiva. As notas das entrevistas também merecem nova análise. O Judiciário não pode interferir na avaliação nem no mérito administrativo, mas também não pode se omitir ou permanecer omisso diante de determinadas circunstâncias. A entrevista não pode ser palco de favoritismo ou perseguição, não pode ser uma fase onde os examinadores possam alterar o resultado final sem que haja motivos objetivos para isso. Se houver indício de ilegalidade e/ou favorecimento/perseguição, o juiz tem o dever (cívico, constitucional, legal, moral e ético) de interferir. A imagem de Themis representa uma mulher cega para mostrar que não irá favorecer a um ou outro litigante. Porém, a justiça não pode ficar cega diante de parcialidade do administrador público. Há uma grande disparidade entre as notas nas entrevistas, cabendo à UFF esclarecer seus critérios, vez que o resultado foi os dois primeiros colocados serem preteridos . As entrevistas não podem ser feitas de forma secreta. Nem mesmo os tribunais têm direito a esse grau de sigilo, e por boa razão: a publicidade evita abusos. A 03/03/2017 Apolo ­ Resultado da Consulta Processual http://procweb.jfrj.jus.br/portal/consulta/resconsproc.asp 2/3 luz traz proteção a todos, a começar por proteger o interesse público. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. RESIDÊNCIA MÉDICA. ­ O ordenamento jurídico não tolera a realização de entrevista secreta, de cujo resultado não se pode recorrer e da qual não se saiba sequer o grau atribuído. ­ Autorizada a freqüência dos impetrantes nas residências, ainda que provisoriamente, desde a concessão da liminar, consumou-se a situação de fato e exauriram ­se os respectivos efeitos. (TRF­4ª Região ­ REO 2000700000400267, Rel. Valdemar Capeletti, 4ª Turma, julgado em 18/10/2001, publicado no DJ de 14/11/2001, pág. 1209). ¿ (grifei) O resultado final é que um candidato cotista (SE) obteve 8,75 na prova desidentificada e eliminatória, ficando em 1º lugar nessa fase e terminou em 5º lugar, não obtendo vaga. Ele também teve melhor nota em idiomas, anote-se. Observação: A candidata CA, que seria eliminada na 1ª etapa, obteve na prova escrita mais idioma 11,25 e ficou em 4º lugar, conseguindo a vaga. Já o candidato SE, que cumpriu a nota de corte, obteve nessas duas primeiras provas 17,75, sendo, ao final, eliminado. As notas na prova de título e entrevista alteraram substancialmente o resultado final. Se houver motivo para isso, nenhum problema: faz parte dos concursos em etapas que as colocações sejam alteradas. No entanto, se não houver justificativa objetiva, tal alteração pode indicar perseguição ou favoritismo que o Direito não admite. A candidata que obteve a classificação mesmo após não cumprir a nota de corte, segundo documento dos autos (fl. 229), ainda não tem mestrado, requisito do certame, sendo mestranda orientada por Eder Fernandes, que é componente da Banca e um dos entrevistadores. SE, preterido, já tem mestrado. Cabe, portanto, suspender o concurso e dar à UFF a oportunidade de defesa e em especial, de explicar melhor os critérios que geraram tamanha disparidade. Ninguém está livre, nos termos do artigo 37 da CR/88, de explicar como chegou a um dado resultado na gestão pública. Vale transcrever a análise de Ivan da Costa Alemão Ferreira, que renunciou a sua função de examinador da banca do certame em questão, sobre a aplicação de cotas na UFF: ANÁLISE CRÍTICA DA APLICAÇÃO DE POLÍTICA DE COTAS DE NEGROS NO PPGSD­UFF A partir de dados apresentados (mais abaixo) chego às seguintes conclusões: Primeiro, que não existe discriminação no PPGSD já que é alto o índice de negros aprovados sem necessidade de cota. No mestrado além da cota de 20%. Aproveitou-se mais de 25% de candidatos negros (45% no total). No doutorado além dos 20% da cota aproveitou-se mais 12% de candidatos negros (32% no total). Problema do regime adotado é, em primeiro lugar, a seleção qualitativa entre os próprios negros. O Edital considerou como critério absoluto a ¿média final¿, desconsiderando a fase eliminatória para os negros. Isso implicou em o mestrado aproveitar seis candidatos negros que não obtiveram a nota mínima de sete na fase eliminatória, e aprovar seis candidatos que tiraram menos de sete na fase eliminatória. No doutorado, foram aprovados quatro candidatos que seriam reprovados na fase eliminatória (nota abaixo de 7) e não foram aproveitados três candidatos que na mesma prova eliminatória foram aprovados (nota 7 ou mais). Observa-se que houve um elevado grau de importância na nota de projeto/entrevista, que levou até mesmo a não aceitação de negros aprovados na prova escrita. No mestrado as duas notas têm peso 4, sendo que no doutorado a prova escrita tem peso 3 e a de projeto/entrevista tem peso 4. Em relação aos demais candidatos, houve segregação em dois mementos. Primeiro na prova escrita e depois pela ausência de suplentes. Os defensores do Edital afirmam que a nota zero na fase eliminatória é o efetivo mecanismo afirmativo. Os dados demonstram que esse critério efetividade também prejudicou outros candidatos negros que na fase eliminatória obtiveram nota de aprovação (os que não precisavam de proteção). Os dados também demonstram que essa ¿efetividade¿ ocorreu de fato na pontuação da fase de entrevista/projeto, e não na prova escrita que é a que o candidato não é identificado. É na prova não identificada que efetivamente se avalia a qualidade do candidato sem discriminação, sendo a entrevista um momento de identificação total. As chances de preconceito/favorecimento são maiores nesta oportunidade, inclusive entre negros. Não consegui chegar a uma explicação sobre a ausência de suplentes, o que faz lembrar um quebra ­cabeça que não falta peça. Com isso se tirou a chance de negros e de brancos aproveitarem vagas de eventuais desistentes, além de ser algo estranho. Entendo que a aplicação da política de cotas como regem as leis é a melhor: apenas no resultado final é que se aproveita 20% das vagas para os negros, sem necessidade de se criar mecanismos apressados que tentam acelerar a política afirmativa, mas que pode chegar a criar injustiça entre os próprios protegidos. Vejamos a seguir as regras e os dados. COMPOSIÇÃO DE AFRODESCENTENTES NO PROGRAMA O programa teve, segundo informação do seu coordenador, a inscrição de 409 candidatos (mestrado e doutorado), tendo a efetiva participação de 260 candidatos, que é um dado expressivo e positivo. A quantidade de vagas oferecidas, segundo o Edital, foi de até 39 vagas para Mestrado e 39 vagas para Doutorado, vagas estas distribuídas por linhas de pesquisa (seis linhas de pesquisa: AJ, CS, DH, OS, RT, e SP) [1], com previsão de cota de 20% para afrodescendentes em cada uma delas. Independentemente de política de cotas o programa teve enorme aderência. Talvez uma propaganda dirigida à convocação dos negros já seria suficiente para atingir percentuais significativos, muito embora não há como comparar com os anos anteriores já que neste não havia declaração pessoal sobre a condição do candidato. Entre os definitivamente aprovados para o mestrado, 45% se declaram afrodescendentes e no doutorado 32%. (grifos nossos) O edital apresenta alguns critérios objetivos para as entrevistas, mas a ausência de público e/ou gravação nas mesmas faz crer que a UFF fez tabula rasa do edital que, embora já, aparentemente, tenha nulidades, não foi cumprido. Há uma grande discrepância nas notas de títulos atribuídas aos candidatos e, numa primeira análise, parece irrazoável o resultado final, haja vista as próprias disposições do edital quanto à avaliação dos títulos. Ainda que se trate de mérito administrativo, o administrador não pode se distanciar das normas do edital, que devem ser obedecidas. Assim, necessário se faz a justificativa, item a item, das notas atribuídas no que refere a etapa de avaliação de títulos de cada candidato. O MPF já havia sugerido a suspensão do concurso (fls 152) e, tivesse a UFF dado um pouco mais de atenção a tal alerta, pouparia a todos da frustração pela interrupção do processo seletivo. Além disso, pouparia a UFF das despesas geradas com uma seleção inquinada de vício e o Judiciário das despesas geradas para corrigir algo que a própria UFF poderia ter evitado. Igualmente, frustram-se os candidatos e o normal andamento do Programa de PósGraduação. No entanto, por mais que se lamente tantos dissabores, o Judiciário (assim como o MPF) não podem ficar inertes diante da gestão pública quando esta se afasta dos ditames constitucionais e legais. Por isso, todo o desconforto pela suspensão do concurso determinada nesta decisão deve ser imputada à própria UFF. Diante do acima exposto, presentes os requisitos do art. 300 do CPC/2015, probabilidade do direito, no caso a aparente nulidade da cláusula 2.3.3 do Edital PPGSD­UFF/2017 e o perigo de dano, já que a matrícula ocorrerá no próximo dia 06 de março, concedo a tutela de urgência para suspender todo o concurso publicado por meio do Edital de Seleção PPGSD 2017. Intime­-se a UFF para imediato cumprimento da presente decisão e para fornecer a qualificação completa dos demais candidatos, incluindo endereço, em 5 (cinco) dias. Deverá a UFF, ainda, no mesmo prazo, fornecer de modo detalhado a pontuação dada (e fundamentação) a cada candidato na avaliação de títulos, devendo indicar o motivo pelo qual o candidato pontuou e deixou de pontuar, assim como esclarecer sobre como ocorreram as entrevistas e sua pontuação. Cite­se. Intime­se o Ministério Público Federal, ressaltando que o referido órgão já está ciente da questão trazida na presente demanda, tendo, inclusive, opinado pela suspensão do certame, conforme fl. 152 dos presentes autos. Emende a parte autora a inicial, em 15 dias úteis, juntando aos autos cópia atualizada da Declaração Anual de Imposto de Renda a fim de que este Juízo possa analisar o pedido de gratuidade de justiça. Niterói, 3 de março de 2017. (assinado eletronicamente) WILLIAM DOUGLAS RESINENTE DOS SANTOS Juiz Federal ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ Registro do Sistema em 03/03/2017 por JRJRFO. 03/03/2017 Apolo ­ Resultado da Consulta Processual http://procweb.jfrj.jus.br/portal/consulta/resconsproc.asp 3/3 ===============================================================