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quarta-feira, 15 de março de 2017

PARECER E AÇÃO CIVIL PÚBLICA DO MPF CONTRA O EDITAL SOBRE COTAS DE NEGROS NA UFF

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Município de Niterói

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA 4ª VARA FEDERAL DE NITERÓI SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
PROCESSO: 0022396-03.2017.4.02.5102 (2017.51.02.022396-0)
AUTOR : TERTULIANO SOARES E SILVA RÉU: UFF- UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Trata-se de ação com pedido de tutela de urgência antecipada ajuizada por TERTULIANO SOARES E SILVA em face da UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF), por meio da qual é atacada a legalidade da seleção destinada à vaga de mestrado e doutorado no Programa de Pós-graduação de Direito e Sociologia da UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – Edital de Seleção PPGSD 2017.
Requer o autor a nulidade e exclusão do trecho “aqueles que se autodeclararem afrodescendentes, que não terão nota mínima de corte.”, inserido no item 2.3.2.1.2, bem como a anulação integral do item 2.3.3 do Edital PPGSDUFF/2017, que prevê “Após a realização das etapas do concurso serão selecionados os candidatos classificados conforme a disponibilidade de vagas de cada Linha de Pesquisa, desde que tenham obtido a nota mínima de 7,0 (sete) como resultado final da seleção, salvo aqueles que se autodeclararem afrodescendentes, que não terão nota mínima de corte”, cominada com a imediata suspensão do concurso público e de todas as fases subsequentes de matrícula e início das aulas até o julgamento do mérito e seu trânsito julgado.
Ainda, como pedido sucessivo, requerer o autor que seja autorizada a matrícula no Programa de Pós-graduação Stricto Senso em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense na modalidade Doutorado na Linha de Pesquisa “Direito Humanos, Governança e Poder”; que sejam entregues imediatamente ao JLPP demandante suas avaliações devidamente corrigidas, com fundamentação e motivação por escrito, junto com o padrão de respostas de cada uma delas, inclusive as Atas de Avaliação da Entrevista e do Projeto referentes a 3º e 4º fases do processo seletivo, também com as devidas fundamentações e motivações das notas concedidas; que seja dado novo prazo dentro das normas vigentes aplicáveis ao processo administrativo para que apresente novo recurso de revisão das avaliações a uma nova Banca Examinadora constituída para fins de reavaliação de suas médias; e que seja o autor declarado aprovado e suplente a vagas que vierem a restar em face de desistência como seria seu direito líquido e certo na forma do item 2.3.3 do Edital.
O autor aduz em suas razões que o Edital do Concurso Público às vagas de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense incluiu dispositivo de previsão de cotas em desacordo com o Art. 3º da Lei nº 12.990/2014 (Lei Federal da Reserva de Cotas Raciais), quando prevê na fase eliminatória - 1º fase – prova escrita – nota de corte 7,00 para todos os candidatos EXCETO OS AFRODESCENDENTES.
Alega o autor que a PPGSD-UFF violou suas limitações constitucionais de autonomia didático administrativa ao legislar, produzindo uma nova lei em seu edital, no sentido de negros não terem nota de corte.
Manifestação apresentada pela Universidade Federal Fluminense, às fls. 287/296. Em breve síntese, pleiteia a ré a reconsideração da tutela de urgência, alertando ao Juízo acerca da existência do risco de irreversibilidade da medida. No mérito pontua que não trata o certame de concurso público para provimento de cargos na Administração Pública, nem mesmo há plena simetria com o vestibular, para preenchimento de vagas na graduação, não buscado recrutar apenas o candidato intelectualmente mais preparado, mas, sim, busca selecionar o melhor projeto de pesquisa, que se enquadre no perfil de um grupo de pesquisadores já existentes e com propostas temáticas bem definidas. Aduz que houve sim nota de corte dos que se declararam afrodescendentes, apenas sendo deslocada da primeira para a quarta fase do processo, qual seja, na análise do projeto e da entrevista, o que é possível e plenamente justificável.
Trata-se de ação com pedido de tutela de urgência antecipada ajuizada por TERTULIANO SOARES E SILVA em face da UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF), por meio da qual é atacada a legalidade da seleção destinada à vaga de mestrado e doutorado no Programa de Pós-graduação de Direito e Sociologia da UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – Edital de Seleção PPGSD 2017.
Urge ressaltar, ab initio, conforme documentação acostada aos autos, que este órgão ministerial ao verificar a patente ilegalidade das disposições editalícias, no curso das apurações travadas no procedimento administrativo nº 1.30.005.000036/2017-13, RECOMENDOU a suspensão da divulgação do resultado do certame público. Todavia, a comissão entendeu por bem não acatar a recomendação referenciada.
Nos termos do Edital de Seleção PPGSD 2017, conforme expressa previsão nas cláusulas 2.3.2.1.2; 2.3.2.4; 2.3.2.4.1; 2.3.3., os candidatos que se autodeclararem afrodescendentes não terão nota mínima de corte durante as etapas do certame, apenas sendo possível sua eliminação na quarta, e última, etapa, qual seja, exame do projeto de pesquisa e entrevista.
Não se pode deixar de destacar que tratam-se de etapas carregadas de subjetividade. Ademais, os elementos trazidos à análise apontam a ocorrência de entrevistas a portas fechadas, o que põe em dúvida a lisura do certame, violando de frontalmente os princípios do artigo 37, caput da CR/88.
Indiscutível que a postura adotada pela banca organizadora na seleção para mestrado e doutorado no Programa de Pós-graduação de Direito e Sociologia da Universidade Federal Fluminense trouxe nefastas consequências aos candidatos que participaram do certame, não apenas aos não cotistas, mas também aos que participaram na qualidade de cotista, como o próprio autor da presente demanda. Como esplendorosamente pontuou o i. magistrado na decisão liminar “O limite de tratamento desigual entre cotistas e não cotistas é a lei, não podendo o administrador ir além, ainda que movido pelos melhores sentimentos e propósitos. Mas aqui, repito, o caso é mais grave, pois trata DESIGUALMENTE candidatos cotistas, os quais entre si têm direito ao tratamento isonômico”.
A Constituição Federal, em seu art. 37, caput, estabelece os princípios norteadores da Administração Pública, dentre os quais encontra-se a legalidade, impessoalidade e moralidade, todos violados com a conduta praticada pela autarquia federal.
É verdade que à Administração Pública é dado o poder para estabelecer as regras dos certames públicos. Contudo, inconteste que o poder discricionário da Administração Pública encontra limites legais e principiológicos.
Seguindo essa linha de raciocínio, é de fácil constatação que o ato administrativo praticado pela ré encontra-se em flagrante descompasso com o princípio da isonomia e moralidade, porquanto extrapola o âmbito de atuação da Administração Pública e o exercício do poder discricionário. A determinação constante no edital afastando, pura e simplesmente, a aplicação de nota de corte, na fase eliminatória, daqueles que se autodeclararam afrodescendentes não encontra razoabilidade e tem caráter discriminatório injustificado, adentrando na esfera da arbitrariedade.
Em hipóteses tais, por menosprezar o dever de observância da juridicidade (legalidade com equidade e enfoque tipicamente constitucional), a Administração Pública viabiliza a análise do ato administrativo pelo Poder Judiciário, pois inexistente adequado e legítimo exercício da discricionariedade. A bem da verdade, o Poder Judiciário restabelece, nesses casos, a legalidade, exigindo a observância dos princípios da isonomia e moralidade administrativa.
Ante o exposto, opina o Ministério Público Federal pela PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, restando prejudicado o pedido sucessivo requestado pelo autor.
Niterói, 14 de março de 2017
WANDERLEY SANAN DANTAS Procurador da República